OUÇA: Auxiliar de Moraes sugere em áudios estratégia para evitar uso descarado do TSE
Segundo ele, o modelo a ser seguido a partir de então fora debatido entre a chefe de gabinete Cristina Gomes e outro assessor de Moraes no STF, Jefferson Silva.
“Em um primeiro momento pensei em colocar o meu nome, de ordem do juiz Airton Vieira, etc etc. Mas, pensando melhor, fica estranho. Porque eu não tenho como mandar pra você [Tagliaferro], que é lotado no TSE, um ofício ou pedir alguma coisa e você me atender sem mais nem menos”, afirma.
A seguir, Airton Vieira detalha como seria o formato correto para solicitar relatórios e monitoramentos para a assessoria comandada por Tagliaferro. “Eu teria que mandar um ofício ao presidente do TSE, pedindo para que ele repassasse essa ordem para você, para que você, aí, me atendesse”, diz.
Em seguida, o juiz instrutor de Moraes indica ter ciência da irregularidade dos pedidos diretos que fazia a Tagliaferro para envio dos relatórios posteriormente utilizados para embasar medidas cautelares contra bolsonaristas.
“Ficaria chato”, diz o juiz instrutor, se descobrissem a forma como os dois estavam atuando.
“Embora saibamos que entre nós as coisas são muito mais fáceis justamente porque temos um mínimo múltiplo comum na pessoa do ministro [Alexandre de Moraes], mas eu não tenho como, formalmente… Se alguém for questionar, vai ficar uma coisa muito descarada, digamos assim”, afirma.
“Como um juiz instrutor do Supremo manda pra alguém lotado no TSE, esse alguém sem mais nem menos obedece e manda um relatório, entendeu? Ficaria chato.”
Diálogo entre Airton e Tagliaferro
-
10.out.2022
Airton Vieira de 21h07: Boa noite! Tudo bem?! Preciso de um relatório simples, pode ser? Obrigado.
Eduardo Tagliaferro de 21:27: Boa noite, sim, já lhe entrego
Eduardo Tagliaferro de 21:27: Abs
Eduardo Tagliaferro de 22:48: ANÁLISE B38 – STF.pdf • 18 páginas
Eduardo Tagliaferro de 22:48: por favor, veja se está ok.
Eduardo Tagliaferro de 22:48: abraços
Airton Vieira de 22:51: Boa noite, Eduardo. Tudo bem? Seguinte, conversando com Cristina, ela pediu que a partir deste relatório e desse em diante onde você coloca STF, você coloca, por favor, TSE. O número do processo nunca ficar em aberto, colocar, no caso desse e dos próximos, a não ser que tenha alguma outra contraindicação, o 4.781. Colocar como de ordem do Dr. Marco Antônio. Por quê? Porque atualmente o ministro passa por uma fase difícil, qualquer detalhe, qualquer peninha pode virar amanhã ou depois mais um objeto de dor de cabeça para ele. Então, para todos os fins, fica de ordem dele, do Dr. Marco, que ele manda enviar pra gente e aí tudo bem. Ninguém vai poder questionar nada, etc, falar de onde surgiu isso, caiu do céu, a pedido de quem, etc. E colocar em cima TSE, processo, como nesse aqui que você já mandou, por favor, 4.781, de ordem do Dr. Marco Antonio Martins Vargas, juiz, não sei qual o cargo que ele tem no TSE
Eduardo Tagliaferro de 22:53: Combinado
Eduardo Tagliaferro de 22:56: Não fica estranho eu colocar o número de processo, sendo eu do TSE?
Eduardo Tagliaferro de 22:57: Não seria melhor colocar como relatório?
Três dias depois, em 13 de outubro, os dois voltam a falar sobre relatórios e o juiz instrutor cita novamente o receio de “questionamentos futuros” ao solicitar o envio das informações por ofícios assinados pelo juiz Marco Antonio Vargas, que atuava no gabinete de Moraes no TSE.
“O ministro pediu que daqui pra frente todos os relatórios, ele quer que venham acompanhados dos respectivos ofícios de encaminhamento. Especialmente esses mais delicados, para que se evite qualquer questionamento futuro. Ele quer procedimentalmente tudo em ordem”, diz Airton Vieira.
Também dias depois, em 19 de outubro, Airton faz um novo pedido para produção de um relatório sobre o pastor André Valadão. “Como combinamos? De origem do Dr Marco?”, questiona Tagliaferro.
Em seguida, o juiz instrutor de Moraes no STF reforça o modelo a ser seguido e cita a chefe de gabinete de Moraes, Cristina Yukiko Kusahara Gomes, como autora da sugestão de seguir o formato que esconde a real origem do pedido para produção do relatório.
“Sim. Enviando o setor de [combate à] desinformação para nós. Em razão da situação atual, a Cristina entende melhor que as nossas PETS [petições por meio das quais Moraes ordena medidas via STF] surjam por provocação, com algum documento”, afirma Airton Vieira.
De outubro de 2022, data dos áudios, até de abril de 2023, o principal assessor de Moraes continuou a solicitar diretamente a Tagliaferro o monitoramento de redes e produção de relatórios contra bolsonaristas.
Em todos os casos, Tagliaferro, de acordo com as mensagens obtidas pelo jornal Folha de S.Paulo, seguiu as ordens do juiz instrutor e encaminhou os relatórios, com seus respectivos ofícios, como se tivessem sido produzidos a pedido do juiz auxiliar Marco Antônio Vargas e com o timbre do TSE.