Trump cita aumento de compra de aço chinês pelo Brasil para justificar tarifas; siderúrgicas brasileiras reagem

Trump assina ordens executivas, em 20 de janeiro de 2025. — Foto: Jim WATSON / POOL / AFP
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mencionou o aumento expressivo de compra de aço da China pelo Brasil entre as justificativas para elevar as tarifas sobre as importações de aço e alumínio para 25% e cancelar cotas para grandes fornecedores.
“As importações brasileiras de países com níveis significativos de sobrecapacidade, especificamente a China, cresceram tremendamente nos últimos anos, mais do que triplicando desde a instituição deste acordo de cotas”, diz um dos trechos da ordem executiva adotada pelo republicano na segunda-feira (10).
O texto traz uma longa justificativa para a adoção da medida que afeta os principais vendedores de aço para os EUA. Os americanos argumentam, em linhas gerais, que países que foram beneficiados por exceções às tarifas impostas pelo próprio republicano em seu primeiro mandato —como é o caso do Brasil, que tem uma cota— aumentaram significativamente suas exportações para os EUA nos últimos anos.
Na argumentação de Trump, esses países estariam comprando cada vez mais aço da China, maior exportadora mundial e causadora do fenômeno conhecido como excesso de capacidade (ou sobrecapacidade), e como consequência enviando suas produções locais para o mercado americano.
“As exportações de aço da China aumentaram recentemente, ultrapassando 114 milhões de toneladas métricas até novembro de 2024, deslocando a produção de outros países e forçando-os a exportar volumes maiores de artigos de aço e artigos derivados de aço para os Estados Unidos”, afirma o texto assinado por Trump.
O efeito imediato desse cenário é a perda de espaço do setor metalúrgico americano, o que configura um risco à segurança nacional, ainda segundo o presidente americano.
O Brasil não é o único país citado no documento. O republicano se queixa que as importações de aço do México e do Canadá também aumentaram entre 2020 e o ano passado. No caso mexicano, Trump alega que as crescentes importações da China sugerem que há uma manobra de países que ainda estão submetidos às tarifas de contornar as barreiras comerciais e entrar no mercado americano de aço.
Nem mesmo a Argentina de Javier Milei, admirador de Trump, escapou das críticas. Para o presidente americano, preocupa a falta de transparência nos dados fornecidos pelos argentinos.
“Com base nas estatísticas comerciais oficiais divulgadas pela Argentina, é difícil avaliar os níveis de aço sendo importados de lugares como China e Rússia, e outras fontes potenciais de capacidade excedente”, diz.
Técnicos do governo Lula estão debruçados sobre a ordem executiva do republicano. Numa primeira avaliação, o diagnóstico é que não haverá qualquer tipo de exceção e que o impacto sobre o Brasil é basicamente o fim da cota que o país detinha para exportar aço ao país —ou seja, estaria submetido a partir de março a uma tarifa de 25%.
Produtos semiacabados de aço estão entre os principais itens exportados pelo Brasil aos EUA. São materiais intermediários da siderurgia, que precisam ser processados para se tornarem produtos finais. Eles são utilizados como matéria-prima para a fabricação de itens como chapas, perfis, tubos e outros produtos.
Na avaliação de um membro do governo Lula (PT), qualquer medida adotada agora serviria para abrir negociação entre os envolvidos, de forma individual ou coletiva.
Especialistas e integrantes do governo consideram que o Brasil tem um conjunto limitado de normas jurídicas para reagir imediatamente à imposição de tarifas por parte de Trump.
Antes do anúncio oficial dos EUA, a diretora-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), Ngozi Okonjo-Iweala, aconselhou os países atingidos a “pegar o telefone” e conversar com Trump. Segundo ela, o republicano “gosta de diálogo”.
Procurado, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços disse que não irá se manifestar sobre o tema e que caberá ao Palácio do Planalto uma resposta.
Cautela e silêncio marcam a estratégia dos gabinetes em Brasília desde que Trump fez as primeiras ameaças até o momento. O presidente Lula, contudo, já se manifestou em diversas ocasiões dizendo que o Brasil reagirá caso Trump imponha tarifas sobre os produtos brasileiros.
Líderes dos setores afetados pela ordem de Trump já se movimentam para discutir com o governo formas de lidar com a situação. Representantes do Instituto Aço Brasil estão em contato com membros da Secex (Secretaria de Comércio Exterior) e da Camex (Câmara de Comércio Exterior), órgãos ligados ao ministério comandado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin.
Siderúrgicas no Brasil reagem a Trump e negam que importação de aço chinês aumente venda para os EUA
O Instituto Aço Brasil, que representa as siderúrgicas brasileiras, disse na terça-feira (11) que recebeu com surpresa o anúncio de Donald Trump de que o governo americano taxará em 25% as importações de aço, independentemente da origem. Essa é a primeira vez que o setor se manifesta desde o anúncio do presidente americano.
Em nota divulgada, o instituto também nega argumento de Donald Trump de que o Brasil estaria importando grandes quantidades de aço chinês para enviar a produção nacional para os Estados Unidos. Esse argumento foi apresentado em um documento assinado por Trump e publicado na segunda.
“Cabe ressaltar que o mercado brasileiro também vem sendo assolado pelo aumento expressivo de importações de países que praticam concorrência predatória, especialmente a China, razão pela qual o Instituto Aço Brasil solicitou ao governo brasileiro a implementação de medida de defesa comercial”, diz o Instituto.
“Assim, ao contrário do alegado na proclamação do governo americano de 10 de fevereiro, inexiste qualquer possibilidade de ocorrer, no Brasil, circunvenção para os Estados Unidos de produtos de aço oriundos de terceiros países”, acrescenta a nota.
A entidade também diz que as empresas representadas estão confiantes na abertura de diálogo entre os governos dos dois países para restabelecer o fluxo de produtos de aço para os Estados Unidos, até porque os americanos, segundo o instituto, são superavitários em US$ 3 bilhões no comércio com o Brasil dos principais itens da cadeia do aço (carvão, aço e máquinas e equipamentos).
O Brasil é o segundo maior fornecedor de aço para os americanos, atrás apenas do Canadá, e o maior exportador de placas de aço para os EUA (3,4 milhões de toneladas, das 5,6 milhões, segundo o instituto) —matéria-prima para produtos acabados de aço. Além disso, cerca de metade das exportações de aço do Brasil vão para os EUA, o que coloca em risco importante fatia da produção siderúrgica brasileira.
Na nota, o instituto diz ainda que as empresas americanas não têm oferta suficiente para a demanda do produto no mercado local. Assim, as siderúrgicas brasileiras defendem que a flexibilização das restrições para o Brasil ajudaria a própria indústria dos EUA.
As siderúrgicas brasileiras lembram que em 2018 Trump também anunciou tarifas de 25% para aços importados, mas voltou atrás ao perceber a importância do produto brasileiro para a indústria americana. Na ocasião, após negociações, o governo americano fixou um limite de 3,5 milhões de toneladas de placas e 687 mil toneladas de laminados para entrar nos EUA.
Na segunda, a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) seguiu retórica semelhante. A entidade, que agrega siderúrgicas de Minas Gerais, disse que o Brasil pode obter concessões do governo Trump, uma vez que grande parte do aço exportado pelo Brasil é de peças semiacabadas –ou seja, que ainda precisam ser finalizadas para serem comercializadas para indústrias manufatureiras, como de automóveis e máquinas.
“Assim como ocorreu no primeiro mandato do ex-presidente Donald Trump, entendemos que, mesmo com a adoção de sanções, o Brasil poderá obter algumas concessões. Grande parte das nossas exportações são de produtos semielaborados, que passam por processos de industrialização em empresas norte-americanas, muitas delas coligadas a companhias brasileiras. Isso pode ser um fator favorável para que o Brasil não saia machucado dessa situação”, afirma Flávio Roscoe, presidente da Fiemg em nota.
Essa também é a projeção de alguns analistas de mercado. Na visão deles, é provável que as próprias empresas dos EUA ajudem na negociação com o governo Trump.
Ainda na terça (11), a ACNI (Confederação Nacional das Indústrias) disse que o Brasil não representa uma ameaça comercial para os Estados Unidos e que uma consequência da medida será o aumento de custos para os produtores norte-americanos.
A Amcham (Câmara Americana de Comércio para o Brasil), por sua vez, disse que a indústria siderúrgica brasileira possui significativo grau de integração com os EUA e que o aço brasileiro é um insumo estratégico para a indústria americana.
“O Brasil, por sua vez, importa um volume relevante de bens fabricados com aço nos Estados Unidos, incluindo máquinas e equipamentos, peças para aeronaves, motores automotivos e outros bens da indústria de transformação. Com as sobretaxas, há o risco de redução das importações brasileiras desses produtos de origem norte-americana”, diz a nota da entidade.
Já a Abal (Associação Brasileira do Alumínio) afirmou, em nota enviada na manhã desta terça, ser incerto se a nova tarifa anunciada por Trump substituirá a taxa existente de 10% para o alumínio brasileiro ou se será somada à atual (chegando a 35%).
Ainda assim, a associação já calcula os impactos. “Apesar de os produtos de alumínio brasileiros terem plena condição de competir em mercados altamente exigentes como o americano, seja pelo aspecto da qualidade ou da sustentabilidade, nossos produtos se tornarão significativamente menos atrativos comercialmente devido à nova sobretaxa”, diz a nota.
A entidade ressalta que, embora a participação do Brasil nas importações americanas de produtos de alumínio seja relativamente pequena (menos 1%), os EUA são parceiros comerciais importantes e correspondem a 16,8% das exportações brasileiras do metal. O comércio entre os dois países movimentou US$ 267 milhões do total de US$ 1,5 bilhão exportado pelo setor em 2024.
Em termos de volume, os EUA foram o destino de 13,5% do total (72,4 mil toneladas) das exportações brasileiras de produtos de alumínio.
“Além dos impactos na balança comercial, preocupa ainda mais os efeitos indiretos associados ao aumento da exposição do Brasil aos desvios de comércio e à concorrência desleal. Produtos de outras origens que perderem acesso ao mercado americano buscarão novos destinos, incluindo o Brasil, podendo gerar uma saturação do mercado interno de produtos a preços desleais”, acrescenta a Abal.