Trump confirma tarifas recíprocas para parceiros dos EUA e cita etanol brasileiro

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Trump assina ordens executivas, em 20 de janeiro de 2025. — Foto: Jim WATSON / POOL / AFP

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou na quinta-feira (13) a ordem de implementação de tarifas recíprocas, mirando países que, segundo o governo americano, taxam excessivamente sobre produtos dos EUA.

O etanol brasileiro está no topo da lista de exemplos elencada pelo governo em um documento que resume as medidas. “A tarifa dos EUA sobre o etanol é de apenas 2,5%. No entanto, o Brasil cobra uma tarifa de 18% sobre as exportações de etanol dos EUA. Como resultado, em 2024, os EUA importaram mais de US$ 200 milhões em etanol do Brasil, enquanto exportaram apenas US$ 52 milhões em etanol para o Brasil”, diz trecho do texto.

O governo brasileiro já havia sido alertado sobre possíveis medidas contra o etanol brasileiro.

As tarifas serão impostas “país por país” após estudos, começando pelas nações com os quais os EUA têm o maior déficit comercial. O secretário de Comércio, Howard Lutnick, afirmou que os estudos devem estar prontos até dia 1º de abril. As tarifas seriam impostas ao longo das próximas semanas.

Trump afirmou que a ordem “traz a justiça de volta” aos negócios do país. “Queremos um jogo equilibrado”, disse. “Se nos impuserem uma tarifa ou imposto, nós aplicaremos exatamente o mesmo nível de tarifa ou imposto, é simples assim.”

Trump há muito reclama que os EUA cobram taxas mais baixas do que a maioria dos outros países. A tarifa de 10% para automóveis da UE (União Europeia), quatro vezes a taxa de 2,5% para carros de passeio dos EUA, é um ponto particularmente sensível para ele.

No caso do Brasil, a reclamação é que o país impõe barreiras para a entrada do etanol dos EUA (fabricado a partir do milho) no Brasil, enquanto o equivalente brasileiro (à base de cana-de-açúcar) ingressa basicamente sem tarifas no mercado americano.

Segundo um interlocutor do governo brasileiro, diferentes ministérios estão levantando dados e analisando impactos das possíveis tarifas a serem aplicadas aos produtos brasileiros, mas nada deve ser feito de imediato. A ordem do presidente Lula é negociar, disse o interlocutor, segundo a agência Reuters.

O impacto de taxas no etanol, no entanto, não deve ser significativo. Relatório do banco BTG Pactual mostra que o Brasil exporta cerca de 6% apenas da sua produção de etanol, de cerca de 35 bilhões de litros por ano, e exporta menos de 1% para os EUA –cerca de 300 milhões de litros.

O relatório mostra ainda que o Brasil importou 109 milhões de etanol de milho dos EUA no ano passado, e que a importação não é vantajosa, com o produto chegando no Brasil com valores finais por litro acima do produzido no país.

A medida, no entanto, agrada aos produtores norte-americanos, que comemoraram a decisão de Trump.

Em nota, a Associação de Combustíveis Renováveis dos Estados Unidos (RFA, na sigla em inglês) agradeceu pela decisão de “restabelecer uma relação justa e recíproca no comércio de etanol com o Brasil”.

“Por quase uma década gastamos tempo e recursos preciosos lutando contra um regime tarifário injusto e injustificado imposto pelo governo brasileiro às importações de etanol dos EUA”, disse o presidente e CEO da RFA, Geoff Cooper em nota distribuída pela associação.

A decisão de não implementar tarifas imediatamente é vista pelo mercado como uma oferta inicial para negociação, seguindo a mesma estratégia que Trump já usou para obter concessões do México e do Canadá.

“O presidente Trump está buscando nivelar o campo de jogo global implementando tarifas recíprocas contra nações que mantêm taxas sobre os EUA”, disse José Torres, da Interactive Brokers, no início desta semana. “Mas os investidores estão começando a perceber que grande parte do discurso dificilmente se concretizará, com a retórica cada vez mais parecendo ser uma tática de negociação.”

Na análise de Pedro Moreira, sócio da One Investimentos, outros produtos brasileiros também podem estar na mira.

“Alguns estudos mostram que, realmente, o Brasil tem uma tarifa elevada para produtos americanos, enquanto os EUA têm tarifas menores para produtos brasileiros. Alguns segmentos são: minério de ferro, aço, carnes, etanol, café, o que eles chamam de ‘food preparation’. O Brasil deve sofrer algumas imposições em relação a esses produtos.”

Para Ian Lyngen da BMO Capital Markets, Trump deixou aberta a oportunidade para que os principais parceiros comerciais dos EUA venham à mesa de negociações com uma contraproposta.

“Estamos cautelosos em não nos apressarmos a concluir que o mercado está em posição de deixar de lado a saga da guerra comercial por enquanto”, disse Lyngen à Bloomberg News.

O presidente americano, que fez campanha prometendo reduzir os preços ao consumidor, reconheceu que os preços poderiam subir a curto prazo como resultado das medidas. Economistas veem esse tipo de medida como um risco para a inflação.

Dados divulgados nesta semana mostraram que os preços ao consumidor nos Estados Unidos aumentaram em janeiro no ritmo mais rápido em quase um ano e meio.

Um funcionário de alto escalão da Casa Branca, que falou com repórteres antes da coletiva de Trump, disse que o governo examinaria primeiro o que chamou de questões mais “flagrantes”, incluindo países com as tarifas mais altas.

As tarifas recíprocas também visariam contrabalançar barreiras comerciais não tarifárias, como regulamentações onerosas, impostos sobre valor agregado, subsídios governamentais e políticas de taxa de câmbio que podem erguer barreiras ao fluxo de produtos dos EUA para mercados estrangeiros.

Os alvos incluem China, Japão, Coreia do Sul e UE.

A Casa Branca acrescentou que a falta de tarifas recíprocas dos EUA contribuiu para um grande e persistente déficit comercial no país, mas que Trump ficaria feliz em reduzir as tarifas se outras nações reduzissem as suas.

Trump havia prometido a medida de tarifas recíprocas no dia 7 de fevereiro, sem identificar que países seriam afetados. “Vou anunciar isso na próxima semana, comércio recíproco, para que sejamos tratados de forma justa por outros países”, disse Trump na ocasião. “Não queremos mais, nem menos.”

Especialistas em comércio e direito dizem que, além da IEEPA já utilizada por Trump para anunciar tarifas sobre a China, o presidente provavelmente vai tirar o pó de uma lei comercial de 1930, esquecida há décadas, para respaldar as novas tarifas recíprocas —o que não foi descartado pela Casa Branca nesta quinta.

Trump disse que as novas tarifas dos EUA entrariam em vigor nas próximas semanas, e a Seção 338 da Lei de Comércio de 1930 proporcionaria um caminho rápido para impô-las.

A lei —usada como ameaça, mas nunca aplicada para impor tarifas— aparece apenas esporadicamente em registros do governo. Ela permite que o presidente imponha taxas de até 50% contra importações de países que discriminam o comércio dos EUA.

Essa autoridade pode ser acionada quando o presidente descobre que um país impôs uma “taxa, exigência, regulamentação ou limitação injustificada” que não é aplicada igualmente a todos os países.

O republicano já havia dito mais cedo, na quinta-feira (13), em sua rede social Truth Social, que as últimas três semanas foram as melhores, e que aquela quinta-feira (13) seria o “grande dia” das tarifas recíprocas.

“Três ótimas semanas, talvez as melhores, mas hoje vai ser um grande dia: tarifas recíprocas!!! Vamos tornar a América grande de novo!!!”, publicou Trump.

Trump também disse na quinta-feira (13) que as nações do BRICS poderiam enfrentar tarifas de 100% dos EUA “se quiserem brincar com o dólar” —ameaça que já havia feito no ano passado.

“Se qualquer negociação passar, será uma tarifa de 100%, no mínimo”, disse ele em resposta a uma pergunta sobre as nações do grupo –Brasil, Rússia, Índia e China– estabelecerem uma outra moeda para suas transações comerciais.

As ações dos EUA estavam ligeiramente em alta antes do anúncio oficial de Trump e seguiram a tendência após o anúncio. O S&P 500 chegou a subir 0,8% e o Nasdaq 1,1%. No Brasil, o dólar fechou estável após uma sessão volátil.

A oficialização da nova rodada de tarifas também ocorre às margens da visita do primeiro-ministro indiano Narendra Modi à Casa Branca nesta quinta. O governo Trump considera que a Índia tem tarifas altas demais que impedem as importações dos EUA.

Modi guarda na manga promessas para apresentar ao presidente americano e amenizar possíveis medidas comerciais, incluindo o aumento das compras de gás natural liquefeito, veículos de combate e motores a jato, disseram à Reuters funcionários do governo indiano que preferiram não se identificar.

Autoridades indianas também não descartam possíveis acordos sobre exportações agrícolas dos EUA para a Índia, investimentos em energia nuclear e cortes tarifários em pelo menos uma dúzia de setores, incluindo eletrônicos, equipamentos médicos e cirúrgicos, e produtos químicos.

Antes de se encontrar com Trump, Modi se reuniu com Elon Musk, grande aliado do republicano. Em publicação no X (ex-Twitter), o primeiro-ministro indiano disse que teve “uma reunião muito boa” com o bilionário sobre temas como “espaço, mobilidade, tecnologia e inovação”.

Na segunda-feira passada (10), o presidente dos EUA anunciou um aumento substancial nas tarifas sobre as importações de aço e alumínio a partir de 12 de março. Ele também cancelou isenções e cotas para grandes fornecedores como Brasil, Canadá, México e outros países.

As medidas elevam a tarifa sobre as importações dos produtos para 25%. A sobretaxa sobre o alumínio é maior que os 10% anteriores que ele impôs em 2018 para ajudar o setor nos EUA.

Com Reuters, AFP e Financial Times

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