Governo Lula cogita resgatar recursos de fundos privados para reforçar resultado das contas públicas; entenda

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O presidente Lula e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) em reunião do G-20 - Adriano Machado - 13.dez.2023/Reuters

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avalia resgatar recursos da União hoje parados em fundos privados para ajudar no resultado das contas públicas em 2025.

Levantamento preliminar indica um potencial de cerca de R$ 10 bilhões que poderiam reforçar o caixa do Tesouro neste ano e contribuir para o alcance da meta de resultado primário.

Essa seria, na avaliação de técnicos do governo, uma importante sinalização ao mercado financeiro, que demonstra ceticismo em relação à meta de déficit zero em 2025 e tem criticado o uso de fundos públicos e privados para viabilizar diferentes políticas.

Segundo um interlocutor do governo que participa das discussões, há cerca de R$ 4,5 bilhões parados em fundos destinados a atender empresas afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul.

O recurso serviria como garantia em operações de crédito, uma forma de baratear o custo do financiamento para os tomadores ao reduzir riscos para a instituição financeira em caso de inadimplência. No entanto, nem toda a verba destinada (R$ 6,05 bilhões) foi comprometida.

Além disso, com o fim do decreto de calamidade (em 31 de dezembro de 2024), o governo vê como encerrada a possibilidade de novas contratações.

O Executivo também mapeia recursos parados no Fgeduc (Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo), criado para honrar contratos inadimplentes do Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior).

O Fgeduc já chegou perto do seu limite de cobertura e deve fazer apenas desembolsos residuais daqui para frente. O relatório da administração do fim de 2023 mostra que o índice de valores honrados já estava em 9,81%, ante um limite de 10%, e o patrimônio líquido ainda era robusto (R$ 10,9 bilhões).

O governo inclusive já transferiu R$ 6 bilhões que estavam ociosos para outro fundo, o Fipem, que banca o programa Pé-de-Meia (com pagamento de bolsas para alunos de baixa renda no ensino médio) —operação criticada pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Mas o volume de recursos livres no Fgeduc pode ser maior. Se isso se confirmar, a intenção é resgatá-los para reforçar o caixa do Tesouro.

Quando a União integraliza cotas em fundos privados, essa operação representa uma despesa primária. O repasse sensibiliza as regras fiscais, como o limite de gastos do arcabouço e o resultado primário —a não ser quando há exceção prevista expressamente em lei, como ocorreu no caso da calamidade no Rio Grande do Sul.

No resgate das cotas pela União, o dinheiro recebido é contabilizado como receita primária, ajuda a equipe econômica no alcance da meta fiscal e reduz a necessidade de buscar recursos no mercado para honrar seus compromissos (o que impactaria a dívida pública).

Na visão de economistas, a equipe econômica deveria fazer um resgate até mais amplo de recursos desses fundos para reduzir o endividamento do país, mas isso não está em discussão no momento. Para técnicos do governo, qualquer saque de valores deve ser analisado com cuidado para não prejudicar políticas consideradas importantes.

O FGO (Fundo de Garantia de Operações), por exemplo, já recebeu R$ 44 bilhões da União (incluindo R$ 5,1 bilhões aportados para as operações do Rio Grande do Sul), mas só R$ 29 bilhões estão comprometidos em honras e garantias neste momento, segundo o Banco do Brasil, administrador do fundo.

O governo também prevê destinar R$ 4 bilhões livres do FGO para o Pé-de-Meia, o que deixa um saldo disponível de R$ 11 bilhões. O Executivo pretende resgatar o valor não utilizado nas ações do RS, mas há o desejo de preservar os recursos usados para garantir contratos do Pronampe, programa de crédito para micro e pequenas empresas. Do contrário, haverá um encolhimento no financiamento a essas companhias.

O economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, afirma que os fundos garantidores receberam um “montante brutal” de recursos na pandemia de Covid-19 para lidar com os efeitos econômicos da crise sanitária. Com o fim da emergência, ele defende uma avaliação criteriosa sobre a necessidade de manter o mesmo volume de garantias.

“Quando criaram [os programas], isso impactou o primário. A ideia era voltar o dinheiro, só que nunca voltou”, critica. Para ele, seria pertinente dimensionar a real necessidade desses programas de crédito à luz da realidade atual.

Mendes lembra ainda que o governo criou, no fim de dezembro, um novo fundo privado para financiar ações de reconstrução no Rio Grande do Sul. O repasse inicial de R$ 6,5 bilhões ficou fora das regras fiscais (graças ao decreto de calamidade) e elevou a dívida pública.

Fundos públicos

O uso de fundos públicos também desperta preocupação crescente entre economistas de fora do governo.

O governo possui uma série de fundos abastecidos por receitas públicas, como é o caso do Fundo Social do Pré-Sal e o FNDCT (Ciência e Tecnologia). Muitos deles acumulam superávits financeiros, isto é, os gastos não consomem todas as receitas carimbadas para o fundo. Quando isso acontece, o Executivo tem a opção de manter os recursos guardados, desvincular os saldos e utilizar para financiar outras despesas dentro do Orçamento ou abater a dívida pública.

Dados compilados pelo jornal Folha a partir de uma portaria do Tesouro Nacional mostram que, no fim de 2024, havia um saldo de R$ 118,5 bilhões passíveis de desvinculação. O órgão não forneceu dados agregados quando procurado pela reportagem.

Uma lei aprovada no ano passado, no pacote de medidas do ministro Fernando Haddad (Fazenda), permite o uso do superávit de cinco fundos para abater a dívida pública. O levantamento mostra que eles reúnem R$ 23,65 bilhões.

No entanto, o governo tem recorrido à desvinculação para outras finalidades, como abastecer outros fundos que servem de fonte de financiamento para linhas de crédito operadas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Exemplos são o Fundo Clima e um fundo emergencial para o RS.

Na última quinta-feira (6), uma MP (medida provisória) editada por Lula flexibilizou a alocação dos recursos do Fundo Social, o que amplia o montante de recursos que podem irrigar esses fundos.

Neste caso, a despesa é financeira e não sensibiliza as regras fiscais, embora contribua para o aumento da dívida bruta do país. Além do uso alternativo dos recursos, algumas dessas linhas são operadas com juros mais baixos do que aqueles pagos pela União a seus investidores, o que gera um subsídio implícito.

Um técnico do governo ouvido pela reportagem afirma que a desvinculação é apenas uma das fontes possíveis para esses fundos, que podem ser abastecidos com recursos livres (receitas públicas sem carimbo específico) ou novas emissões de dívida. Um exemplo é o novo FIIS (Fundo de Investimento em Infraestrutura Social), que tem um aporte de R$ 10 bilhões em recursos livres já previsto na proposta orçamentária de 2025.

O argumento desse interlocutor do governo é que a questão não é a desvinculação em si, mas uma visão distinta que governo e mercado têm sobre a importância desses programas.

Para o Executivo, é importante reequilibrar a situação fiscal, mas isso não pode ocorrer em detrimento de políticas de financiamento que ajudam a impulsionar investimentos no país. Para o mercado, seria mais importante reduzir a dívida pública, inclusive diante do retrospecto de programas mal focalizados nessas áreas.

Marcos Mendes avalia que o uso de fundos para impulsionar linhas de crédito cria um obstáculo à transparência.

“O resultado primário deixa de refletir o real impacto do desembolso do governo na economia. Na hora que vai para a concessão de crédito, [o tomador] vai investir, e isso pressiona a demanda. O governo está botando o pé no acelerador”, critica.


ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE FUNDOS PÚBLICOS E PRIVADOS

Fundos públicos

  • Podem ser abastecidos por receitas vinculadas ou recursos destinados dentro do Orçamento Federal. O uso do dinheiro precisa atender às finalidades do fundo.
  • As receitas podem servir de fonte para arcar com despesas primárias, como é o caso das receitas do FAT (que pagam o abono salarial e o seguro-desemprego), ou despesas financeiras (sem impacto nas regras fiscais), servindo de fonte de financiamento em operações de crédito.
  • No caso de empréstimos, se o risco for assumido pela instituição financeira que opera as linhas, não há impacto primário. Se o risco for da União, em caso de inadimplência, a perda de patrimônio do fundo terá impacto no resultado das contas públicas.
  • Eventual desvinculação dos saldos permite o uso mais flexível dos recursos, inclusive para outras finalidades, como pagamento de despesas em geral e abatimento da dívida pública.

Fundos privados

  • Podem ser abastecidos com integralização de cotas pela União, mediante aporte de recursos previsto no Orçamento e com impacto nas regras fiscais —exceção é quando a lei prevê expressamente o repasse fora do limite de gastos ou do resultado primário.
  • O uso do dinheiro precisa atender às finalidades do fundo, que podem envolver custeio de ações (como o Minha Casa, Minha Vida, bancado pelo FAR) ou garantia a empréstimos (caso do FGO em relação às operações do Pronampe).
  • União pode resgatar cotas do fundo quando houver recursos livres, operação que representa receita primária para o governo.

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