Caso Benício: saiba por que a Justiça deu habeas corpus à médica e negou à técnica
Benício de Freitas, 6, que morreu em hospital de Manaus no dia 23 deste mês - Reprodução
A médica Juliana Brasil Santos e a técnica de enfermagem Raiza Bentes Praia, investigadas pela morte de Benício Xavier, de 6 anos, após a aplicação incorreta de adrenalina em um hospital particular de Manaus, receberam decisões judiciais distintas em seus pedidos de habeas corpus. Esta reportagem explica por que Juliana foi beneficiada pela decisão, enquanto Raiza teve o pedido negado.
Segundo as investigações, a médica prescreveu a dose errada e a técnica de enfermagem aplicou o medicamento na veia da criança. Juliana Brasil admitiu o erro em documento enviado à polícia e em conversas com o médico Enryko Queiroz, embora a defesa alegue que a confissão ocorreu no “calor do momento”.
A técnica de enfermagem disse em depoimento que apenas seguiu a prescrição da médica ao aplicar a adrenalina em Benício, de forma intravenosa e sem diluição. Ela afirmou ainda que informou a mãe da criança sobre o procedimento e mostrou a prescrição antes de realizar a aplicação.
As duas respondem ao inquérito em liberdade. Apenas a médica recebeu habeas corpus, que impede sua prisão, enquanto a técnica não teve o mesmo benefício. As decisões foram tomadas por desembargadores diferentes durante o plantão judicial.
Abaixo, os pontos centrais de cada decisão.
A decisão favorável à médica Juliana Brasil Santos
No dia 27 de novembro, a desembargadora Onilza Abreu Gerth concedeu habeas corpus à médica por entender que não havia fundamentos concretos para decretar prisão preventiva.
Segundo a decisão:
✅ não havia perigo concreto à ordem pública, já que não havia indícios de que a médica pudesse repetir o erro ou apresentar periculosidade.
✅ a médica possui residência fixa, emprego estável e vínculos familiares, afastando risco de fuga.
✅ a gravidade do caso, por si só, não justificava prisão antes do fim das investigações.
✅ Juliana colaborou integralmente com o inquérito, sem indícios de que pudesse interferir na coleta de provas ou influenciar testemunhas.
✅ os registros, prontuários e depoimentos estão sob responsabilidade do hospital, não da médica, reduzindo risco de prejuízo à investigação.
✅ a prisão preventiva seria desproporcional diante das circunstâncias do caso.
✅ havia risco de detenção considerada ilegal, considerando pedido de busca e apreensão em andamento e estado emocional fragilizado apontado em laudo psiquiátrico.
A decisão que negou habeas corpus à técnica Raiza Bentes Praia

Nesta segunda-feira (8), o desembargador Abraham Peixoto Campos Filho negou o pedido ao entender que persistem riscos relevantes para a ordem pública e para a investigação.
Segundo a decisão:
❌ ainda existem riscos relevantes à ordem pública e ao andamento das investigações.
❌ os argumentos da defesa não foram suficientes para afastar esses riscos nesta fase inicial.
❌ a morte de uma criança de seis anos dentro de um hospital particular, supostamente por erro grave na aplicação de medicamento, gerou forte comoção social e repercussão nacional, reforçando a gravidade concreta da conduta.
❌ há elementos que indicam violação da confiança necessária ao exercício da profissão, ao aplicar substância letal na via e dosagem erradas.
❌ além do homicídio qualificado, são apurados possíveis crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso, ampliando o risco à ordem pública e justificando medidas mais rigorosas.
❌ liberar a técnica sem restrições poderia atrapalhar a apuração dos fatos e a coleta de novos depoimentos.
❌ ainda existem elementos concretos que sustentam a necessidade de medidas cautelares, incluindo a prisão.
A defesa de Raiza informou ao portal g1 que recebeu a decisão do desembargador com “surpresa”, e que só irá se manifestar sobre o caso no fim do inquérito.
O caso
Segundo o pai, Bruno Freitas, o menino foi levado ao hospital com tosse seca e suspeita de laringite. Ele contou que a médica prescreveu lavagem nasal, soro, xarope e três doses de adrenalina intravenosa, 3 ml a cada 30 minutos.
A família disse ao g1 que chegou a questionar a técnica de enfermagem ao ver a prescrição. De acordo com Bruno, logo após a primeira aplicação, Benício apresentou piora súbita.
“Meu filho nunca tinha tomado adrenalina pela veia, só por nebulização. Nós perguntamos, e a técnica disse que também nunca tinha aplicado por via intravenosa. Falou que estava na prescrição e que ela ia fazer”, relatou o pai.
Após a reação, a equipe levou a criança para a sala vermelha, onde o quadro se agravou. A oxigenação caiu para cerca de 75%, e uma segunda médica foi acionada para iniciar o monitoramento cardíaco. Pouco depois, foi solicitado um leito de UTI, e Benício foi transferido no início da noite de sábado.
Na UTI, segundo o pai, o quadro piorou. A equipe informou que seria necessária a intubação, realizada por volta das 23h. Durante o procedimento, o menino sofreu as primeiras paradas cardíacas.
O pai relatou que o sangramento ocorreu porque a criança vomitou durante a intubação. Após as primeiras paradas, o estado de Benício continuou instável, com oscilações rápidas na oxigenação. Minutos depois, Benício apresentou nova piora e não respondeu às manobras de reanimação. Ele morreu às 2h55 do domingo.
“Queremos justiça pelo Benício e que nenhuma outra família passe pelo que estamos vivendo. O que a gente quer é que isso nunca mais aconteça. Não desejamos essa dor para ninguém”, disse o pai.
Em nota, o Hospital Santa Júlia informou que uma médica e uma técnica de enfermagem foram afastadas de suas funções e realizou uma investigação interna pela Comissão de Óbito e Segurança do Paciente.
A Polícia Civil informou, em nota, que as investigações sobre a morte da criança estão em andamento para apurar as circunstâncias do caso.
O órgão acrescentou que, no momento, não pode divulgar mais detalhes para não prejudicar os trabalhos.
