O Brasil perde seu maior aliado e amigo nos EUA

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Bandeira dos Estados Unidos. Foto: Brian Lawdermilk/Getty Images

Por Paulo Sotero

A morte do biólogo americano Thomas E. Lovejoy, no dia de Natal, aos 80 anos, privou o Brasil do seu mais consistente e persistente aliado nos Estados Unidos e nos foros internacionais voltados para as discussões sobre as mudanças climáticas e a sustentabilidade ambiental do planeta.

Ao longo de mais de meio século de pesquisas, feitas desde o início em estreita colaboração com cientistas brasileiros como Carlos Nobre e Enéas Salati e colegas americanos que ajudou a formar, Lovejoy desenvolveu trabalhos pioneiros. Um deles é o conceito de “diversidade biológica”, cuja autoria lhe é atribuída e vive como amostra do seu enorme legado no título de uma das convenções internacionais adotadas durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, que Lovejoy ajudou a preparar.

O desmoronamento em anos recentes da política ambiental brasileira, que ele ajudou a construir, não desanimou Tom, como os amigos o chamavam, que aceitou com entusiasmo, no início do ano passado, o convite para participar da Concertação pela Amazônia, iniciativa de empresários que reuniu cientistas, ex-altos funcionários, ambientalistas e lideranças indígenas e ajudou a preparar a participação de representantes da sociedade brasileira na COP-26, a Conferência das Partes da Convenção do Clima realizada em Glasgow, em novembro passado.

O interesse de Lovejoy pelo Brasil, inicialmente científico e intelectual, converteu-se com o tempo em paixão pessoal pelo País, que visitava ao menos uma vez por ano, quase sempre acompanhado por colegas cientistas, políticos, empresários, estudantes e jornalistas. Recebia-os no laboratório que ajudou a criar no final dos anos 70 ao norte de Manaus para estudar os efeitos da fragmentação da floresta amazônica. A exemplo de quase tudo o que Lovejoy fazia no campo das políticas públicas para avançar a causa que o inspirava, o laboratório nasceu de uma parceria entre a Smithsonian Institution, que administra os museus de Washington e patrocina pesquisas científicas, e o órgão federal que veio a ser o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

“Lovejoy foi um ícone no campo da conservação, mentor de muitos e amigo de todos”, lembrou Mark Plotkin, seu colega e frequente parceiro em projetos e iniciativas no Brasil. Lovejoy desenvolveu seu trabalho mais recente com o engenheiro e meteorologista Carlos Nobre sobre a identificação do tipping point do desmatamento da Amazônia, ou seja, o ponto em que a destruição da floresta se torna irreversível e dá lugar à savanização da maior riqueza natural do País. Por temperamento, o “pai da biodiversidade”, como uma revista o descreveu certa vez, com evidente exagero, evitava previsões alarmistas. Mas não escondia sua crescente preocupação com a falta de ação dos governos ante o aquecimento global. Esse sentimento inevitavelmente ficou mais aguçado depois que governos populistas instalaram-se em Washington e Brasília e a questão ambiental só não saiu da pauta por pressão da sociedade nos dois países.

“Mais do que qualquer outra pessoa na história, Tom foi o responsável por colocar o Brasil, a Amazônia e toda a América do Sul na agenda internacional da conservação nos anos 70 e 80”, afirmou Russ Mittermeier, ex-presidente da Conservation International e de outras entidades de ponta, que trabalhou com Lovejoy desde o início de suas pesquisas na Amazônia.

Falando à Agência Mangabay, um outro colega de Lovejoy, William F. Laurance, o descreveu como o “biopolítico original”, ou seja, um cientista do primeiro time que tratava com facilidade e competência tanto com líderes políticos como com um biólogo empenhado em trabalho de campo. Laurance, que sucedeu Lovejoy nos anos 90 no estudo do tamanho mínimo de um ecossistema para que ele se mantenha sustentável, disse que o colega transformou o projeto em plataforma para expor políticos, dignatários e celebridades às maravilhas da Amazônia.

Tive o privilégio de ter Lovejoy como amigo e mentor no trabalho que me coube durante treze anos e meio, de 2006 a 2020, como diretor do Brazil Institute do Woodrow Wilson Internacional Center for Scholars. Sua participação foi sempre marcada por sua postura de cientista que deixava pouco ou nenhum espaço para o autoelogio e focalizava sempre o que faltava ser feito e os passos que precisavam ser dados para chegar ao objetivo. Em Washington, onde pouco parava antes da pandemia, tinha escritórios na United Nations Foundation e na George Mason University, onde dirigia uma cátedra sobre estudos ambientais e sustentabilidade, e sempre achava tempo para atender consultas pontuais ou deslocar-se até o Wilson Center para participar de reuniões fechadas ou conferências públicas. Um homem extremamente afável e querido por seus muitos amigos, recebia os visitantes em sua casa num subúrbio de Virgínia e tomava o cuidado de, lanterna na mão, dirigir pessoalmente o trânsito na saída dos carros e, como sempre fez, apontar o caminho.

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PESQUISADOR SENIOR DO BRAZIL INSTITUTE NO WILSON CENTER , EM WASHINGTON

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