Acordos Brasil-China sinalizam mais intenções do que caminhos concretos, dizem especialistas

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Foto: Alan Santos/PR

Por Pedro Zanatta, Tamara Nassif e Diego Mendes

O Brasil e a China anunciaram 20 acordos comerciais visando fortalecer as relações econômicas entre os dois países, sendo os principais atos da viagem presidencial ao país asiático depois do encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o mandatário chinês, Xi Jinping.

Para especialistas consultados pela reportagem, boa parte dos acordos mais sinaliza a intenção de aproximação comercial entre os países do que de fato um caminho concreto para o cumprimento de metas.

“Criou-se uma grande expectativa em relação à ida do presidente Lula à China, mas, quanto maiores as expectativas, maiores as frustrações”, avalia Bruno de Conti, livre-docente do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Centro de Estudos Brasil-China (CEBC) da instituição.

“Tem de tudo nesses acordos. Alguns são super genéricos, com metas bem amplas, outros com cláusulas mais interessantes que provavelmente gerarão cooperação concreta em um futuro próximo”, diz de Conti.

Entre os destaques, estão as resoluções que envolvem o setor do agronegócio — principal pilar entre as trocas comerciais sino-brasileiras — e o desenvolvimento de tecnologia conjunta.

“As relações comerciais ainda são muito baseadas no agro e na mineração, então, por um lado, é normal que haja um foco nisso. Por outro, um dos acordos fala em ‘diversificação da pauta comercial’, e acaba sendo pouco. Talvez haja um descompasso entre esse intuito de diversificação e o fortalecimento do agronegócio“, comenta de Conti.

A China é, desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil. No ano passado, as trocas entre os países movimentaram US$ 150,4 bilhões, sendo US$ 89,7 bilhões em produtos brasileiros enviados ao país asiático, principalmente soja e minérios, e US$ 60,7 bilhões em itens enviados ao mercado nacional, em especial manufaturados.

Em resumo, a lógica da relação é: o Brasil exporta commodities e importa, da China, bens industrializados de maior valor agregado. O consenso entre os especialistas é que a diversificação das trocas é imperativa, tanto para que o país consiga capitalizar em cima de exportações mais robustas, quanto para que a relação se torne mais “simétrica”.

“Esse grupo de acordos claramente estabelece uma maior aproximação e uma maior parceria estratégica entre Brasil e China, mas também indica como essa relação se dá de maneira assimétrica, com uma dependência muito maior do Brasil em relação à China, porque é ela quem detém as tecnologias”, analisa Alberto Pfeifer, coordenador geral do DSI da USP, grupo de análise de Estratégia Internacional.

Exemplo disso é que, na quinta-feira, Lula iniciou sua agenda com uma visita à fábrica da gigante de tecnologia chinesa Huawei, em Xangai. A visita incluiu um encontro com executivos da companhia.

No Twitter, ele disse que a empresa fez uma apresentação sobre o 5G e soluções em telemedicina, educação e conectividade — pauta de um dos acordos travados nesta sexta. A Unifique, que atua no fornecimento de acesso à Internet, telefonia móvel e fixa, e a chinesa Zhongxing Telecom Equipment (ZTE) firmaram uma parceria para fortalecer a cobertura da rede 5G na região sul do Brasil.

Por outro lado, a saída para essa “assimetria” pode ser a exportação brasileira de tecnologias para a transição energética — algo que, na visão de Lívio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV/ IBRE), a China tem muito a ganhar.

“Para os chineses, o acordo nesta área foi positivo, uma vez que a tecnologia de transmissão de energia brasileira é referência no mundo. Energia renovável, como hidroelétrica, solar, enfim, estão muito à frente no Brasil. O país asiático tem muito que aprender nesse setor, principalmente em como interligar sistema”, destaca.

Neste setor, a Eletrobras e a State Grid fecharam parceria para um projeto de revitalização do sistema de transmissão da hidrelétrica de Itaipu.

Já a SPIC, gigante chinesa com forte atuação em energias renováveis, assinou um memorando com a Prumo Logística para avaliar a viabilidade financeira e técnica de projetos de energia renovável (eólica offshore, solar, hidrogênio “azul”, a partir de gás natural; e “verde”, de fonte renovável) no Porto do Açu (RJ).

Ainda assim, os especialistas destacam que os acordos em direção à dita “economia verde” foram mais incipientes que o esperado, abrindo espaço para que novas tratativas sejam feitas nesse sentido no futuro.

“De maneira geral, os acordos vão trazer previsibilidade e mais segurança para o comércio entre os dois países. É um primeiro passo e muitos deles vão evoluir”, avalia Pfeifer.

Aproximação diplomática

Os acordos também simbolizam um esforço em estreitar relações diplomáticas entre os dois países, afirmaram os especialistas à reportagem.

“Sem dúvida alguma, são passos importantes para aproximar a diplomacia chinesa à brasileira, sobretudo após quatro anos de uma relação estremecida”, diz de Conti.

“A China é o principal parceiro estratégico do Brasil, e o intuito dessa viagem, como disse o próprio presidente Lula, é transcender a relação comercial.”

A agenda de Lula no país comunista tem gerado incômodo junto a diplomatas norte-americanos, segundo relatos feitos à reportagem. Os Estados Unidos e a China têm protagonizado troca de acusações sobre espionagem.

No ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, chegou a proibir as aprovações de novos equipamentos de telecomunicações das Huawei Technologies — dona da fábrica visitada por Lula — por representarem “um risco inaceitável” à segurança nacional dos Estados Unidos.

Presidente Lula durante a visita na Huawei / Ricardo Stuckert

O analista de assuntos internacionais Lourival Sant’Anna destacou que a Huawei também foi banida pelo Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia. A Alemanha estuda fazer o mesmo. Outros países adotaram restrições pontuais, de gerações de equipamentos ou para determinadas empresas, como foi o caso da TIM italiana.

Segundo ele, a empresa chinesa alega que é privada. Entretanto, não há empresas grandes na China que não tenham em seu conselho de administração funcionários do Partido Comunista Chinês. Mesmo que o Brasil não compartilhe as preocupações desses países com o risco de invasão de privacidade e de controle dos cidadãos pelo governo chinês, há um segundo risco.

“A visita de Lula à Huawei ergue uma bandeira vermelha para os Estados Unidos”, disse Evan Medeiros, especialista em relações EUA-China da Universidade Georgetown, em Washington, em um webinar promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) na quinta-feira (13).

Medeiros, que foi o principal assessor da Casa Branca sobre Ásia-Pacífico no governo de Barack Obama, ponderou que a estratégia de extrair o máximo de vantagens das relações com os EUA e a China é compreensível, mas requer muita “sofisticação”.

Para de Condi, porém, a aproximação com a China não significa um afastamento em relação aos EUA. “Não é contraditório. O Brasil pode ser parceiro estratégico da China e manter boas relações com os norte-americanos. Não há contradição”, afirma.

Em relação a isso, o presidente Lula disse: “Ontem fizemos visita à Huawei em uma demonstração que queremos dizer ao mundo que não temos preconceito com o povo chinês. E que ninguém vai proibir que o Brasil aprimore sua relação com a China.”

Real-yuan

O que também tem gerado preocupação, agora, é o relacionamento monetário, no sentido mais estrito da palavra, entre os países. Dois acordos assinados na sexta viabilizam transações comerciais de câmbio direto entre o real brasileiro e renminbi (RMB) — nome oficial da moeda chinesa, mais conhecida no mundo ocidental como yuan.

A expectativa é reduzir os custos ao excluir o dólar da operação, além de promover o comércio bilateral e facilitar investimentos por aqui.

“A China está cavando um espacinho com a clearing house no Brasil. A retórica do governo chinês é de que não se trata de um confronto com o dólar, mas um passo em direção ao mundo plurimonetário que eles defendem. Nunca dizem que estão enfrentando o dólar, porque, de fato, ainda não têm condições para isso”, afirma de Condi.

“O dólar é, de longe, a moeda mais importante do globo.”

A moeda norte-americana é usada em 88% de todas as transações globais, de acordo com a última pesquisa trienal do Bank for International Settlements (BIS), publicada em 2020. O yuan, por outro lado, fica com 7%.

“É esse privilégio exorbitante dos Estados Unidos que alguns países estão tentando combater. É uma iniciativa tímida, mas que vai nesse sentido”, diz.

Ele ainda complementa que a hegemonia do dólar traz problemas para os demais países, “tanto em custos de transação, quanto em autonomia e reserva econômica”.

“A tentativa de desdolarização é, também, uma tentativa de aumento da soberania do Brasil. É normal, então, que um chefe de Estado procure aumentar essa autonomia. Não é uma afronta aos Estados Unidos.”

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