Amazônia, desmatar não é mais uma opção (por Felipe Sampaio)

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Vista área de zonas queimadas da Amazônia, perto de Boca do Acre, estado do Amazonas, Brasil, em 24 de agosto de 2019 - AFP/Arquivos

A ocupação da floresta amazônica segue a lógica econômica e social que rege o uso dos fatores produtivos. Durante trinta mil anos as populações da América espalharam-se, buscando acesso a alimentos, água, abrigo e, posteriormente, fertilidade do solo.

Os colonizadores europeus chegaram, no século XV, pelo oceano. Controlar o litoral era estratégico para o transporte de mercadorias, riquezas, escravos e tropas (e para as fortificações).

No Brasil, o interior demorou a ser ocupado, até que a descoberta de ouro à flor da terra no século XVIII viabilizou vilas, entrepostos comerciais, estradas, guarnições de defesa, escritórios do governo e outras expressões da vida política e econômica.

Estamos falando de fatos recentes (200 anos é muito pouco), que determinaram o desenvolvimento de regiões como São Paulo, Rio, Minas, Bahia, Goiás e outras que hoje contam com infraestrutura, negócios e cidades. O ouro acabou antes de se chegar à Amazônia.

A conhecida Lei dos Rendimentos Decrescentes levou os colonizadores, e as repúblicas que os sucederam, a ocuparem seus territórios na ordem decrescente do lucro dos investimentos realizados. Utilizaram primeiro a proximidade dos portos, a logística mais eficiente, com custos e riscos menores, a madeira da Mata Atlântica, os solos férteis e o ouro de aluvião.

O Tratado de Tordesilhas (1494) havia dividido a América do Sul entre Espanha e Portugal, deixando a Amazônia para os espanhóis, que nunca apareceram. A área que não valeu a pena para a Espanha, aos poucos foi tomada pelos portugueses e novos brasileiros.

Em 1750, o Tratado de Paris oficializou como posse de Portugal a Amazônia brasileira, estimulando a sua ocupação (ainda que limitada à sua viabilidade econômica e militar).

Para um país que começou no litoral do Nordeste, firmou-se no litoral do Sudeste e cresceu pelo litoral Sul e pelos sertões, chegar à Amazônia não foi rápido e nem barato, para sua sorte.

Guardadas as proporções, consolidar cidades florestais como Manaus, Santarém ou Porto Velho se compara ao desafio de instalar Dubai no deserto ou Omsk na Sibéria. As dificuldades físicas e climáticas exigem do Estado capacidade de investimento estruturante e de custeio da qualidade de vida, considerando-se que os riscos e custos do isolamento geográfico não animam os gastos privados legais em larga escala.

Vale lembrar que um grande viabilizador da ocupação de áreas florestais em todo o mundo foi a derrubada da própria floresta, para uso na construção civil, geração de energia e outras aplicações cotidianas.

Sendo assim, a evolução da matriz energética, da engenharia e da indústria reduziram ainda mais a atratividade econômica legal das regiões com florestas em pé. Se tais transformações tivessem demorado mais cem anos, não haveria floresta amazônica. A equação fica ainda menos atraente para os negócios formais com o atual agravamento da mudança climática.

O Marquês de Pombal criara a Companhia Geral do Grão Pará, gerando imigração, comércio e agricultura. Depois veio a borracha, que durou pouco, porque a seringueira pirateada pelos ingleses foi mais competitiva no plantation asiático do que na extração amazônica.

A pobreza proliferou, dando espaço às informalidades e ilegalidades, sem as quais a vida não urbana na Amazônia segue difícil. Nesse cenário, o Estado não conseguiu fazer valer sua presença. Soberania é uma questão delicada. Não basta ocupar, tem que desenvolver.

Construiu-se estradas, instalou-se as Forças Armadas, criou-se a Zona Franca de Manaus e a Sudam, e as cidades cresceram. No entanto, extensões siderais da floresta permanecem não-governadas, caminhando para desgovernadas.

O Estado tradicional ficou nas áreas urbanas, nos postos militares e nas infraestruturas principais. O declínio da borracha, a imigração desordenada, as questões fundiária e indígena, a miopia das políticas de desenvolvimento e o ‘custo Amazônia’, deixaram a população e a floresta vulneráveis às ilegalidades e à desigualdade.

Por sua vez, a agropecuária predatória persiste atuando segundo um modelo produtivo colonial, utilizado séculos atrás na mata litorânea e sertões, quando ainda se pensava que a madeira vale mais do que a árvore.

O caso das áreas não urbanas da Amazônia assemelha-se à Sibéria, aos desertos, aos oceanos e às demais florestas do mundo. Onde a vida formal não se viabiliza pela dificuldade imposta pelo ambiente, o Estado e a sociedade precisam estabelecer padrões especiais de governança e uso.

Fora dessa alternativa, só há pobreza, criminalidade e degradação ambiental. O desmatamento não é mais uma opção, por sorte da Amazônia.

Felipe Sampaio é cofundador e colaborador do Centro Soberania e Clima (CSC) e ex-secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife (2019-2020).

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