Aos 30, ela descobriu leucemia que deu sinais com cansaço e manchas na coxa

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Raquel Mello. Imagem: Arquivo pessoal

por Bárbara Therrie

Raquel Mello tinha acabado de se formar na faculdade de biologia quando foi diagnosticada aos 30 anos com leucemia, um câncer no sangue. Em setembro de 2018 ela realizou o transplante de medula óssea com a doação de um doador que estava cadastrado havia 10 anos no Redome (Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea).

Com a missão de compartilhar sua experiência com alegria e leveza, Raquel criou uma personagem chamada “Vampirinha” nas redes sociais e criou um bloco de Carnaval chamado “Tamo no Osso”. A seguir, ela conta a sua história:

“Uma semana após a minha colação de grau comecei a apresentar alguns sintomas: cansaço, sudorese, palidez e algumas manchas na coxa esquerda. Fui ao pronto-socorro e fiz alguns exames, entre eles dois hemogramas que deram alterados.

O hematologista disse que eu estava com leucemia mieloide aguda, um tipo de câncer no sangue. Ao ouvir o diagnóstico, fiquei sem chão e encarei como uma sentença de morte, mas o médico me tranquilizou dizendo que a chance de cura era alta.

Em março de 2018 iniciei os ciclos de quimioterapia e de transfusão de sangue. Ficava em média 20 dias internada, recebia alta, fazia uma pausa de 10 dias e voltava para o hospital para o ciclo seguinte. Nesse processo, criei a personagem Vampirinha e passei a usar as redes sociais para compartilhar minha rotina no hospital e levar informações sobre leucemia e doação de sangue de forma descontraída.

Durante o segundo ciclo, fiz um exame genético chamado teste do gene FLT3, que deu positivo. O hematologista explicou que, devido a essa alteração molecular, a probabilidade de a doença voltar nos dois primeiros anos do tratamento era de 70% a 80%, portanto era recomendado que eu fizesse o transplante de medula óssea, na modalidade alogênica.

“Receber essa notícia foi mais assustador do que o próprio diagnóstico.”

Segui fazendo o meu tratamento e em maio do mesmo ano fui incluída no Rereme (Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea). Diferentemente dos outros transplantes, não existe uma fila de espera, o critério é achar um doador compatível.

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É importante alertar que quando uma pessoa se cadastra no Redome precisa estar ciente da responsabilidade que está assumindo. Já ouvi casos de doadores que desistiram no meio do processo e o paciente morreu.

“Um dos meus maiores medos era fazer a quimioterapia de regime de condicionamento, que é realizada na primeira semana da internação do transplante, e o meu doador desistir.”

Essa quimioterapia é extremamente agressiva e serve para matar completamente a medula doente. Se o paciente se submeter a ela e não receber a medula, ele pode morrer.

Um ponto que vale ser esclarecido é que muitas pessoas se confundem e têm medo de doar porque acham que é feita uma cirurgia na coluna vertebral, mas na realidade a doação de medula óssea ocorre por punção no osso da bacia ou por um método semelhante a transfusão de sangue.

Fiz o transplante no quarto onde estava internada

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Quatro meses após entrar no banco do Rereme, realizei o transplante de medula óssea no dia 18 de setembro. Fiz o procedimento do meu quarto, acompanhada da minha mãe. Tive um pico de pressão alta, mas fiquei bem e tive uma recuperação tranquila.

Um ano e meio depois pedi a quebra de sigilo no Redome e descobri que o Marcos Vinicius tinha sido o meu doador. Conversamos por chamada de vídeo por três horas, ele me contou que tinha se cadastrado para se tornar doador de medula óssea após ter perdido um amigo e um vizinho para a leucemia.

“Segundo o Vini, ele já era cadastrado havia 10 anos, mas não lembrava do cadastro quando tentaram entrar em contato com ele informando da compatibilidade comigo. Ele não atualizou os dados nesse período, mas para a minha sorte, conseguiram localizá-lo ligando para o telefone fixo na casa da mãe dele, com quem ele morava quando se cadastrou.”

Se ela tivesse trocado o número, não teriam o encontrado, eu teria perdido a minha chance de fazer o transplante e não sei se estaria aqui hoje para contar a minha história. É fundamental a pessoa manter os dados atualizados no site do Redome.

Eu moro no Rio de Janeiro e o Vini em São Paulo —já tivemos a oportunidade de nos ver pessoalmente três vezes. Ele foi um anjo, salvou a mim, a minha família, meus amigos e todas as pessoas que me amam. Graças a minha fé em Deus, ao ato do Vini e ao apoio da equipe médica tenho vivido os cinco melhores anos da minha vida.

Em 2020, criei o bloco de Carnaval de rua “Tamo no Osso” (@tamonoosso). O nome foi dado por uma amiga também transplantada, a Cláudia Soares, e foi inspirado no mielograma, um exame feito por punção nos ossos da bacia durante a coleta da medula óssea.

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Fui fantasiada de Vampirinha. Participaram do bloco minha família, amigos, outros transplantados e os médicos e profissionais de saúde que me acompanharam no tratamento. Foi um momento muito especial.

Desde 2018, quando fui diagnosticada com leucemia, não pude mais doar sangue. A forma que encontrei de doar é usar a minha história para conscientizar, levar informação de qualidade com alegria, leveza, esperança e incentivar as pessoas a se tornarem doadoras e salvarem vidas.”

O que é e para que serve o Redome

O Redome é um programa governamental composto por um registro de pessoas saudáveis com até 35 anos de idade no Brasil que realizam um cadastro para se tornarem doadoras de medula óssea.

Em situações em que não há doador compatível na família, o que ocorre em aproximadamente 25% dos casos, a pessoa necessita de um transplante de medula óssea.

Nesse momento, o banco de medula óssea desempenha um papel fundamental na vida de pacientes com doenças hematológicas, como a leucemia mieloide aguda.

O cadastro no Redome inclui uma entrevista médica sobre a saúde do indivíduo, critérios semelhantes aos da doação de sangue e a coleta de amostras de sangue para estudos de HLA.

Uma vez cadastrada, a pessoa se torna parte de uma biblioteca nacional e internacional, em que seu perfil fica disponível para possíveis doações de medula óssea.

É essencial o indivíduo manter seus dados atualizados, fornecer documentação de saúde e reafirmar seu interesse em se tornar um doador.

Muitos indivíduos acabam se cadastrando com a intenção de auxiliar pessoas conhecidas ou familiares que necessitam de um doador. No entanto, é imporante esclarecer que, ao se inscrever no Redome, eles ficam disponíveis para doar a qualquer pessoa no mundo que necessite, desde que haja compatibilidade no sistema HLA.

Essa compreensão é crucial, pois não se trata apenas de um cadastro, mas de um compromisso voluntário de servir ao próximo.

Como é feita a escolha de um doador compatível de medula óssea

Existem diversos critérios para determinar a compatibilidade entre o doador e o receptor de medula óssea, o mais significativo deles é o sistema HLA, que compõe o nosso sistema imunológico e desempenha um papel no processo de rejeição de tecidos. O mesmo princípio se aplica à medula óssea.

O doador precisa ser compatível em todos os 10 critérios do sistema HLA para garantir uma doação segura de medula óssea. Isso explica a dificuldade em encontrar doadores, já que a probabilidade de encontrar alguém compatível do ponto de vista do HLA é de apenas 1 em 200 mil na população em geral.

Além disso, outros fatores são considerados na busca por um doador como:

  • a compatibilidade sanguínea ABO
  • status de infecção pelo vírus CMV (citomegalovírus) entre o doador e o receptor
  • a idade
  • o peso
  • o sexo do doador e do receptor (masculino ou feminino)
  • o número de gestações prévias (no caso de doadoras do sexo feminino)

Quando há mais de um doador compatível, todos esses fatores e variáveis são avaliados para escolher o doador mais adequado.

Como funciona a retirada da medula do doador para o paciente

Existem dois procedimentos distintos para a coleta de material para transplantes de medula óssea.

No primeiro, o doador se submete a um processo cirúrgico no centro cirúrgico, onde a medula óssea é coletada.

Durante o procedimento, são realizadas punções na medula óssea com a coleta do material por meio de agulhas. Em geral, esse processo dura cerca de uma hora e meia a duas horas, com o doador completamente sedado e anestesiado.

A quantidade de medula óssea coletada é baseada no peso do receptor, ou seja, a pessoa que está doente. No entanto, em média, a coleta gira em torno de 750 a 1.200 mililitros de medula óssea.

O segundo procedimento, mais comum em transplantes em todo o mundo, envolve a coleta de células-tronco hematopoiéticas de forma periférica.

O doador recebe um medicamento que estimula a liberação das células-tronco da medula óssea para o sangue. Em seguida, um catéter é inserido na veia femoral do doador ou, se o paciente tiver bom acesso nas veias dos braços, pode ser instalado lá.

O sangue do doador passa por uma máquina, semelhante a um processo de hemodiálise, onde ocorre a filtragem das células-tronco que são coletadas. Esse processo é relativamente simples e costuma durar cerca de três horas, com eficácia semelhante à coleta de medula óssea.

A coleta de células periféricas é mais frequentemente utilizada no universo dos transplantes em todo o mundo, sendo a escolha preferencial em transplantes autólogos (aquele no qual as células precursoras da medula óssea provêm do próprio indivíduo transplantado, o receptor).

Nos transplantes alogênicos (quando a medula vem de um doador), tanto a medula óssea quanto as células de fonte periférica são utilizadas.

Fonte: Roberto Magalhães, médico hematologista, coordenador e gestor do Grupo de Hematologia e Transplante de Medula Óssea de Niterói, responsável Técnico pelo programa de transplante de medula óssea e unidade de leucemias do Hospital Icaraí (RJ).

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