As empresas de tecnologia devem ficar na Rússia ou sair do país?

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A comunidade empresarial internacional está saindo da Rússia. Empresas globais de tecnologia, incluindo Google, Facebook e Apple, permanecem lá basicamente para negócios. (Jinhwa Oh/The New York Times)

Por Shira Ovide

A comunidade empresarial internacional está saindo da Rússia. Mas as empresas de tecnologia, incluindo o Google, o Facebook e a Apple, têm tentado permanecer funcionando lá.

Depois da invasão russa da Ucrânia, as gigantes da energia anunciaram que estavam abandonando projetos de prospecção de petróleo e gás no país. As montadoras divulgaram que parariam de fabricar ou vender veículos na Rússia. Os bancos basicamente excluíram o país do sistema financeiro global. Os carros de Fórmula 1 não correrão em Sochi como planejado, nem os satélites britânicos pegarão carona em foguetes russos.

Empresas globais de tecnologia optaram por continuar permitindo que os russos baixem aplicativos para iPhone, naveguem no YouTube e enviem mensagens no WhatsApp e no Telegram. O governo russo, no entanto, está limitando o acesso a notícias, informações e tecnologias na tentativa de negar a seus cidadãos a realidade de sua invasão da Ucrânia. A Rússia declarou recentemente que bloquearia o acesso ao Facebook

Essa é a escolha que as potências tecnológicas globais encaram até agora. Tentar ficar? Sair por princípio, como os outros fizeram? E qual será seu lugar no mundo se a escolha não for delas?

Os líderes ucranianos têm implorado aos principais serviços digitais que tratem a Rússia como pária e a excluam da vida digital do século XXI. As empresas, em sua maioria, decidiram que a Ucrânia e a democracia global seriam mais bem atendidas se permanecessem. Agora, Vladimir Putin parece ter feito a escolha por algumas delas.

O fato de o acesso digital ser uma ferramenta de agressão em conflitos mostra que, gostem ou não as empresas de tecnologia, os governos e o público, algumas corporações digitais poderosas são atores geopolíticos. Quando os tanques começam a avançar, há um chamado à ação para a ONU, os chefes dos bancos centrais – e os CEOs do Google, do Facebook, da Apple e da Microsoft.

Um dos primeiros indícios desse poder foram os movimentos da Primavera Árabe no início dos anos 2010. Ativistas no Egito, na Tunísia e na Líbia contaram com sites de mídia social e smartphones dos EUA para compartilhar imagens da brutalidade dos governos contra manifestantes antirregime e para organizar a logística das campanhas de rua.

Um egípcio que trabalha no setor de tecnologia, Wael Ghonim, criou uma página no Facebook para homenagear um homem que havia sido espancado até a morte pela polícia de seu país. Isso acabou gerando manifestações imensas na Praça Tahrir, no Cairo. Um tunisiano transmitiu sua localização no aplicativo Foursquare quando foi detido pelas forças do governo e temia que pudesse desaparecer.

O instrumento de mudança política foi o poder coletivo dos cidadãos, e não o de Mark Zuckerberg. Mas a Primavera Árabe foi um ponto alto de otimismo tecnológico, quando parecia que a internet dava poder ao povo para perturbar instituições corruptas e as empresas de tecnologia estavam do seu lado.

Nos anos seguintes a essas revoltas dos cidadãos, as empresas de tecnologia às vezes falharam em dedicar os recursos e o cuidado para defender decisivamente as pessoas presas em zonas de conflito ou à mercê de governos autocráticos.

Em 2018, a ONU concluiu que os militares de Mianmar haviam transformado o Facebook em uma ferramenta de propaganda do genocídio. A empresa, agora chamada Meta, reconheceu que não fez o suficiente para impedir que seu site fosse usado para incitar a violência. Autoridades da Arábia Saudita, das Filipinas e da Somália usaram o Twitter e o Facebook para difamar ou assediar críticos de seu governo. “O Facebook quebrou a democracia em muitos países ao redor do mundo”, disse Maria Ressa, jornalista filipina que recebeu o Prêmio Nobel da Paz no ano passado.

Na Rússia, dois terços ou mais das pessoas conectadas à internet usam o YouTube, que pertence ao Google, e o WhatsApp, o aplicativo de mensagens de propriedade da Meta. O Instagram e o Telegram também são comuns, de acordo com a empresa de pesquisa Insider Intelligence.

O Facebook, o Twitter e particularmente o YouTube têm sido importantes para os críticos do governo russo, incluindo o político de oposição preso Alexei Navalny. Mas, no ano passado, aliados de Navalny criticaram a Apple e o Google por cumprir as exigências do governo de derrubar um aplicativo destinado a coordenar o voto de protesto nas eleições russas. Na época, pessoas próximas a essas empresas afirmaram que não tinham escolha a não ser obedecer às autoridades russas, que alegavam que o aplicativo era ilegal.

A invasão da Ucrânia em fevereiro parecia tornar mais fácil a tomada de partido pelas empresas de tecnologia. A comunidade internacional está tratando quase universalmente a Rússia como um agressor hostil.

E enquanto em outras zonas de conflito as empresas de internet às vezes foram pegas com poucos funcionários que falam o idioma, a maioria delas tem uma equipe capaz de trabalhar em ucraniano e em russo.

O Facebook e o Twitter postaram instruções em ucraniano orientando os locais a proteger ou desativar sua conta para se defenderem das ameaças russas. O Google Maps parou de mostrar informações de tráfego dentro da Ucrânia por temer que isso pudesse criar riscos à segurança ao mostrar onde as pessoas estavam se reunindo.

Ainda assim, algumas autoridades ucranianas estão pedindo às empresas de tecnologia estrangeiras que façam muito mais do que isso. Elas querem que estas abandonem totalmente a Rússia. Mykhailo Fedorov, ministro da Transformação Digital da Ucrânia, tem usado sua conta no Twitter para envergonhar o Facebook, o Google, a Apple, a Netflix e as empresas de videogame, forçando-os a parar ou limitar seus serviços de tecnologia na Rússia. Segundo Fedorov, isso pode abalar os russos, levando-os a se rebelar contra a invasão de seu governo. “Em 2022, a tecnologia moderna talvez seja a melhor resposta aos tanques e outras armas”, escreveu ele em uma carta ao CEO da Apple, Tim Cook.

David Kaye, professor de direito e ex-relator especial das Nações Unidas sobre liberdade de expressão, declarou que, no momento, seria um erro as empresas de tecnologia abandonarem completamente a Rússia. De acordo com ele, o dano da propaganda pró-Kremlin que está circulando on-line na Rússia é relativamente pequeno em comparação com as maneiras produtivas com que cidadãos russos, ativistas e jornalistas estão usando o YouTube, o Telegram, o Signal, o Instagram e os smartphones do Google e da Apple.

Essas tecnologias ajudam a expor os russos a informações além da propaganda governamental e contradizem a narrativa estatal da guerra. Os ucranianos também estão usando as mídias sociais para ridicularizar as tropas russas, reunir estrangeiros para sua causa e compartilhar informações de segurança. Voluntários ucranianos se organizaram para inundar sites do governo russo com spam. Durante algum tempo, os russos que procuravam marcos de Moscou no Google Maps receberam uma enxurrada de fotos de casas bombardeadas e civis feridos na Ucrânia.

“Embora eu seja totalmente solidário com a ideia de que as empresas americanas e internacionais devem resistir ao engajamento com a Rússia agora, existem algumas que estão fornecendo comunicação às pessoas que realmente precisam dela”, disse Kaye. Nada é simples na guerra, e ele rapidamente acrescentou: “Percebo que pode haver desvantagens e precisamos pensar nisso.”

Ao apoiar governos americanos ou europeus contra a Rússia, há o risco de que as empresas pareçam ser uma marionete do Ocidente. Isso pode ser contraproducente para dissidentes e jornalistas russos, e prejudicar as relações das empresas de tecnologia em outros países.

Além disso, a permanência pode colocar seus funcionários em perigo. A Rússia está entre os países que estão estabelecendo leis que tornam os trabalhadores locais de empresas estrangeiras mais vulneráveis a multas, à prisão ou outras punições se seus empregadores não cumprirem exigências do governo. Em última análise, pode ser escolha do Kremlin, e não dos executivos do Vale do Silício, se o serviço digital fica ou sai.

c. 2022 The New York Times Company

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