Auxílio Brasil é um retrocesso no combate à pobreza

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Situação de pobreza cresce 4% na Paraíba em dois anos, diz pesquisa da FGV — Foto: Getty Images via BBC

Editorial O Globo dia 04 de dezembro

O Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família, é quase tudo o que um programa social não deve ser. Eleitoreiro, feito às pressas, sem foco, sem previsão de capacidade para implementar e acompanhar as metas, sem uma transição planejada. Na área social, como em tantas outras, o governo Jair Bolsonaro trata de piorar o que vinha funcionando bem.

Não precisava ter sido assim. Em 2020, o Ministério da Economia, em parceria com o Congresso, acertou ao criar o Auxílio Emergencial para atender os mais afetados economicamente pelo coronavírus. Enquanto Bolsonaro desprezava contratos de vacinas, parte do governo agiu de forma responsável no momento mais agudo da pandemia. Países em estágio semelhante, como o México, não adotaram nada de remotamente parecido.

Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam os efeitos positivos do Auxílio Emergencial. A fatia da população brasileira na extrema pobreza, segundo critérios do Banco Mundial, recuou de 6,8% para 5,7% de 2019 para 2020. A proporção de pobres também recuou, de 25,9% para 24,1%. Sem a ajuda governamental, o IBGE estima que ambas teriam subido: a extrema pobreza teria atingido 12,9%, e os pobres teriam ido a 32,1%. A tragédia que se evitou não foi de pouca monta.

Desgraçadamente, essa vitória acabou por alimentar os instintos mais populistas de Bolsonaro. Com o fim do auxílio e o recrudescimento da crise econômica, é esperado que a situação dos pobres tenha voltado a piorar em 2021. Não há dúvida, por isso, de que era necessária uma ação urgente do Estado em prol deles. Também é evidente que, uma vez extinto o Bolsa Família, haver um novo programa social é sempre melhor que não haver nenhum.

Mas isso não significa que a criação do Auxílio Brasil tenha sido um avanço. Do ponto de vista técnico, ele não foi baseado em nenhum estudo respeitado (e não faltam especialistas no assunto no Brasil). O valor de R$ 400 foi estabelecido pela cabeça de Bolsonaro. Os pontos positivos — como benefício à primeira infância e auxílio-creche — estão lá pela pressão de grupos de interesse. Não há critério de acompanhamento, metas ou estratégia de longo prazo para acabar com a miséria.

Pior: Bolsonaro usou a necessidade — real — de ajudar os mais pobres como pretexto para minar o arcabouço fiscal do país, num movimento que acabará por afetá-los de modo mais agudo ao alimentar a inflação. Na quinta-feira, o Senado deu aval à medida provisória que cria o Auxílio Brasil. Na mesma sessão, os senadores aprovaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que engendra em poucos anos o descontrole do endividamento público, abalando a confiança na capacidade de o Brasil gerenciar seus compromissos.

Se fosse minimamente capaz, Bolsonaro teria perseguido o objetivo legítimo e urgente de fortalecer o programa assistencial de modo responsável. Bastaria ter cortado gastos noutras áreas e ter elaborado um programa mais consistente, capaz de atingir com foco os realmente necessitados e de dar mais a quem precisa mais, a custo menor para o contribuinte. É possível que o Auxílio Brasil ajude o projeto eleitoral do presidente no ano que vem. Mas é difícil acreditar que, quando os números do IBGE medirem seu impacto no futuro, o efeito seja comparável ao do Bolsa Família ou do Auxílio Emergencial.

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