Bode expiatório: Direita americana culpa mulheres do Serviço Secreto por falhas de segurança no atentado contra Trump

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Cientista político acredita que ideias de Trump não desapareceriam mesmo com a ausência de Trump — Foto: DAVID MAXWELL/EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK/BBC

Após a tentativa de assassinato contra o ex-presidente Donald Trump durante um comício, figuras proeminentes da direita ultraconservadora dos Estados Unidos encontraram um bode expiatório para justificar a suposta falha de segurança do Serviço Secreto: as mulheres que trabalham na agência.

“Muito pequenas ou fracas demais”, repetem os influenciadores nas redes.

Responsável por resguardar as figuras políticas mais importantes do país, o Serviço Secreto tem sido alvo de críticas por ter permitido que o atirador se aproximasse a menos de 150 metros de Trump com um fuzil semiautomático AR-15 durante o comício em Butler, na Pensilvânia.

A operação de segurança do evento era executada por diferentes agências: além do Serviço Secreto, agentes do FBI e das polícias estadual da Pensilvânia e do condado de Butler estavam no local.

Chefiado por uma mulher, a diretora do Serviço Secreto, Kimberly Cheatle, disse em entrevista nesta segunda-feira que havia três agentes no complexo de edifícios onde o atirador estava monitorando possíveis ameaças.

No entanto, não foram só as supostas falhas técnicas do Serviço Secreto que estão sofrendo escrutínio: comentários sexistas reprovam a política de recrutamento da organização baseada na Diversidade, Equidade & Inclusão (DEI).

No momento dos disparos, várias mulheres de terno e óculos escuros, vestindo o uniforme típico dos agentes do Serviço Secreto, se lançaram para proteger Trump e retirar do local o candidato presidencial republicano, que acabou ferido na orelha direita. Pouco depois, a culpa recaiu sobre elas.

“Não deveria haver mulheres no Serviço Secreto. Os agentes devem ser os melhores e nenhum dos melhores é mulher”, escreveu o ativista de direita Matt Walsh na rede social X.

Por outro lado, o congressista republicano Tim Burchett criticou a diretora do Serviço Secreto por implementar uma política de diversidade na organização, além do seu passado como chefe de segurança na PepsiCo: “Não consigo imaginar como uma contratação DEI da Pepsi possa ser uma escolha ruim para a chefe do Serviço Secreto #sarcasmo”, postou no X.

Após vários anos na PepsiCo, Cheatle se tornou a segunda mulher a liderar a agência federal, onde já havia trabalhado por quase 30 anos.

Guerra cultural

O Serviço Secreto, que nomeou suas primeiras agentes em 1971, planeja que 30% de seus recrutas sejam mulheres até 2030, segundo um relatório da CBS News de 2023.

“Estou muito consciente (…) de que precisamos atrair candidatos diversos e garantir que desenvolvamos e ofereçamos oportunidades a todos em nossa equipe, especialmente às mulheres”, disse Cheatle à CBS na época.

Como parte de sua guerra cultural, a direita ultraconservadora aproveitou a declaração para denunciar a “wokeficação” no recrutamento — adaptação de cultura “woke”, termo pejorativo usado pela direita para se referir à promoção de temas como igualdade racial, direitos LGBTQPIA+, inclusão ou diversidade, em um momento em que se busca contratar além dos homens brancos.

“Os resultados das políticas DEI [diversidade]: DEI matou alguém”, postou a conta conservadora popular “Libs no TikTok”, em referência ao bombeiro que morreu durante o ataque na Pensilvânia. O conteúdo, reproduzido no X, teve mais de 10 milhões de visualizações. No vídeo, uma agente aparece com dificuldades para guardar a arma no coldre.

Outros influenciadores acusaram a mesma agente de se esconder atrás de Trump em vez de cobri-lo, usando uma foto fora de contexto. Até o dono do X, o bilionário Elon Musk, entrou na polêmica, afirmando que “ter uma pessoa pequena como cobertura corporal para um homem grande é como usar um traje de banho pequeno na praia: não cobre o sujeito”.

Todas as imagens que viralizaram são posteriores ao atentado, mas a culpa pelo que aconteceu antes foi atribuída ao que estão chamando de “a brigada do rabo de cavalo”.

Procurado pela AFP, o Serviço Secreto não enviou uma reação imediata.

Contra-ataque

As práticas de diversificação na contratação cresceram nos Estados Unidos desde o assassinato do afro-americano George Floyd em 2020 por policiais brancos, que impulsionaram um movimento antirracista ao redor do país.

Por outro lado, os conservadores intensificaram sua contra-ofensiva nos últimos meses contra as políticas de diversidade, argumentando que essas práticas colocam os homens brancos em “desvantagem”.

J.D. Vance, senador de Ohio e escolhido como vice de Trump, chegou a apresentar uma proposta de lei em junho para eliminar os programas DEI no governo federal.

“DEI é racismo, simples e claro. É hora de proibi-lo nacionalmente, começando pelo governo federal”, disse ele em postagem no X.

Agentes masculinos em Milwaukee

O recrutamento no Serviço Secreto já foi criticado em maio, após o Congresso iniciar uma investigação sobre um incidente envolvendo uma agente de segurança da vice-presidente Kamala Harris.

Em uma carta para Kimberly Cheatle, o congressista republicano James Comer expressou preocupação com a contratação da agente e a verificação de seus antecedentes, argumentando que a atual escassez de pessoal “levou a agência a diminuir seus rigorosos padrões como parte dos esforços de diversidade, equidade e inclusão”.

Em resposta, o porta-voz do Serviço Secreto, Anthony Guglielmi, afirmou que o recrutamento é realizado “com os mais altos padrões profissionais (…) e em nenhum momento a agência diminuiu esses padrões”.

Cheatle ignorou os pedidos de renúncia e a agência indicou que participará “plenamente” da investigação independente solicitada pelo presidente Joe Biden sobre o ataque a Trump. A diretora do Serviço Secreto deverá comparecer ao Congresso em 22 de julho.

Biden afirmou que se sente “seguro” com o Serviço Secreto, embora tenha admitido que é uma “questão em aberto” se o atentado contra o republicano poderia ter sido previsto.

Em sua primeira aparição público desde o atentado, Trump estava cercado apenas por agentes homens na Convenção Nacional Republicana em Milwaukee, na segunda-feira.

“Assim É como se deve proteger um presidente”, escreveu o comentarista conservador Rogan O’Handley no X.

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