‘Brasil não é prioridade para EUA e relação não deve mudar com Trump’, diz analista

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O ex-presidente dos EUA Donald Trump durante apuração dos votos da eleição de meio de mandato nos EUA, em 9 de novembro de 2022. — Foto: Andrew Harnik/ AP

A eleição do republicano Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos representa um novo ordenamento internacional – e resta saber como o Brasil vai se inserir nesse contexto.

No entanto, não deve trazer grandes mudanças para as relações bilaterais especificamente, segundo o especialista em relações Brasil-EUA Carlos Gustavo Poggio, professor de Relações Internacionais da universidade Berea College, no Estado americano do Kentucky.

Em entrevista à BBC News Brasil, Poggio afirma que o desempenho de Trump, que venceu a democrata Kamala Harris na disputa pela Casa Branca na eleição de terça-feira (5/11), mostra “o fortalecimento de um certo modo de se fazer política, de uma certa corrente ideológica”.

Há expectativa de que o desempenho do republicano energize movimentos de direita ao redor do mundo.

No Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está inelegível até 2030, é admirador de Trump, e o resultado da eleição americana pode motivar setores do bolsonarismo.

Mas Poggio afirma que isso não deve ter grande impacto nas próximas eleições presidenciais brasileiras.

“Uma lição clara das eleições americanas é que a questão econômica é central. Qualquer outro elemento deixa de ser importante quando a questão econômica se torna central”, afirma.

Relações com Brasil e América Latina

A América Latina em geral, e o Brasil em particular, não figuram na lista de prioridades dos Estados Unidos e isso não deve mudar com o novo governo Trump.

“A América Latina [só] é prioridade americana ligada à agenda da imigração. Qualquer questão além disso não é prioridade nem dos democratas nem dos republicanos”, ressalta Poggio.

“Acho que não tem grandes mudanças [na relação Brasil-EUA]”, afirma.

“Historicamente, a relação Brasil-EUA tem uma certa estabilidade, com algumas pequenas alterações de rota, mas não mudanças expressivas.”

Segundo Poggio, a principal mudança com o novo governo Trump é que os EUA deixam “definitivamente” para trás a proposta de construção de uma ordem internacional, construída logo após a Segunda Guerra Mundial.

Com o republicano, na visão de Poggio, será um país mais isolacionista, nacionalista e protecionista.

“Sabemos, por exemplo, que os europeus vão ter que se reorganizar, sem poder contar mais com a ajuda americana, que prova ser não muito confiável”, diz. “A questão vai ser como outros países, como o Brasil, também vão se organizar.”

Poggio salienta que as iniciativas de caráter global, que requerem cooperação entre países, não devem mais contar com a presença dos EUA.

“Acho que vamos ter uma reorganização dessas iniciativas todas, sem a presença americana. E a questão é quem vai tomar a frente deste processo”, diz.

O analista vê um desmonte da liderança americana e de uma ordem internacional que era liderada, patrocinada e sustentada pelos Estados Unidos.

“Temos essa transformação, que é importante. Esses temas globais todos não afetam apenas a relação Brasil-EUA.”

Poggio observa que pode aumentar o racha que já existe no Mercosul, diante da relação de Trump com o presidente argentino, Javier Milei.

“Mas isso deve ser mais por questões internas, de comportamento do que por alguma política específica do governo Trump”, prevê. “É curioso, porque Milei é um libertário, Trump é um protecionista.”

“É óbvio que há um fortalecimento de um certo modo de se fazer política, de uma certa corrente ideológica”, afirma. “A prova de que o eleitor, de fato não, liga muito para caráter ou estilo político ou bons modos quando outras questões estão em jogo.”

Lula e Bolsonaro

O analista acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “cometeu um erro ao dar palpite na eleição americana”.

Poucos dias antes da votação, Lula declarou apoio à democrata Kamala Harris e criticou Trump em entrevista à emissora francesa TF1+.

“Nós vimos o que foi o presidente Trump no final do seu mandato, ou seja, fazendo aquele ataque ao Capitólio. Uma coisa que era impensável acontecer nos Estados Unidos”, disse Lula.

No entanto, para Poggio, após a confirmação da vitória de Trump, o presidente brasileiro rapidamente tomou “a atitude correta” de parabenizar o republicano.

“Acho que isso é uma boa sinalização de que vai se buscar uma política externa menos focada na relação entre pessoas e indivíduos”, afirma Poggio.

“O grande erro do governo Bolsonaro foi achar que uma boa relação com Trump se traduziria em uma boa relação com os EUA.”

Para Poggio, “é uma lembrança de que a política externa deve ser feita com o cérebro, e não com o coração”.

O analista lembra que a primeira vitória de Trump, em 2016, “abriu caminho para uma série de cópias” e que “algumas delas se comprovaram bem-sucedidas, outras nem tanto”.

Poggio destaca que esse novo estilo de fazer política, consagrado com Trump, inclui a defesa de algumas pautas específicas, principalmente a questão do nacionalismo e uma resistência ao processo de globalização, seja econômica ou cultural.

“É um estilo que deixa de lado qualquer indício de civilidade. A civilidade deixa de ser importante como um processo central na política. A espetacularização da política torna-se mais importante do que qualquer tipo de bons modos”, opina.

Poggio salienta que a vitória de Trump pode motivar a base do bolsonarismo, mas não acredita que isso terá impacto nas próximas eleições presidenciais brasileiras que, assim como ocorreu nos EUA, devem ter como questão principal a economia.

“A percepção do americano de que a economia vai mal foi decisiva para a derrota de Kamala Harris”, diz, ressaltando o destaque para o custo de vida. “Seja por dados concretos ou pela própria falta de comunicação do Partido Democrata.”

Para o analista, esta é a “lição fundamental dessas eleições norte-americanas”.

“Se o Brasil estiver indo bem economicamente, isso favorece o governo. Se não estiver indo bem, não favorece.”

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