Brasileira é condenada a reembolsar voluntários que atuaram na Ucrânia

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Rodolfo Caires, Allyson Vitali e Clara Magalhães no dia em que se conheceram para ajudar no resgate de brasileiros na Ucrânia - Arquivo pessoal

Três brasileiros que resgataram pessoas no início da Guerra da Ucrânia disputam na justiça recursos levantados em uma vaquinha virtual.

Os voluntários se conheceram durante o conflito, iniciado em 2022, e integraram a Frente Brazucra, movimento que arrecadou pouco mais de R$ 200 mil para custear a missão humanitária.

Rodolfo Caires e Alysson Vitali moveram ação contra Clara Magalhães, que geria o fundo e, segundo eles, apesar do combinado, retirou o dinheiro da plataforma Vakinha e não reembolsou suas despesas na evacuação de pelo menos 60 pessoas da zona de guerra.

Eles exigem que ela pague R$ 77,6 mil —sendo R$ 18,4 mil a Vitali e R$ 58,7 a Caires.

“Viajei com recursos para me manter por uma semana. Sob essa promessa, fiquei 45 dias sem descanso, usando nossos recursos. Quando enviamos as notas fiscais, começou a novela para receber”, diz Rodolfo Caires, 34. “O reembolso chegou a ter hora marcada, mas depois foi uma desculpa atrás da outra.”

A sentença expedida na última semana, em primeira instância, condena Clara a “reembolsar os valores despendidos pelos autores para o resgate e para suprimento das necessidades básicas das pessoas afetadas pelo conflito armado”.

Não estão inclusas na ordem, porém, despesas com suas próprias necessidades ou valores despendidos para chegarem até o país.

A defesa de Clara Magalhães alega que as notas continham despesas pessoais que iam além dos medicamentos, alimentos e suprimentos essenciais e que a dupla tinha fonte de arrecadação própria que não foi dividida com a Frente Brazucra.

“Eles levantaram fundos de forma autônoma em nome da nossa iniciativa, com valores recebidos diretamente em suas contas pessoais”, diz Magalhães. “O voluntariado é feito por vontade própria, não por expectativa de ganho financeiro.”

A imagem mostra um grupo de seis pessoas em um ambiente coberto, possivelmente um acampamento ou evento ao ar livre. Eles estão posando para a foto, segurando um cartaz de papelão que diz 'BRASIL' e 'BRAZIL', com a bandeira do Brasil desenhada. As pessoas estão vestidas com roupas de inverno, algumas com casacos pesados e gorros. O fundo mostra mesas e outros participantes do evento.
Frente Brazucra durante operação para resgatar pessoas da fronteira da Ucrânia no início da guerra em 2022 – Arquivo pessoal

Ambos os argumentos são rebatidos pelos autores do processo, que pedem embargo da sentença que julgou parcialmente procedentes seus pedidos.

“Não pedimos reembolso de custos pessoais e passagens aéreas. Todo o gasto foi referente à ajuda humanitária”, afirma Alysson Vitali, 46.

“Não estávamos lá a turismo”, diz Caires. “Dirigíamos por 15h, às vezes passávamos noites em claro, precisávamos nos alimentar, dormir em um local minimamente seguro, comprar mantimentos para os resgatados e, às vezes, tinham fraldas e leite para bebês.”

Segundo eles, as doações recebidas de maneira autônoma teriam entrado depois do seu desligamento da Frente Brazucra, em março de 2022, após divergências com Magalhães.

Os desentendimentos teriam começado no desenho de diretrizes para a ação em campo. Caires e Vitali agiam juntos nos resgates, “para proteger um ao outro”, enquanto Clara, tida como líder do movimento, permanecia sozinha e em contato com autoridades locais.

A brasileira Clara Magalhães, que foi de carro de Leipzig, na Alemanha, até a fronteira da Polônia com a Ucrânia e criou um grupo de ajuda para brasileiros
Clara Magalhães, que segue há quase 3 anos na Ucrânia, foi condenada a restituir despesas de voluntários com resgate de pessoas da zona de guerra – Arquivo pessoal

O estopim se deu quando ela teria decidido que eles só poderiam atravessar a fronteira para a Ucrânia com escolta armada —com base na informação de que voluntários estavam sendo sequestrados pelas forças russas.

“Era algo a 1.700 km de distância, onde estávamos não tinha presença física, era ‘só’ míssil e bomba”, explica Rodolfo Caires, acrescentando que, em comboio, com escolta, eles seriam alvo maior do que sozinhos no carro.

“Negamos a escolta, aí ela ficou hostil, veio com acusações, deletou nossas aparições nas redes sociais, nos baniu dos grupos e fingiu que nunca existimos.”

A dupla também alega que Magalhães “manipula a narrativa nas redes sociais”, nunca prestou contas dos recursos levantados pela Frente e que ela segue pedindo doações —agora pela ONG Robin Hood Project Ukraine.

Já Clara, que continua na Ucrânia e declara ter recebido honrarias como a nomeação a “Líder do Ano” pela Tällberg Foundation e a indicação a “Presidential Award” pelo governo ucraniano, afirma que “todos os recursos arrecadados em 2022 foram integralmente destinados ao apoio direto ao povo ucraniano e que, em quase três anos de atuação, jamais teve qualquer reembolso de despesas pessoais”.

Entre as conquistas da ONG na frente de guerra, ela enumera a coordenação humanitária em Kherson, após explosão da barragem, em 2023, distribuição de 50 mil toneladas de mantimentos, 20 mil litros de água potável, construção de 25 mil janelas temporárias em territórios recém-desocupados e doações de 3 veículos para o exército e 200 geradores para civis, militares, policiais e bombeiros.

Caires, hoje corretor imobiliário na Irlanda, lembra que ele e o parceiro “eram os braços de quem estava doando” ao resgatar adultos, crianças, bebês e até animais de estimação. “Clara ficava mais no transporte de mantimentos e agora fica mostrando carnificina nas redes sociais”, diz ele.

“Venho de família simples, estou nos Estados Unidos [em um mestrado] graças a um patrocinador, pois depois da guerra minha conta no Brasil está negativa”, diz Vitali.

A defesa de Magalhães deve recorrer da decisão judicial em segunda instância.

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