Bruno e Dom: Justiça beneficia ex-presidente da Funai de acusação pelo duplo homicídio, mas não absolve governo Bolsonaro dos crimes de omissão

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Marcelo Augusto Xavier da Silva. Foto: Mário Vilela/Funai

Por Octavio Guedes

O desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, passou a ser alvo de ataques nas redes sociais por conta do habeas corpus que concedeu em favor de um ex-presidente da Funai no governo Bolsonaro, acusado pela Polícia Federal pelo duplo homicídio de do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips.

A decisão de Ney Belo não absolve o governo Bolsonaro de qualquer crime cometido e diz apenas sobre Direito Penal: não se pode acusar alguém de duplo homicídio sem que a Polícia mostre um vínculo direto com o crime. É o que entendem penalistas ouvidos por esta reportagem.

O inquérito da Polícia Federal apontou que o delegado da PF Marcelo Xavier, presidente da Funai entre 2019 e 2022, foi um dos responsáveis pelo assassinatos de Bruno e Dom Phillips por sua “omissão nas devidas medidas de proteção que deveria ter adotado na proteção dos servidores que tinham o dever de fiscalizar crimes ambientais em Terras Indígenas”.

A questão é que a insegurança não era uma informação exclusiva do presidente da Funai. Muito menos a omissão foi apenas dele. A própria Polícia Federal havia sido alertada do quadro de insegurança e nada foi feito. Nenhum policial da Delegacia de Tabatinga, para onde as denúncias foram encaminhadas, está indiciado por duplo homicídio. E nem era necessária denúncia para a Polícia Federal estar ciente do perigo: em 2019, o trabalhador da Funai Maxciel Pereira dos Santos foi assassinado na mesma região. O inquérito sobre a morte estava parado na época do duplo homicídio.

Mesmo assim, as denúncias sobre o perigo eram distribuídas a diversas autoridades e não apenas a Funai. No dia 12 de abril de 2022, portanto dois meses antes do assassinato de Bruno e Dom, uma denúncia formal foi enviada à Funai, ao Ministério Público Federal e à Força Nacional de Segurança Pública em Tabatinga, no Amazonas. A Unijava, entidade para o qual Bruno estava trabalhando (havia se licenciado da Funai) citou nominalmente Amarildo da Costa de Oliveira, o Pelado, como invasor de terras indígenas. O autor da denúncia, segundo apurou esta reportagem, foi o próprio Bruno. Pelado é um dos suspeito do duplo homicídio. Não há nenhum procurador, nem dirigente da Força Nacional indiciado por duplo homicídio.

Na decisão, Ney Bello afirma que o presidente da Funai “não possui ingerência direta sobre a atuação das forças de segurança pública” . E completa: “O simples dever genérico de proteção e de zelo pelo quadro de servidores de determinada fundação de direito público não pode servir de justa causa para responsabilizar criminalmente o seu gestor pelos dois crimes de homicídio ocorridos no Vale do Javari. O ato que visa à imputação dos aludidos crimes apenas e tão somente no cargo ocupado pelo paciente (o ex-presidente da Funai), de fato, configura responsabilidade penal objetiva, inadmissível no ordenamento jurídico pátrio” .

É perfeitamente possível participar de um crime por uma conduta omissa. Mas o indiciamento da Polícia Federal tem que ser bem feito, tem que provar os vínculos com o crime. Por exemplo, num vazamento de óleo, o presidente da Petrobras só poderá ser responsabilizado criminalmente se ficar provada vínculo pessoal dele com o crime. Não pode acusá-lo apenas pelo posto que ocupa.

A decisão não afasta a possiblidade de que ele seja acusado por outros crimes pela sua provada omissão, mas o indiciamento por duplo homicídio é forçar a barra na visão do desembargador. Impedir forçação de barra (acusar alguém sem provar os vínculos) é o que chamam de garantismo. Um conceito caro à esquerda por conta do caso Lula. Mas que é ignorado quando a vítima é alguém do governo adversário. Vide os ataques da militância à decisão.

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