Câmeras na PM: portaria estimula, mas não garante que todas as ocorrências vão ser gravadas, avaliam especialistas

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© Getty Images. As câmeras corporais filmam a atividade policial com objetivo de monitorar a legalidade da interação com os cidadãos

A portaria do Ministério da Justiça e da Segurança Pública que padroniza o uso de câmeras corporais por agentes de segurança pública é positiva e estimula a gravação ininterrupta das imagens, mas não garante que todas as ocorrências envolvendo a Polícia Militar sejam gravadas, avaliam especialistas entrevistados pelo site g1.

A portaria foi assinada na terça-feira (28) pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski. O texto prevê:

  • quatro tipos de regime de gravação, indicando que preferencialmente a gravação deve ser ininterrupta, independentemente da ação do agente;
  • que todas as ocorrências de policiamento ostensivo e preventivo, funções da Polícia Militar, entre outras, sejam gravadas;
  • O texto também atribui aos governos estaduais definir a punição caso o agente descumpra as regras.

Para o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) Daniel Edler, essa formulação pode fazer com que, na prática, nem todas as ocorrências sejam registradas.

“A gente só precisa de câmera corporal porque sabe que muitos policiais não seguem o protocolo operacional padrão. Precisa da câmera justamente porque o protocolo não está sendo seguido. Se não tiver a gravação ininterrupta , é confiar que o policial vai seguir o protocolo.”

Estados precisam de recursos

O estados não são obrigados a seguir as diretrizes propostas pelo Ministério da Justiça. Mas os que o fizerem receberão recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para implementar a política.

Isso indica que a portaria deve ter mais impacto em estados menores.

“Um estado do tamanho de São Paulo não precisa de dinheiro do governo federal para fazer nada. Estados menores como Acre, Rondônia, Sergipe, eles de fato precisam disso [recursos federais]. Faz uma diferença muito grande no orçamento de segurança pública”, diz Edler.

“A única maneira, basicamente, que o ministério tem para fomentar essas políticas é no financiamento delas, especialmente a partir do Fundo Nacional de Segurança Pública” — Felippe Angeli, coordenador de advocacy do JUSTA.

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, afirma que o governo poderia ser mais incisivo, repassando fundos nacionais apenas aos estados que seguirem o modelo de gravação automática.

Segundo ela, como o texto não traz essa obrigação, a norma terá menores efeitos práticos, apesar de recomendar as gravações ininterruptas.

“Cada polícia precisa fazer seu controle que as gravações aconteçam. Tem que fiscalizar, é um baita trabalho, mas isso está muito mais na mão das próprias polícias”, afirma Carolina Ricardo.

Mudança em São Paulo

Em São Paulo, um dos estados pioneiros no uso de câmeras corporais na Polícia Militar, o governo Tarcísio Freitas (Republicanos) lançou novo edital de compra de câmeras que prevê apenas a gravação intencional, ou seja, o agente pode escolher se grava ou não uma ocorrência.

Atualmente, o modelo adotado em São Paulo prevê gravação ininterrupta de todo o turno dos policiais com qualidade mais baixa das imagens, e o acionamento intencional para gravações de melhor qualidade durante as ocorrências.

A mudança foi criticada por entidades de segurança pública e direitos humanos, que apontam que a gravação de todo o turno tem garantido a redução da letalidade policial e do uso da força de forma indiscriminada durante abordagens, além de oferecer proteção jurídica e física aos próprios policiais.

Levantamento publicado pelo site g1 mostra que a maioria dos 12 estados que têm a política de câmeras nos uniformes adota a gravação ininterrupta.

O tempo de armazenamento das imagens produzidas é outro ponto que contrasta na norma do governo federal e o novo edital do governo de São Paulo.

A norma do Ministério estipula que as gravações sejam armazenadas por 90 dias, ou até um ano, nos casos de gravações que possam servir de evidência em tribunais. São Paulo já adotava esse mesmo modelo, mas o novo edital prevê agora que as imagens serão armazenadas por apenas 30 dias.

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