Carajo: por que Milei escreveu palavrão em livro do Congresso na posse

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Javier Milei escreveu palavrão em livro do Congresso da Argentina ao tomar posse

Durante a cerimônia de posse realizada no domingo (10), o presidente da Argentina, Javier Milei, escreveu o termo “caralho” no livro do Congresso Nacional, o palavrão foi usado como um “grito de guerra” durante a campanha.

O que aconteceu

“Viva la libertad, carajo” (viva a liberdade, caralho) escreveu Milei no livro do Congresso. Ele reproduziu a frase que se tornou seu slogan durante a campanha presidencial.

No vocabulário hispânico, “carajo” tem o mesmo significado que no Brasil, “caralho”, em referência ao órgão sexual masculino, o sentido muda conforme a situação. O presidente argentino usou o termo como um grito de guerra do partido Liberdade Avança.

No caso de Javier Milei, ele usa como uma interjeição para expressar sua indignação e reforçar seu desejo por “liberdade” — slogan entoado também por seus apoiadores. Ultradireitista, o novo líder argentino é crítico ao assistencialismo e ultraliberal na economia.

Javier Milei escreveu palavrão em livro do Congresso da Argentina ao tomar posse
Javier Milei escreveu palavrão em livro do Congresso da Argentina ao tomar posse

O palavrão perdeu a carga de obscenidade

Heloisa Pezza Cintrão, professora de tradução espanhol-português no curso de letras da USP, diz que de fato “carajo” é uma palavra relacionada ao órgão sexual masculino. “Carajo, dicionarizado, se refere ao pênis; é esse o significado. É o mesmo da palavra em português, esse não é um falso cognato”, diz ela.

No entanto, a professora afirma que algumas palavras, de tanto usadas, se esvaziam do sentido. “Eu duvido que eles (os argentinos) tenham perdido a noção do que ‘carajo’ significa, mas a palavra deixou de ter peso de obscenidade”, diz ela.

Romilda Mochiuti, professora da Unicamp, afirma que “carajo” é um marcador de discurso no espanhol falado na Argentina. “Os marcadores de discurso estabelecem relação que se tem com o uso dos vocábulos, e a carga semântica vai se diluindo com o tempo, o peso pejorativo negativo se perde e passa a ter só um peso enfático. Essa é a função do ‘carajo’: enfatizar uma expressão”, afirma ela.

Ela diz que há outros exemplos parecidos em outros países de lingua espanhola. Na Espanha, a palavra “coño”, que originalmente é o órgão sexual feminino, é empregada também como um marcador de discurso — no caso, para salietar algo, como em “que coño es eso?”, que significa algo como “que coisa é essa”.

Em entrevistas ao site g1, as duas professoras citaram a palavra em português “caramba”, que é uma espécie de substituta da palavra original para momentos em que o emprego do termo original é inapropriado. No Argentina, essa troca não aconteceu, “carajo” simplesmente perdeu uma parte de sua carga.

A palavra aparece em jornais e até em transmissões na TV.

Não é de bom tom para um presidente

As duas professoras afirmam que “carajo” não tem a mesma carga na Argentina do que no Brasil, mas que, ainda assim, é uma palavra que não pertenceria ao discurso político. Milei a emprega de propósito, elas afirmam.

“‘Carajo’ não é de bom tom em certos contextos e, no discurso, é um apelo às emoções e às simplificações”, diz Cintrão, da USP.

O presidente usa muito o termo porque ele quer se mostrar como alguém que desafia os protocolos, é antissistema e, na teoria, pertence ao povo.

“A ideia é criar uma identificação popular, ele quer sinalizar que não tem frescuras. Ou seja, é uma forma de construção de imagem”, afirma ela.

A professora Romilda Mochiuti vai na mesma linha: a intenção por trás do uso é criar empatia com o público. “Ele constrói a imagem de alguém que desafia os protocolos”, diz ela.

Como foi a posse de Milei

Javier Milei foi empossado ontem (10). Ao discursar, ele disse que a Argentina não tem dinheiro em caixa e que não há alternativa “ao ajuste e ao choque”.

“Hoje começa uma nova era na Argentina”, iniciou Milei, que leu o seu discurso. O novo presidente avaliou que sua eleição é “o ponto de virada na história” do país e a comparou com a queda do Muro de Berlim, “que marcou o fim de um período trágico”.

Num tom pragmático, ele anunciou um forte ajuste fiscal, de cinco pontos do PIB. O presidente afirmou que “os encargos cairão em cima do Estado e não do setor privado”.

Milei reconheceu ainda que a situação econômica vai piorar no curto prazo e prometeu “lutar com unhas e dentes para erradicar a inflação”. A inflação no país chegou a 142,7% nos últimos 12 meses, a pobreza atinge mais de 40% da população, sendo 10% indigentes. “Não vai ser fácil, 100 anos de fracasso não serão desfeitos num dia, mas um dia começa e hoje é esse dia”, discursou.

O público ouviu as primeiras palavras do novo presidente aos gritos de “Liberdade, liberdade” e “que vão todos presos”, dirigidos ao grupo kirchnerista. A agora ex-vice presidente Cristina Kirchner mostrou o dedo do meio a apoiadores de Milei ao chegar ao Congresso.

Quebrando o protocolo, Milei não discursou dentro do Congresso, como é praxe, mas do lado de fora, diante de uma multidão. A escolha pela escadaria do Parlamento se deve ao seu discurso antipolítica — ele diz querer falar com o povo e não “com a casta”, como se refere aos legisladores eleitos e de cujo apoio dependerá para governar.

As frases do discurso de Milei

“Hoje começamos uma nova era na Argentina, hoje terminamos uma longa e triste história de decadência e declive e começamos um caminho da reconstrução do nosso país.”

“Os argentinos expressaram vigorosamente uma vontade de mudança que não tem retorno. Não há como voltar atrás, enterramos décadas de fracassos e disputas sem sentido. Começa uma era de paz e prosperidade, de liberdade e progresso.”

“Tal como a queda do Muro de Berlim marcou o fim de um período trágico para o mundo, estas eleições marcaram o ponto de virada na nossa história.”

“Nestes dias, muito se tem falado da herança que vamos receber. Que fique muito claro: nenhum governo recebeu uma herança pior que a que estamos recebendo.”

“Lamentavelmente, tenho de dizer a vocês que não há dinheiro (…) A conclusão é que não há alternativa ao ajuste e ao choque. Naturalmente, isso impactará de forma negativa sobre o modo de atividade de emprego, no salário real, na quantidade de pobres e indigentes. Terá inflação, mas nada diferente do que vimos nos últimos 12 anos. Esse é o último remédio amargo para começar a reconstrução da Argentina. Haverá luz no final do caminho.”

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