Carro automático pega no tranco? Prática pode detonar até veículo manual
Deixar o carro parado por longo período pode deixá-lo sem carga na bateria.
Tomando alguns cuidados, é fácil evitar a bateria arriada. Porém, se isso acontecer, o recomendável é recarregá-la em um auto elétrico ou apelar para a famosa “chupeta” – caso não seja necessário substituir o componente.
Outra alternativa, embora não seja a ideal, é usar o próprio movimento das rodas motrizes para fazer o motor “pegar no tranco”.
A tática é conhecida: em automóveis manuais, coloca-se o câmbio em neutro enquanto alguém empurra o veículo. Ao atingir determinada velocidade, o motorista engata a segunda marcha e solta a embreagem, na expectativa de o motor ligar.
Mas dá para fazer o mesmo em veículos com transmissão automática? “Pegar no tranco” traz risco de danos mecânicos?
Para esclarecer mitos e verdades envolvendo o tema, UOL Carros consultou dois especialistas em motores a combustão.
1 – Automático pega no tranco, mas é melhor evitar
De acordo com Erwin Franieck, mentor de tecnologia e inovação da SAE Brasil, é possível usar o método em carros com transmissão automática para fazer o motor ligar. No entanto, devem ser tomados alguns cuidados.
“O mais importante é nunca colocar o câmbio na posição “P” com o veículo em movimento, o que travaria imediatamente as rodas. Nessa situação, podem ocorrer danos”, alerta o especialista.
Franieck explica que, ao selecionar “P”, é acionado um pino que trava o eixo que conecta o câmbio ao motor, que pode quebrar, além de outros componentes como o sincronizador.
Para “pegar no tranco”, ele orienta a posicionar o seletor em “N” e colocar em “D” ou “2” quando o veículo atingir uma velocidade de aproximadamente 20 km/h. Com isso, o motor deve ligar.
2 – ‘Tranco’ pode danificar veículo manual ou automático
Edson Orikassa, diretor da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva), afirma que o risco de danificar o motor e/ou a transmissão é relativamente baixo ao “pegar no tranco”, se a manutenção estiver em dia.
Isso decorre do fato de o veículo estar em baixa velocidade, não submetendo os componentes a forças excessivas. Porém, salienta, é preciso dosar esse tranco.
“Evite soltar o pedal de embreagem bruscamente. Faça-o de forma gradual”.
Por outro lado, o colega Erwin Franieck alerta que as coisas podem ficar complicadas caso a correia dentada se rompa.
Responsável por sincronizar a abertura e o fechamento das válvulas, essa correia pode arrebentar na hipótese de já estar desgastada – o risco aumenta se o tranco for muito forte.
“Quando a correia arrebenta, as válvulas ficam paradas enquanto os pistões ainda estão em movimento. Por isso, o risco de uma ou mais delas ser atingida pelo pistão e entortar é alto, ainda mais considerando a elevada taxa de compressão dos motores atuais”, pontua Franieck.
Segundo o especialista, a possibilidade de estragos cresce se o motor for diesel, que tem taxa de compressão ainda maior.
Há o risco, ainda, de danificar outras peças, como pistões e bielas, o que obrigaria a fazer uma retífica do motor.
Esses alertas valem tanto para carros manuais quanto para automáticos.
3 – Motor turbo não é mais sensível ao ‘tranco’
Muitos pensam que motores turbinados são mais suscetíveis do que os aspirados a danos quando o motor “pega no tranco”.
Essa crença decorre do fato de a turbina ainda não estar devidamente lubrificada, o que poderia estragar componentes internos, durante as tentativas de fazer o propulsor ligar.
De acordo com Erwin Franieck, esse risco não existe porque a turbina somente é acionada por volta das 1.500 rpm. Ao empurrar o automóvel, não se atinge velocidade suficiente para o motor chegar a essa quantidade de rotações por minuto.
4 – Desconectar a bateria facilita arranque
Ao empurrar o veículo, as rodas movimentam o motor e, consequentemente, a correia de acessórios.
Ela é responsável por ativar o alternador, que tem a missão de gerar eletricidade para recarregar a bateria e ativar os sistemas necessários para o motor entrar em combustão.
Porém, boa parte da eletricidade gerada é direcionada para a bateria. Com isso, a tensão (voltagem) necessária para gerar a centelha das velas e fazer os bicos injetores funcionarem leva mais tempo para ser atingida.
Por isso mesmo, o motor só irá ligar quando a bateria já tiver alguma quantidade de carga acumulada.
“Desconectar a bateria libera mais tensão para os sistemas responsáveis por ativar a combustão no motor. Porém, a bateria também serve para estabilizar as variações de tensão geradas pelo alternador. Por essa razão, se ela não estiver conectada, o risco de queimar dispositivos eletrônicos do veículo é maior”, explica Franieck.
5 – Motor injetado também pode ‘afogar’
Para fazer o motor pegar empurrando o veículo, é necessário atingir velocidade suficiente para gerar a tensão necessária para acionar as velas e o sistema de injeção.
Uma velocidade entre 10 km/h e 20 km/h geralmente já permite que a ignição aconteça. Porém, dependendo do terreno, do peso do carro e da quantidade de pessoas empurrando o automóvel, não é incomum precisar de diversas tentativas até que o motor, finalmente, ligue.
Em carros carburados, a cada tentativa frustrada o motor recebe mais combustível, que não é queimado.
A consequência é que esse combustível acaba atingindo as velas, impedindo a geração de centelha – e, consequentemente, impossibilitando a partida até que o líquido evapore.
Esse é o famoso “afogamento” do motor.
Ao contrário do que muitos pensam, esse fenômeno também acontece com carros injetados – e pelo mesmo motivo, esclarece Franieck.
Orikassa destaca que a chance de o propulsor “afogar” é maior se ele estiver abastecido com etanol – sobretudo em dias mais frios.
“Sob temperaturas mais baixas, o etanol fica mais denso e há mais dificuldade de ele vaporizar, condição necessária para sua queima no motor. Por isso, mesmo que você consiga fazer o carro ‘pegar no tranco’, é comum ele ‘engasgar’ e desligar novamente. O número de tentativas malsucedidas tende a ser maior”, afirma.
Em veículos flex com tanquinho de partida a frio, mesmo se o reservatório estiver abastecido com gasolina, ela só é injetada no motor sob temperatura ambiente abaixo de 20ºC, complementa Erwin Franieck.
“Mesmo nos carros flex sem tanquinho, que pré aquecem o etanol antes de ele ser injetado, dificilmente o sistema é ativado ao empurrar o carro, pois a tensão gerada pelo alternador é muito baixa. Portanto, se você deixar o veículo parado por muito tempo, prefira abastecer com pelo menos 50% de gasolina para a eventualidade de precisar ‘pegar no tranco'”, orienta o engenheiro da SAE Brasil.