Chance de Superior Tribunal mudar decisão que absolveu Daniel Alves é remota, diz especialista

Foto de arquivo mostra ex-jogador Daniel Alves durante entrevista coletiva em 1 de dezembro de 2022 — Foto: Andre Penner/AP
A sentença que condenou o ex-jogador brasileiro Daniel Alves a quatro anos e meio de prisão por agressão sexual foi anulada na sexta-feira (28) pelo Tribunal Superior de Justiça da Catalunha. Ao julgar um recurso da defesa, a corte considerou que “a partir das provas existentes não se pode concluir que se tenham superado os padrões da presunção de inocência”. Cabe recurso ao Supremo Tribunal da Espanha, a última instância, equivalente ao STF brasileiro.
Daniel Alves foi acusado de agressão sexual por uma mulher de 23 anos que preferiu ficar no anonimato. Eles se conheceram na boate Sutton, em Barcelona, no dia 31 de dezembro de 2022. Daniel Alves foi preso preventivamente em 20 de janeiro de 2023 e condenado cerca de um ano depois. Em março de 2024, conseguiu o direito de aguardar o veredicto da última instância em liberdade mediante o pagamento de 1 milhão de euros (R$ 6,2 milhões em valores de hoje). Com a obrigação de se apresentar à Justiça periodicamente e sem poder sair de território espanhol.
“Parece-me remota a hipótese de que o Supremo Tribunal mude a decisão do Tribunal Superior”, disse ao jornal Folha o espanhol Ignácio González Vega, juiz da Audiência Provincial de Barcelona. “A sentença está bem fundamentada do ponto de vista jurídico.”
De acordo com González Vega, Daniel Alves receberá de volta a íntegra do valor da fiança, está livre para sair do país e pode, se quiser, processar o Estado espanhol pelo tempo que ficou privado de liberdade.
“Estamos muito felizes, fez-se Justiça e se demonstrou que Alves é inocente”, disse a advogada do ex-jogador, Inés Guardiola, em entrevista a uma rádio catalã.
A revogação da pena provocou controvérsia nos meios políticos da Espanha. “Não li a sentença ainda, mas expresso minha solidariedade a todas as vítimas de abusos ou maus-tratos físicos que às vezes têm dificuldade para denunciar”, disse a vice-primeira ministra, Maria Jesús Monteiro.
“A sentença do Tribunal Superior não busca esclarecer se houve ou não consentimento na relação sexual. Ela responsabiliza a vítima e a descredibiliza. Isso é a Justiça patriarcal e a cultura da violação”, escreveu Irene Montero, deputada do Parlamento Europeu e ex-ministra da Igualdade da Espanha, na rede social X (ex-Twitter).
Montero se refere ao fato de que a anulação da pena se baseou principalmente em contradições entre o depoimento da suposta vítima e as imagens das câmeras de segurança da boate Sutton. De acordo com a sentença, a denunciante não parece ter sido coagida por Daniel Alves e seus amigos a ir ao banheiro onde se deu a suposta agressão sexual, conforme disse em seu depoimento. “A divergência entre o que foi relatado e o que se vê nas câmeras (…) afeta a credibilidade de toda a declaração”, segundo se lê na sentença —que frisa, no entanto, que as inconsistências no depoimento da denunciante não significam que a versão da defesa esteja correta.
O texto também questiona as provas coletadas no banheiro onde supostamente se deu a violação, como impressões digitais. De acordo com a sentença, não são suficientes para concluir que houve agressão sexual. O processo tem três conjuntos principais de provas: as câmeras de segurança, os indícios coletados no banheiro e o testemunho da suposta vítima. O Tribunal Superior coloca os dois primeiros em dúvida e conclui: “A condenação se apoiou apenas no depoimento da denunciante, sobre o qual se coloca mais um elemento de incerteza, evidenciando a força escassa e insuficiente da hipótese acusatória”.
De acordo com o juiz González Vega, a jurisprudência espanhola costuma exigir provas que corroborem o testemunho da denunciante em casos de agressão sexual. “Essa corroboração pode vir de diversas maneiras. Pode-se reconstituir uma história de assédio antes ou depois do crime, através do depoimento de outras testemunhas”, afirma González Vega. “Às vezes uma mensagem de WhatsApp antes ou depois da agressão serve como prova definitiva.”
A acusação contra Daniel Alves no processo original usou o fato de o ex-jogador ter mudado várias vezes sua versão do ocorrido. Em seus primeiros depoimentos, sem saber que havia sido gravado por câmeras de segurança, Alves negou conhecer a suposta vítima. Ao final admitiu ter tido relações sexuais com ela, mas com consentimento. Não seria injusto apontar inconsistências no depoimento da denunciante e ignorar as afirmações falsas do próprio ex-jogador no decorrer do processo?
“Penso que houve inabilidade tanto da defesa quanto da acusação”, diz González Vega. “A defesa deveria ter orientado o cliente a manter uma única versão do ocorrido. A acusação poderia ter cuidado para que não houvesse contradição entre o depoimento e as câmeras de segurança. O fundamental —dado que na Espanha, como em Portugal ou no Brasil, a prova cabe à acusação— é que o acusado não é obrigado a dar declarações em juízo que o comprometam, enquanto dizer a verdade é essencial para a credibilidade da denunciante.”
Ao revogar a condenação, o Tribunal Superior da Catalunha derrubou dois recursos reivindicando o aumento da pena de Daniel Alves. A acusação pedia 12 anos, e o Ministério Público Espanhol, nove anos. Caso haja um novo recurso à suprema corte espanhola, e Daniel Alves volte a ser condenado, o ex-jogador deverá retornar à Espanha e se apresentar à Justiça para cumprir o que resta da pena. Se estiver no Brasil e se recusar, o governo espanhol pode fazer um pedido de extradição.