Com inflação em alta e baixa atividade econômica, Guedes se apoia no resultado fiscal do governo

Por Eduardo Rodrigues
BRASÍLIA – Com a inflação nas alturas, a atividade praticamente estagnada e os dados de emprego sendo revisados para baixo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem se agarrado ao tão criticado lado fiscal do governo para ensaiar o discurso para a campanha eleitoral.
Apesar das mudanças no teto de gastos terem gerado forte reação negativa no mercado, o ministro tem reforçado o argumento de que esse será o primeiro governo a reduzir o gasto em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), de que a dívida não explodiu como apontavam as projeções e de que o déficit primário será zerado antes do esperado.
Em meio a ataques a Lula e Moro – principais adversários de Bolsonaro em 2022 – Guedes já avisou que sua plataforma para a campanha será um repeteco de 2018: privatizações das maiores estatais (que não saíram até agora), capitalização da Previdência (que não emplacou e foi limada da reforma aprovada em 2019), carteira de trabalho verde a amarela (que foi rejeitada pelo Congresso) e as reformas tributária e administrativa (que seguem empacadas no parlamento).
A especialista em contas públicas da Tendências Consultoria, Juliana Damasceno, avalia, porém, que a melhora dos números tende a se perder neste ano sem a ajuda para as receitas que veio da alta da inflação em 2021 e sem o auxílio nas despesas que veio dos juros baixos da crise.
“Há um receio de que seja necessário operar com juros altos por mais tempo, justamente quando seria necessário estimular a economia com investimentos para recuperar a produtividade e o PIB potencial do Brasil”, avalia Damasceno.
A economista critica a ênfase dada por Guedes ao “sucesso” na gestão das contas públicas justamente quando o governo deu aval para mudanças no teto de gastos, que era a principal bússola fiscal do País.
“Era o teto que permitia haver alguma ancoragem sobre a trajetória futura dos gastos públicos. Com folga que foi aberta no teto, o que se coloca é que o limite não está sendo respeitado”, enfatiza. “São rodadas e rodadas e desconfiança sobre o arcabouço fiscal, que pesa sobre a inflação, sobre o câmbio e, em última análise, sobre a população.”
Para ela, o governo poderia ter revisto inúmeras despesas que não são eficientes ou revisto os benefícios tributários que não têm avaliação de resultados, mas optou pelo caminho mais fácil de aumentar o gasto em um ano eleitoral.
“É um cobertor que já nasce curto, porque não consegue dar conta de todas as demandas. Não houve nenhum esforço para cortar gastos no orçamento de 2022, não há uma vírgula uma tentativa de cortar gastos”, completa Damasceno.
O pesquisador associado do FGV Ibre, Armando Castelar, alerta que as despesas que vinham caindo muito em 2021 darão um salto em 2022. Os juros da dívida pública que, descontada a inflação, chegaram a ficar negativos nos últimos 12 meses, devem superar os 5% em termos reais. Da mesma forma, os benefícios tributários atrelados ao salário mínimo podem ter um reajuste de dois dígitos.
“A despesa real vai subir muito em proporção do PIB, ainda mais com o PIB estagnado. Isso sem falar do salário do funcionalismo, que em algum momento vai ter que ser recomposto. Já são 15% de queda real nesses últimos anos sem reajuste”, alerta.
Para o especialista, a depender de como as pesquisas eleitorais evoluam, pode haver novas pressões para aumento de despesas ao longo do ano. “Não acho que exista a certeza de que esse movimento acabou. O gasto público continua sendo uma fonte de preocupação. O ajuste que vimos dependeu da inflação alta e do juro baixo. A dinâmica daqui para frente será de crescimento da dívida. Fica a dúvida sobre como isso será endereçado a partir de 2023”, completa Castelar.
O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, concorda que a melhora fiscal de 2021 não é estrutural, mas sim dependente de uma conjuntura que já se esgotou. “Não estamos em uma situação de insolvência, mas não dá para comemorar, porque seguiremos agora com baixo crescimento econômico. E o aumento dos juros agora vai acabar neutralizando todo o ganho que houve na relação dívida/PIB”, analisa.
Salto reconhece que o gasto público de 2022 em proporção do PIB irá realmente ficar abaixo que resultado em 2018, mas alerta que boa parte dessa queda ocorreu com a contenção de investimentos, enquanto boa parte das despesas menos eficientes não foi atacada.
“Ao ceder a pressão de reajuste de salários para os policiais, o governo com certeza terá pressão de outras categorias, sobretudo pela sobra de R$ 35 bilhões a 36 bilhões no espaço fiscal de 2022. Se o orçamento ficar para ser fechado em fevereiro ou março, vai haver mais tempo para que essas forças se organizem. Mas esse é um gasto permanente que ficará de herança para depois das eleições”, conclui o diretor da IFI.