Comandante do Exército discursa diante de Lula e cita dificuldades da carreira; confira
O comandante do Exército, general Tomás Paiva, afirmou ontem (22) que a carreira militar exige enorme sacrifício, sem privilégios e com pouca possibilidade de acumular patrimônio.
O discurso foi feito em cerimônia em comemoração ao Dia do Soldado, enquanto o Exército realiza campanha publicitária para justificar a necessidade de os militares possuírem aposentadoria especial. O presidente Lula (PT) participou da solenidade.
“Enquanto estão no serviço ativo, os soldados da pátria, junto aos nossos irmãos, marinheiros e aviadores, trabalham com disponibilidade permanente e dedicação exclusiva para defender o Brasil, salvaguardando sua soberania e protegendo seu povo, nosso maior patrimônio”, disse Tomás.
O comandante ainda disse que a carreira exige “enorme sacrifício e abnegação”, com mudanças constantes de cidade.
“Recomeçar suas vidas em locais diferentes, sujeitar cônjuge e filhos a viver longe do afago dos familiares, trocando de amigos e de escola, com pouca possibilidade de acumular patrimônio e com o único privilégio de servir à pátria sem restrições”, afirmou.
Desde o início de junho, o Exército realiza uma campanha publicitária e mobiliza oficiais para explicar ao público as razões pelas quais a carreira militar é beneficiada com uma aposentadoria especial —com manutenção do salário integral e período mais curto de trabalho.
O Exército diz que a previdência diferenciada é uma ação afirmativa do Estado, que corrige “desigualdades históricas e estruturais”. É ainda uma forma de manter a atratividade da carreira, diante das dificuldades que os militares enfrentam no serviço ativo.
Os privilégios na aposentadoria militar viraram alvo de questionamentos no governo Lula e no TCU (Tribunal de Contas da União). A ala econômica do governo avalia mudanças no pagamento de militares reservistas e reformados para reduzir o déficit das contas públicas.
O discurso de Tomás ainda teve referência a outras críticas que o Exército tem sofrido, especialmente de petistas.
A Força adiou em maio a contratação de 36 viaturas blindadas de obuseiro 155 mm —espécie de canhão de grande alcance e precisão que será utilizado pela artilharia— porque Lula recebeu reclamações de que o fornecedor seria uma empresa de Israel.
A aquisição, de quase R$ 1 bilhão, entrou na mira de políticos e apoiadores do governo devido à postura crítica que as lideranças brasileiras têm adotado contra a conduta de Tel Aviv na guerra com o grupo terrorista Hamas.
Tomás destacou no discurso que, por mais que as Forças Armadas enfrentem “restrições orçamentárias”, o Exército sempre atuou “de forma responsável e transparente” em suas contratações.
“Os verdadeiros soldados, os que amam o que fazem, os herdeiros de Caxias, dissuadem pelo exemplo, comprometem-se com a ética e são temidos pelos adversários, nunca por seu povo ou sua Pátria, de quem são garantes e representam o último reduto de defesa”, disse.
O comandante ainda destacou o trabalho do Exército no combate aos incêndios no Pantanal e no resgate do povo gaúcho, vítima das fortes chuvas que alagaram cidades do Rio Grande do Sul.
O evento teve a presença de autoridades que, à espera de Lula, conversavam ao pé do ouvido e trocavam risadas. O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), compôs uma roda de conversa com o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, e o procurador-geral da República, Paulo Gonet.
O ministro do STF Gilmar Mendes, que não tem costume de participar de solenidades militares, chegou atrasado. Participou ainda o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Marco Antônio Amaro.
O presidente Lula participou de todas as principais cerimônias do Exército desde que voltou à Presidência da República para seu terceiro mandato. As datas festivas da Força são 19 de abril (Dia do Exército) e 25 de agosto (Dia do Soldado).
No última Dia do Exército, Lula foi vaiado por parte do público que acompanhava a cerimônia. Em resposta, apoiadores do presidente gritaram em apoio ao petista. Ontem (22), não houve manifestações do pequeno público presente na Avenida do Exército, em Brasília.
Os eventos tradicionalmente contam com a leitura da Ordem do Dia —documento assinado pelo comandante do Exército e que é enviado a todos os militares nos dias festivos.
O presidente chega aos arredores do Quartel-General no carro oficial, desfila em tapete vermelho e senta ao lado de políticos e militares. Ele recebe os cumprimentos de chefe de Estado e vê o desfile de soldados, blindados e aeronaves. Não há pronunciamentos de Lula.
Um dos desafetos de petistas pelo tuíte que pressionava o STF na véspera do julgamento que poderia livrar Lula da prisão, o general Villas Bôas esteve em todas as cerimônias no mesmo palco que o presidente.
No último Dia do Exército, o comandante Tomás Paiva fez um apelo público para o aumento do orçamento da Força —a principal demanda dos chefes militares ao Palácio do Planalto.
“A previsibilidade orçamentária é fundamental para fortalecer a Base Industrial de Defesa e aumentar a capacidade de dissuasão em um mundo multipolar, no qual os conflitos bélicos são uma realidade”, disse o general.
Tomás ainda disse que o Exército é defensor eterno da democracia brasileira. “No dia de hoje, ao completar 376 anos de glórias, a Força Terrestre reafirma o eterno compromisso com a Nação brasileira em defesa da Pátria e dos mais caros ideais democráticos, mesmo com o sacrifício da própria vida”, afirmou.
Apesar do clima amistoso que tem cercado os eventos de Lula com militares, há constante temor das Forças Armadas com os desdobramentos das investigações da Polícia Federal que miram militares que apoiavam os planos de golpe de Estado para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na Presidência.
Militares que ocuparam cargos na cúpula do Exército, como os generais Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto, são proibidos pelo Supremo de participar de cerimônias militares enquanto os inquéritos não são concluídos.
A relação de Lula com as Forças Armadas sofreu forte impacto após os ataques às sedes dos Poderes, em 8 de janeiro de 2023. O presidente chegou a demitir o então chefe do Exército, general Júlio Cesar de Arruda, por desconfiar de seu comprometimento com o desmonte do acampamento golpista e o afastamento de militares de pouco apreço pela democracia.
Lula, porém, decidiu apostar em um arranjo conciliador após uma transição de governo intrincada e embates pós-8 de janeiro. O principal encarregado por restabelecer a confiança de ambas as partes foi o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.