Como a guerra na Ucrânia deu uma segunda chance ao fraturamento hidráulico

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Entrada de Quadrilla, local de fratura hidráulica em Little Plumpton, Inglaterra, 17 de março de 2022. (Andrew Testa/The New York Times)

Por Stephen Castle

Little Plumpton, Inglaterra – Não resta muito do único local de fraturamento hidráulico operável do Reino Unido, cujas atividades foram interrompidas em 2019 depois de causarem tremores de terra tão fortes que foram sentidos a quilômetros de distância.

Uma chaminé para queimar gás metano se eleva acima da cerca de segurança, mas a plataforma de perfuração se foi e o plano era despejar concreto nos poços, deixando o experimento britânico em extração de gás de xisto para a história. Contudo, com a guerra que está devastando a Ucrânia e interrompendo o fornecimento global de energia, o setor de fraturamento hidráulico do Reino Unido ganhou uma nova chance.

Esperava-se que os trabalhadores começassem a selar os dois poços no mês passado, mas – para alarme dos ativistas locais – a empresa de energia Cuadrilla está discutindo com os reguladores uma extensão de sua licença.

“É frustrante, porque eles estavam tão perto de realmente tampar os poços. Um mês antes, teria sido tarde demais, eles teriam sido fechados”, disse Susan Holliday, que mora a algumas centenas de metros do local, em Lancashire, no noroeste da Inglaterra. Ela, que se opõe ao fraturamento hidráulico na região há oito anos, achava que a vitória estava ao seu alcance.

No entanto, depois da invasão russa da Ucrânia, a Europa está em busca de novas fontes de energia enquanto tenta se livrar dos produtos importados da Rússia, e a Alemanha no mês passado deu o primeiro passo em direção a um plano de emergência que poderia levar ao racionamento de gás.

No Reino Unido, cerca de 30 legisladores do Partido Conservador apelaram ao primeiro-ministro Boris Johnson para acabar com uma moratória sobre o fraturamento hidráulico, e o secretário de negócios Kwasi Kwarteng admitiu recentemente que, neste momento, “não faz sentido concretar os poços”.

Entre os maiores entusiastas estão Andy Mayer, analista de energia do Institute of Economic Affairs, think tank que apoia o livre mercado. Ele argumenta que “tampar esses poços agora é como dinamitar uma mina durante a corrida do ouro”.

O esforço para salvar o fraturamento hidráulico – que cria fraturas nas formações rochosas para liberar o gás natural preso no interior – faz parte de uma avaliação mais ampla da política energética à luz de uma crise global que também tem pressionado as empresas a extrair ainda mais dos declinantes recursos energéticos do Reino Unido no Mar do Norte.

Menos de seis meses depois que Johnson sediou a cúpula climática da COP26, os políticos estão começando a questionar a estratégia de descarbonização do país em meio ao aumento dos custos de energia para os consumidores.

As contas domésticas de gás e eletricidade podem triplicar este ano – em conjunto com um aperto mais amplo nos padrões de vida – e Nigel Farage, o veterano ativista pró-Brexit, pediu um referendo sobre o cancelamento do plano do governo de atingir a meta de emisão zero de carbono até 2050.

Em 2020, segundo o governo britânico, 41,9 por cento da energia consumida foram gerados por gás, 31,2 por cento por petróleo e 3,4 por cento por carvão.

O Reino Unido importa relativamente pouca energia da Rússia (e planeja eliminar gradualmente todas as compras de petróleo este ano). Mas o aumento global dos preços está afetando todos os países que dependem, em certa medida, de petróleo e gás importados. No Reino Unido, esse aumento levou o governo a reavaliar sua política energética. Mesmo antes da guerra na Ucrânia, um aumento nos custos levou 30 empresas de energia britânicas de menor porte à falência. Nesse contexto, Johnson planeja estabelecer em breve uma nova estratégia de segurança energética que deverá exigir mais energia renovável e nuclear.

Placas contra a fratura hidráulica no carro de um ativista em Little Plumpton, Inglaterra, 17 de março de 2022. (Andrew Testa/The New York Times)
Placas contra a fratura hidráulica no carro de um ativista em Little Plumpton, Inglaterra, 17 de março de 2022. (Andrew Testa/The New York Times)

Dada sua vulnerabilidade política depois de um escândalo sobre os partidos de Downing Street que violaram as regras de bloqueio pandêmico, Johnson provavelmente manterá a porta aberta para o fraturamento hidráulico, que conta com o apoio de um setor linha-dura em seu partido que pode causar problemas para o primeiro-ministro.

No mês passado, o ministro da Energia Greg Hands declarou: “Gás de xisto e novas abordagens podem fazer parte de nosso mix energético futuro à medida que o país transita para a energia verde. As provas científicas e o apoio local são vitais para isso.”

Entre os defensores do fraturamento hidráulico estão Jacob Rees-Mogg, ministro sênior, e David Frost, ex-colega de gabinete de Johnson. Eles esperam que o Reino Unido possa replicar a experiência dos Estados Unidos, que se tornou um exportador de energia em grande parte por causa do xisto.

Em um comunicado, Francis Egan, executivo-chefe da Cuadrilla, expressou frustração com o fato de o governo, apesar de sua retórica, ainda não ter dado instruções claras ao órgão regulador de energia para permitir a retomada do fraturamento. Ele apelou aos ministros que “garantam que empresas como a Cuadrilla e outras não sejam forçadas a sofrer o risco e o custo financeiro de operar numa posição em que um governo possa continuar mudando de ideia e exigindo que os poços sejam cimentados enquanto são eminentemente úteis”.

A moratória ao fraturamento hidráulico está em vigor desde que o local de Lancashire causou um terremoto de magnitude 2,9 há três anos, o que levou o governo a dizer que, antes de continuar, a Cuadrilla deveria demonstrar que o xisto pode ser extraído com segurança. Os críticos duvidam que isso possa ser feito, mas as recompensas por obter uma liberação podem ser altas. De acordo com um relatório, a estimativa central de reservas é de 38 trilhões de metros cúbicos em um país que consome cerca de 79 milhões de metros cúbicos de gás por ano.

Contudo, os especialistas não têm tanto otimismo, já que as quantidades que podem realmente ser extraídas só se tornam claras quando a perfuração começa. Segundo eles, qualquer quantidade significativa de gás de xisto levaria anos para entrar em operação e, portanto, não ajudaria na crise atual. “É provável que seja consideravelmente mais caro aqui do que nos EUA, porque não temos espaços abertos; somos uma ilha muito densamente povoada”, observou Dieter Helm, professor de política energética da Universidade de Oxford. De acordo com ele, a geologia do Reino Unido é muito mais complexa do que nas regiões produtoras de xisto dos Estados Unidos, e só é possível determinar com exatidão a extensão das reservas depois que as empresas abrem os poços. E acreswcentou: “Meu palpite é que a combinação das dificuldades e a densidade populacional tornam o fraturamento hidráulico uma ordem de magnitude mais caro que nos EUA.”

Mas os defensores do gás de xisto pensam que a atual crise energética representa uma oportunidade para convencer os consumidores a repensar. Falando no Parlamento, a legisladora conservadora Andrea Leadsom afirmou que deveria ser perguntado às comunidades se elas estariam dispostas a se comprometer com a extração de gás de xisto em sua região se não tivessem mais de pagar a conta de gás.

Do lado de fora de um supermercado em Kirkham, não muito longe do local de fraturamento em Lancashire, os clientes expressaram preocupação com o aumento das contas de energia. “Vamos ser atingidos, com certeza, mas o que podemos fazer?”, comentou o motorista aposentado Bob Whiteside ao lado de um caixa eletrônico, acrescentando que aceitaria de bom grado o fraturamento hidráulico se isso reduzisse as contas.

Mas nem todos compartilham sua atitude. Claire Stephenson, que é contrária ao fraturamento hidráulico, descreveu o barulho do terremoto de 2019 como “um rugido interno, a coisa mais bizarra que já experimentei. Dava para ouvir o chão e senti-lo tremer: meu gato até caiu da cama”.

Entre os manifestantes em Lancashire que prometem se opor a qualquer retomada do fraturamento hidráulico está Barbara Richardson, que já foi eleitora do Partido Conservador de Johnson. “Nunca fui ambientalista, nunca fui manifestante, não somos hippies abraçadores de árvores”, disse ela, referindo-se a algumas das descrições aplicadas pelos críticos aos grupos em Lancashire contrários ao gás de xisto. “O que está acontecendo agora é uma última tentativa do setor de fraturamento hidráulico para tentar obter alguma credibilidade, e o mais desprezível é que eles estão usando a crise ucraniana para fazer isso. Os moradores da região pensaram que sua oposição havia decretado a morte do fraturamento hidráulico, por isso muita gente está chocada com o fato de ele estar de volta à mesa.”

c. 2022 The New York Times Company

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