Compras suspeitas de imóveis de Bolsonaro coincidem com acesso a cofre de Carlos; entenda

0

Jair Bolsonaro e o filho Carlos. Foto: EFE/André Coelho

O vereador Carlos Bolsonaro (PL) acessou o cofre que mantinha no Banco do Brasil nos mesmos dias em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) adquiriu imóveis em transações com características suspeitas.

Dados do banco mostram que o vereador e o senador Flávio Bolsonaro (PL), que também usava o serviço, acessaram 153 vezes as duas caixas mantidas no local ao longo dos 12 anos. A frequência média foi de uma vez por mês, embora exista casos de duas entradas num mesmo dia.

As informações constam na investigação realizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra Carlos sob suspeita de envolvimento num esquema de “rachadinha” em seu gabinete na Câmara Municipal. A apuração resultou numa denúncia contra sete servidores do vereador, mas o procedimento contra o filho do ex-presidente foi arquivado por falta de provas.

A defesa de Carlos não comentou as informações, mantendo o posicionamento do vereador que disse receber com tranquilidade o arquivamento do procedimento contra ele. Declarou também indignação com a denúncia contra integrantes de seu gabinete. Em nota, Flávio disse que as transações imobiliárias não têm ligação com os acessos ao cofre.

A reportagem procurou a defesa de Bolsonaro, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

A existência de um cofre em nome de Carlos foi revelada pela imprensa em setembro de 2020.

A participação de Flávio no serviço e a coincidência de acesso com as transações imobiliárias foi divulgada em julho pelo ICL Notícias e confirmada pela reportagem após o oferecimento da denúncia contra os servidores do vereador.

O controle de acesso ao cofre consta no relatório da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MP-RJ. Ele oculta o nome de Flávio, mas é possível identificar as assinaturas semelhantes ao do senador nos documentos. Ele confirmou ser o coproprietário do serviço.

Os papéis mostram que o cofre foi acessado nos dias em que Bolsonaro comprou as duas casas que mantém no Condomínio Vivendas da Barra.

A primeira foi adquirida em 21 de janeiro de 2009. Os documentos do BB mostram que Carlos acessou o cofre naquele dia às 11h25 e lá permaneceu por 20 minutos.

Como a imprensa revelou em janeiro de 2018, a transação contém características suspeitas de lavagem de dinheiro pelos critérios do Coaf.

Bolsonaro adquiriu a casa, segundo a escritura, por R$ 409 mil. Os antigos proprietários haviam comprado o imóvel quatro meses antes por R$ 580 mil, tendo um prejuízo de R$ 171 mil na operação. Especialistas apontam que transações do tipo podem ocorrer com pagamento “por fora”, com dinheiro vivo.

O segundo imóvel no condomínio foi adquirido em 13 de dezembro de 2012 por, segundo a escritura, R$ 500 mil. No mesmo dia, Carlos acessou o cofre as 10h17, tendo ficado lá por 14 minutos.

O valor de compra é menos de um quarto do avaliado pela prefeitura para cálculos do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis). O tributo foi cobrado sobre uma estimativa de R$ 2,23 milhões. A divergência também é apontada como suspeita pelos critérios do Coaf.

Carlos também acessou o cofre no dia 3 de fevereiro de 2011, mesmo dia em que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) adquiriu um imóvel em Copacabana. Ele já admitiu que pagou parte dos R$ 160 mil da operação em dinheiro vivo.

Há também acessos em data próxima de operação suspeita atribuída a Flávio. Segundo dados do controle do Banco do Brasil, ele acessou o cofre no dia 26 de novembro de 2012. Um dia depois, comprou dois imóveis numa transação com características suspeitas, também reveladas pela imprensa em janeiro de 2018.

Ele adquiriu dois apartamentos em Copacabana de um mesmo vendedor por, no total, R$ 310 mil. Um ano depois, os dois imóveis foram vendidos com um lucro de R$ 800 mil —mais de 200%.

O MP-RJ afirmou na acusação oferecida contra Flávio ter coletado provas que mostram que o senador pagou R$ 638 mil em dinheiro vivo “por fora” para lavar dinheiro obtido no esquema da “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa. A denúncia acabou arquivada após a anulação de provas.

Juiz cita inconsistências e devolve investigação sobre ‘rachadinha’ em gabinete de Carlos Bolsonaro

O juiz Thales Braga determinou na quinta-feira (12) a devolução para o Ministério Público da investigação sobre o suposto esquema de “rachadinha” no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (PL).

O magistrado apontou inconsistência na denúncia apresentada contra os servidores, bem como no arquivamento dos fatos contra o filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O promotor Alexandre Graça apresentou na quarta-feira (11) denúncia contra sete funcionários de Carlos sob acusação de integrarem um esquema de “rachadinha” liderado por Jorge Fernandes, chefe de gabinete do vereador.

A apuração contra o filho do ex-presidente foi arquivada sob a justificativa de que não foi identificada irregularidade na movimentação financeira dele.

Braga afirmou ser contraditório o fato de o promotor ter apontado inexistência de crime por parte de Carlos na manutenção de “funcionários fantasmas” no gabinete e, ao mesmo tempo, considerar a prática indício de improbidade administrativa.

“Com a alteração da Lei de Improbidade Administrativa, deixou de existir o ato de improbidade culposo. Nessa linha de raciocínio, o promotor teria afirmado que há indícios de dolo (consciência e vontade) do parlamentar em permitir a existência de ‘funcionários fantasmas’ em seu gabinete sem que tenha recebido qualquer vantagem”, escreveu Braga.

De acordo com o magistrado, o Código Penal “permite a tipificação daquele que concorre para que seja subtraído em proveito próprio ou alheio”, prevendo “a modalidade de concorrência culposa para peculato de outrem”.

“Pelos fundamentos dúbios adotados no sentido da existência de indícios de improbidade administrativa, deveria o Ministério Público manifestar-se expressamente pelo arquivamento, ajuizamento de ação penal ou desmembramento da investigação quanto aos delitos”, afirmou.

O juiz também afirmou que Graça não realizou diligências recomendadas pela Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do MP-RJ. Entre elas, está a requisição de informações para esclarecer o pagamento de boletos em nome do vereador.

A decisão também aponta que o procedimento incluiu reportagens sobre Marcelo Luiz Nogueira dos Santos, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PL), na qual ele relata a prática da “rachadinha” da família Bolsonaro.

O juiz destaca o fato de que, apesar das matérias, não há qualquer dado que indique o que foi feito com aquelas informações. “A informação juntada por ordem do promotor resta perdida nos autos”, afirma.

Braga também afirmou haver contradição no embasamento dado para o encerramento da investigação contra Carlos.

A promoção de arquivamento, num trecho, fala em atipicidade (inexistência de tipo penal para definir determinada prática), em outro aponta falta de provas.

“O arquivamento baseado na atipicidade da conduta configura coisa julgada material e, conforme já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, produz a chamada coisa julgada material e impede a reabertura do procedimento a qualquer tempo, mesmo diante de novas provas”, afirmou o juiz.

O magistrado também apontou lacunas na descrição da suposta organização criminosa liderada por Jorge Fernandes, chefe de gabinete de Carlos.

De acordo com o promotor Alexandre Graça, responsável pela investigação, a apuração não identificou transação financeira irregular envolvendo Carlos. A possível existência de “funcionários fantasmas” no gabinete, para ele, não se configura como crime, mas uma infração administrativa.

A investigação apontou que houve o desvio de R$ 1,7 milhão do gabinete.

“Confio em todos os meus funcionários e tenho absoluta certeza que todos os envolvidos demonstrarão a fragilidade da acusação e suas inocências”, disse Carlos após a denúncia da Promotoria na quarta.

A investigação contra Carlos foi aberta após a imprensa revelar em 2019 a existência de uma “funcionária fantasma” no gabinete do vereador.

A Justiça autorizou em maio de 2021 a quebra de sigilo bancário de 25 servidores ou ex-servidores da Câmara, e de cinco empresas, para apurar a prática de “rachadinha”. Uma das suspeitas era o uso de dinheiro vivo para dificultar o rastreamento do esquema.

Laudo feito pelo Laboratório de Tecnologia de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro do Ministério Público indicava uma movimentação financeira que dificultava as investigações.

Segundo o documento, Carlos sacou R$ 1,98 milhão de sua conta entre 2005 e 2021. O valor corresponde a 87% do total recebido em salário da Câmara Municipal no período.

About Author

Deixe um comentário...