Congresso tem mais poder que Ministério da Saúde sobre gastos com assistência hospitalar e atenção básica; entenda

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Vista do prédio do Congresso Nacional em Brasília

De 2016 a 2023, o valor das emendas parlamentares — gastos indicados pelo Congresso no orçamento do governo — destinadas à saúde cresceu mais de quatro vezes. Pulou de R$ 5,7 bilhões para R$ 22,9 bilhões.

Com isso, hoje, o poder do parlamento sobre o dinheiro que vai para duas áreas essenciais da assistência em saúde no país é maior que do próprio Ministério da Saúde.

Os dados são de um levantamento feito pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), em parceria com a Umane, uma associação civil sem fins lucrativos.

Os autores da pesquisa sustentam que parlamentares se valem “mais de critérios políticos” na hora de indicar gastos, diferentemente do ministério, que adota requisitos mais técnicos, pois considera o planejamento das políticas públicas que precisam de atenção.

Isso, portanto, pode comprometer a transparência da destinação do dinheiro para a Saúde.

Marcella Semente, analista de relações institucionais do Instituto, afirma que o Ministério da Saúde tem perdido recursos, que depois não são rastreáveis, ou seja, não é possível identificar qual ação foi financiada. E que a pasta tem mais capacidade que o Congresso de identificar os “gargalos” de cada região do país nessa área.

“Embora os recursos sejam direcionados para a saúde, não são recursos adicionais, trata-se apenas de uma mudança sobre quem define a alocação do orçamento, o que implica em uma fragmentação do financiamento das políticas públicas de saúde”, pontuou Semente.

“O órgão responsável por planejar e implementar as políticas de saúde, com capacidade de identificar gargalos e garantir equidade orçamentária regional, perde recursos que, em sua maioria, não permitem a identificação de para qual política ou ação foram destinados”, prosseguiu a analista.

influência do Congresso nos últimos anos foi maior que do Ministério da Saúde (MS) nas duas principais funções da pasta, se consideradas despesas não obrigatórias (discricionárias) do governo.

Nesse tipo de despesa, o ministério tem liberdade para aplicar o dinheiro de acordo com o que decidir priorizar. Assim como deputados e senadores escolhem para quais projetos ou políticas públicas o dinheiro das emendas vai.

O destino, o programa a ser contemplado, não é fixo. E, mesmo assim, certas modalidades de emendas (individuais e de bancada estadual) são impositivas, ou seja, precisam ser obrigatoriamente pagas pelo Executivo.

É esse poder do parlamento sobre o Orçamento que está gerando atrito entre os parlamentares e o Supremo Tribunal Federal (STF), que suspendeu a execução dessas emendas impositivas.

O estudo analisou duas áreas-chave do Sistema Único de Saúde (SUS), que são priorizadas pelo Ministério da Saúde:

  • Atenção Básica: prevenção e diagnóstico de doenças, primeiro nível de atenção em saúde. Exemplos são os postos de saúde, o pré-natal e a Estratégia Saúde da Família (ESF);
  • Assistência Ambulatorial e Hospitalar (AHA): atendimento em hospitais, especializado por áreas, como cardiologia, e também emergências e cirurgias, nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA).

Esses são dois dos principais eixos que estruturam a assistência em saúde no Brasil. E o estudo revela que hoje estão sendo financiados mais por emendas parlamentares que por despesas não obrigatórias do Poder Executivo.

A execução orçamentária em emendas para as duas áreas é maior que a execução orçamentária das despesas discricionárias do MS.

No período analisado, o dinheiro das emendas foi progressivamente direcionado mais para despesas correntes (pagamento de água e luz, por exemplo), em detrimento dos investimentos (que servem para custear, por exemplo, obras como a construção de uma Unidade Básica de Saúde – UBS).

“Esses dados revelam a ampliação da influência do Congresso na destinação de recursos para duas áreas essenciais da saúde, e o consequente recuo do orçamento discricionário do Ministério da Saúde” explica Victor Nobre, assistente de relações institucionais do IEPS e um dos autores da pesquisa.

“É importante que haja equilíbrio nessa distribuição de recursos, considerando que é o Executivo o responsável pelo planejamento técnico e orçamentário para essas áreas”, arremata Nobre.

Emendas Pix

Na decisão que suspendeu primeiramente as emendas conhecidas como “Emendas Pix”, o ministro do STF Flávio Dino alertou para a falta de transparência dessa modalidade.

Nesse tipo de indicação, os recursos são transferidos por parlamentares diretamente para estados ou municípios, sem a necessidade de apresentação de projeto ou justificativa.

O estudo também aponta a dificuldade de rastrear as Emendas Pix.

“Desde 2019, ano em que esse instrumento foi criado, a modalidade tem chamado atenção especialmente por dois aspectos: o crescimento no volume de recursos e a falta de transparência relativa ao nome do parlamentar que a indicou e sua efetiva destinação”, diz a pesquisa.

Indicações de 2016 a 2023 se referem aos valores empenhados, enquanto as de 2024 se referem aos valores autorizados. — Foto: Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS)
Indicações de 2016 a 2023 se referem aos valores empenhados, enquanto as de 2024 se referem aos valores autorizados. — Foto: Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS)

“Entre 2020 e 2023, o montante empenhado em ‘Emendas Pix’ cresceu, em termos reais, dez vezes, saindo de aproximadamente R$ 620 milhões para R$ 6,7 bilhões. Não é possível, portanto, identificar se uma parcela desse valor foi destinada à saúde ou se não houve recursos destinados à saúde por essa modalidade”, aponta o estudo.

Outros valores

O que a pesquisa revela ainda:

  • Entre 2016 e 2019, os valores empenhados em emendas para essas áreas mais do que quadruplicaram, passando de R$ 3,7 bilhões para R$ 16,3 bilhões. De 2019 a 2023, o crescimento de emendas para a Atenção Básica cresceu 16,9%, passando de R$ 8,0 bi para R$ 9,4 bi, e para a Assistência Ambulatorial e Hospitalar o crescimento foi de 61,2%, passando de R$8,3 bilhões para R$13,3 bilhões;
  • Em 2024, a previsão de recursos no Orçamento em emendas parlamentares é de R$ 25 bilhões. Segundo o estudo, isso “reforça a tendência de continuidade de ampliação do orçamento do Poder Legislativo”;
  • Em 2024, a destinação de recursos para a Atenção Básica, por meio das emendas parlamentares, “pode ser 71,9% maior que os recursos discricionários destinados pelo Ministério da Saúde. A tendência é a mesma para os recursos da Assistência Ambulatorial e Hospitalar, que pode ser 64% maior”;
  • As regiões Norte e Nordeste, localidades com percentuais de pré-natal adequado mais baixos, receberam mais recursos para a Atenção Básica por meio de emendas parlamentares do que regiões com percentual mais alto. Por outro lado, não foi observado padrão entre o repasse de emendas para Assistência Hospitalar e a mortalidade materna hospitalar. Os estados com maior volume de recursos per capita destinados via emendas parlamentares, nas duas áreas, são também estados com mais representantes no Legislativo;
  • Municípios de menor porte populacional, com cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) igual ou superior a 80% e nível de vulnerabilidade social mais alto recebem, via de regra, mais recursos por meio de emendas parlamentares do que os municípios com características opostas.

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