Conselho de Ética ineficaz transforma Câmara dos Deputados em palco de brigas para gerar engajamento nas redes

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Câmara dos Deputados. Foto: Agência Câmara/Luis Macedo

Por Levy Teles

BRASÍLIA – Com apenas um ano e quatro meses de atividades, a atual legislatura da Câmara dos Deputados já registrou mais de uma dezena de incidentes de brigas – físicas e verbais – entre parlamentares durante o exercício da atividade política. Essas ocorrências têm, em comum, a polarização entre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, celulares ligados no modo de gravação (sejam dos próprios congressistas ou de seus assessores) e a impunidade.

Responsáveis por avaliar a punição dos colegas por quebra de decoro, os deputados integrantes do Conselho de Ética julgaram 29 representações entre 2023 e 2024 e arquivaram todos os casos, aplicando a pena máxima de censura verbal ou escrita aos deputados infratores. Essa improdutividade levou o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a criar a suspensão cautelar como novo método de punição.

A suspensão cautelar proposta por Lira e aprovada pela Câmara na última quarta-feira, 12, dá à Mesa Diretora o poder de sugerir a suspensão do mandato de deputados brigões em até seis meses, com prazos curtos para o julgamento.

Seguindo o rito deste novo recurso, o Conselho de Ética será responsável por julgar a decisão da Mesa em até três dias após a comunicação, com a possibilidade de recurso no plenário, que apreciará o caso na sessão imediatamente subsequente. São necessários 257 votos para manter a decisão da Mesa, que é composta pelo próprio Lira, os dois vice-presidentes e os quatro secretários.

O presidente do colegiado, Leur Lomanto Júnior (União), diz que o Parlamento vive um “grave momento” frente ao grande número de brigas.

“A que ponto estamos chegando, parlamentares se digladiando em comissões. Vai chegar ao ponto que, daqui a pouco, pode acontecer um crime, alguém atirar em algum parlamentar”, afirma. Leur completa que a ineficiência ocorre em razão dos acordos entre os partidos feitos nos bastidores. “Não adianta uma representação chegar e depois haver reuniões entre partidos A, B e C para fazer acordo político e salvar deputado.”

Uma série de acontecimentos que se desdobraram no dia 5 de junho deste ano foram o estopim para a ação de Lira. Durante sessão do Conselho de Ética que arquivou representação contra André Janones (Avante-MG), deputados trocaram ofensas e ameaças em múltiplas oportunidades.

Nesse mesmo dia, em uma também tumultuada sessão na Comissão de Direitos Humanos, a deputada Luiza Erundina, de 89 anos, passou mal enquanto lia relatório e precisou ir ao hospital, onde ficou internada numa Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).

Poucos minutos depois, Delegado Éder Mauro (PL-PA), um dos deputados mais brigões, não aguentou a provocação de um militante de esquerda e partiu para cima dele. O deputado deu um empurrão e um assessor dele deu um tapa na cara do ativista.

Mesmo depois de se envolver na briga, Janones se sentiu empoderado. “Uma dúvida? Continua autorizado? Se sim, digitem: Janones eu autorizo. O pau vai voltar a comer pra cima do gado!”, escreveu o deputado no X (ex-Twitter).

Esse é um assunto que incomodava Lira desde o ano passado. “Não podemos mais continuar assistindo aos embates quase físicos que vêm ocorrendo na Casa e que desvirtuam o ambiente parlamentar”, comentou o presidente da Câmara nesta terça-feira, 13.

Logo no começo do ano, ele fez uma reprimenda pública ao mau comportamento dos parlamentares, dizendo que xingamentos e ofensas seriam retirados das notas taquigráficas. Isso não surtiu efeito.

Polarização é o grande motivador de brigas

As brigas quase sempre ocorrem ou em caso de visita de ministros do governo Lula ou em votação de pautas ideológicas caras a petistas ou a bolsonaristas.

Um episódio em abril de 2023, com apenas dois meses de reinício de atividade legislativa, exemplifica o nível das brigas ao longo do ano. Na Comissão de Segurança Pública, o então ministro da Justiça, Flávio Dino, foi prestar esclarecimento a parlamentares bolsonaristas sobre o 8 de Janeiro e uma ida à Favela da Maré, no Rio de Janeiro. A sessão precisou ser interrompida frente ao imenso tumulto entre deputados ao longo de toda a sessão.

Primeiro, Carla Zambelli (PL-SP) foi pega xingando. “Tomar no c…”, disse ela ao reclamar de uma reclamação de um parlamentar governista. Poucos tempo depois, Gilvan da Federal (PL-ES) provocou e ameaçou a deputada constituinte Raquel Cândido, que visitava a Câmara e acompanhava a sessão. Depois, Gilvan chamou Márcio Jerry (PCdoB-MA) para “ir lá fora” para ver se o deputado era “valentão”.

Em outro momento, Lídice da Mata (PSB-BA) se revoltou e começou a reclamar das provocações que recebia de deputados bolsonaristas. No meio dessa confusão, a deputada Júlia Zanatta (PL-SC) acusou Jerry de tê-la importunado sexualmente. Jerry negou ter feito isso.

Em um dos últimos causos dessa mesma sessão, Duarte Júnior (PSB-MA) chamou General Girão (PL-RN) de “velho”, o que fez Girão partir para cima do parlamentar maranhense. “Não me chame de velho”, rebateu, com o dedo em riste.

“Os deputados estavam se peitando. Tive que encerrar a sessão”, comentou Sanderson (PL-RS), então presidente do colegiado, sobre o incidente. Dino saiu e bolsonaristas entoaram o coro de “fujão”, todos com os celulares em mãos, gravando.

Os casos de Zambelli e Zanatta foram ao Conselho de Ética – ambos arquivados. Ninguém foi punido pelo que aconteceu.

Conselho de Ética também é usado de forma banal pelos partidos

Entre 2023 e 2024, o Conselho de Ética aplicou apenas duas punições a parlamentares. Ambas não têm, praticamente, nenhum efeito. Foram punidos Nikolas Ferreira (PL-MG), que recebeu uma censura escrita por botar uma peruca, se identificar como “deputada Nikole” e pregar contra o feminismo, e Abílio Brunini (PL-MT), que recebeu uma censura verbal por tumultuar uma audiência pública movida por petistas em defesa da Palestina.

A censura é uma das cinco possíveis sanções aplicáveis pelo Conselho de Ética a um deputado e não tem nenhum efeito prático no exercício do mandato do parlamentar. Além disso, o colegiado pode suspender as prerrogativas parlamentares em até seis meses, suspender o mandato do deputado em até seis meses ou cassar o mandato.

Até o momento, o Conselho já recebeu 34 representações, votou pelo arquivamento de 29, o partido autor retirou o pedido em duas oportunidades e o presidente indeferiu outra ação. Restam avaliar dois outros casos.

O problema é que a discussão no colegiado foi também contaminada pela polarização, praticamente dominada pelo PL, autor de 19 requerimentos, e pelo PSOL, autor de sete.

Em alguns casos, a discussão foi banalizada. O PT chegou a fazer uma representação contra o deputado José Medeiros (PL-MT) por pisar no pé do parlamentar Miguel Ângelo (PT-MG). Medeiros alegou que a pisada foi sem querer. O PL, por sua vez, protocolou um documento contra Glauber Braga (PSOL-RJ) por ele ter insinuado que Jair Bolsonaro trouxe joias sauditas a seu filho, Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

“O que a gente tem observado é que há uma polarização política exacerbada e que muitas vezes partidos A e B utilizam o Conselho de Ética para sustentar essa guerra política aqui dentro”, disse Leur, presidente da Comissão, em agosto de 2023.

O vale-tudo prosseguiu nos meses seguintes pela Câmara. Outros casos, como o tapa na cara dado por Washington Quaquá (PT-RJ) em Messias Donato (Republicanos-ES), sequer foram parar no Conselho de Ética.

Estadão selecionou 10 incidentes de brigas entre deputados ao longo de 2023 e 2024. Além do tapa, houve casos de chute, empurrão, ofensas e ameaças. Em todos incidentes é possível ter a certeza de que algum celular gravou o caso e que foi parar na rede social de algum deputado.

Para a cientista política Maria Carolina Lopes, especialista em Accountability e Política Digital, os parlamentares sabem que a briga e a virulência geram visibilidade nas redes. “Como acontece com qualquer humano, basta uma experiência de viralização para que o deputado entenda que é preciso subir mais e mais o tom para alcançar mais engajamento e visibilidade. Ele e sua equipe podem entender que os custos de estar em conflito são mais baixos do que o que se pode ganhar em audiência.”

Ela, que pesquisa accountability nas redes pelos deputados, nota que há, inclusive, uma mudança na rotina de trabalho dos assessores parlamentares ao longo dos últimos anos. “Usando a metáfora da guerra pela atenção, o celular virou a arma dessa disputa”, diz. “Percebo que os fotógrafos vêm sendo substituídos por ‘abelhas’ (assessores que filmam tudo) e essas ‘abelhas’ vão passando por um processo de treinamento muito complexo.”

Esse processo passa por uma filtragem do que se deve ou não filmar. “Elogios devem ser filmados; reuniões importantes, não. Xingamentos, brigas, momentos de tensão devem ser filmados; conversas de corredor, não necessariamente”, conclui Maria Carolina.

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