Covid: 3 certezas e 3 dúvidas sobre o futuro das vacinas, segundo cientista brasileira de Oxford

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Vacina da Oxford/AstraZeneca. Foto: ANSA / Ansa - Brasil

Só nos Estados Unidos até novembro de 2021, a vacinação contra a covid-19 salvou 1,1 milhão de vidas, evitou 10 milhões de hospitalizações e preveniu 35 milhões de infecções pelo coronavírus.

Foi com esse dado, recém-divulgado pelo Fundo Commonwealth, que a médica brasileira Sue Ann Costa Clemens iniciou sua apresentação por videoconferência durante o Congresso Brasileiro de Infectologia, realizado entre os dias 14 e 17 de dezembro em Goiânia.

A especialista analisou, durante cerca de uma hora, o progresso obtido nos últimos meses com as vacinas contra a covid-19 e quais são as perspectivas futuras nessa área.

“Em poucos meses, conseguimos realizar treinamentos de profissionais, criar toda uma infraestrutura, acelerar a transferência de tecnologias e aprimorar os caminhos regulatórios de novos produtos. Que consigamos manter esses aprendizados para os próximos anos”, disse.

Diretora e uma das fundadoras do Programa de Mestrado em Vacinologia da Universidade de Siena, na Itália, Clemens também é professora de Saúde Global na Universidade de Oxford, no Reino Unido, e atua no Departamento Clínico e de Relações Internacionais do Instituto Carlos Chagas, no Rio de Janeiro.

A médica ainda é conselheira sênior de desenvolvimento de vacinas da Fundação Bill e Melinda Gates e esteve envolvida diretamente na criação de imunizantes contra o rotavírus e o HPV.

Durante a atual pandemia, ela atua como diretora do Grupo de Vacinas Oxford-Brasil e foi uma das coordenadoras dos testes clínicos que comprovaram a eficácia e a segurança da vacina de AstraZeneca/Universidade de Oxford. Parte desses estudos foram, inclusive, realizados no nosso país.

Segundo a análise da especialista durante o evento, a vacinação contra a covid trouxe uma série de aprendizados e legados, como a criação de centros de pesquisa clínica em várias partes do mundo e os conhecimentos sobre a combinação de diferentes tecnologias, mas ainda restam muitos desafios pela frente — como a necessidade de ampliar a produção de doses e proteger toda a população mundial.

Como chegamos até aqui?

Clemens começou sua palestra lembrando de duas crises globais de saúde recentes: a pandemia de H1N1, em 2009, e a epidemia de ebola, que acometeu alguns países africanos a partir de 2014.

“Nesses dois casos, surgiram esforços para criar vacinas, mas os produtos chegaram um pouco tarde ou enfrentaram problemas na fase de produção e regulação”, analisou.

“Mas, quando pensamos particularmente no ebola em 2014, vemos que esse episódio ajudou a conscientizar o mundo sobre a necessidade de investir em tecnologia e inovação para evitar epidemias e pandemias”, destacou.

Como exemplo dessa maior preocupação sanitária, a médica citou duas ações globais que ocorreram nos últimos anos. Primeiro, a publicação da lista de doenças prioritárias da Organização Mundial da Saúde (OMS) a partir de 2015.

Esse documento, atualizado de tempos em tempos, permitiu um foco maior nos agentes infecciosos mais preocupantes, para os quais devem ser pesquisados métodos de prevenção e tratamento.

O segundo passo fundamental foi a criação em 2017 do Centro de Preparo e Inovações para Epidemias (Cepi, na sigla em inglês).

“A partir daí, tivemos uma maior conscientização de governos e instituições de que precisávamos acelerar o desenvolvimento de vacinas para patógenos com potencial epidêmico”, contextualizou a especialista.

Ebola sinalizou ao mundo de que algo precisava ser feito para lidar com futuras epidemias e pandemias, avalia Clemens
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Clemens também lembrou que uma das grandes barreiras na hora de pesquisar novos imunizantes é a dificuldade em fazer os testes clínicos maiores, que envolvem até dezenas de milhares de voluntários, o investimento de milhões de dólares e uma enorme infraestrutura.

Para responder à pandemia de covid-19 e desenvolver soluções em tempo recorde, foi necessário atacar esse problema.

“Algumas instituições passaram a financiar a organização de centros de pesquisa em várias partes do mundo. Em quatro meses, conseguimos treinar e estabelecer 22 locais para os testes clínicos em sete países da América Latina”, contou.

“E foram esses centros que ajudaram o mundo a validar as vacinas e passar a produzir as doses que foram usadas nos últimos meses”, completou Clemens.

A médica destacou que, no caso da vacina da AstraZeneca, o processo de negociação para trazer a pesquisa clínica para o Brasil começou em abril de 2020. Os testes se iniciaram em meados de julho daquele ano e, em novembro, a eficácia e a segurança do produto estava comprovada.

“Em cerca de oito meses, conseguimos validar um imunizante que viria a se tornar um dos maiores fornecedores do Covax Facility [instrumento internacional de compra e distribuição de doses para os países mais pobres]”, disse.

As três certezas

Lançar e manter uma campanha mundial de vacinação contra uma doença nova, que mata milhares todos os dias, foi um imenso desafio.

E Clemens aponta que todo esse processo, que continua em andamento, trouxe uma série de aprendizados e exigiu adaptações no meio do caminho.

Um primeiro fato que a médica citou foram as ampliações do tempo de intervalo entre as duas doses e os esquemas heterólogos (em que um indivíduo toma AstraZeneca e depois Pfizer, por exemplo).

“Quando desenvolvemos vacinas, não basta provar a eficácia. Precisamos acompanhar a persistência de anticorpos, a efetividade das doses e eventualmente até realizar adaptações na campanha”, contou.

“Aumentar o intervalo entre a primeira e a segunda dose, por exemplo, foi muito importante, pois conseguimos vacinar mais pessoas num momento de escassez.”

O Brasil mesmo se utilizou desta estratégia na virada do primeiro para o segundo semestre deste ano: as duas doses de Pfizer ou de AstraZeneca chegaram a ser aplicadas com quase três meses de intervalo. Desse modo, foi possível resguardar rapidamente, mesmo que de forma parcial, uma grande parcela da população adulta.

Um segundo aspecto que virou uma certeza nos últimos meses foi a necessidade de doses de reforço.

Os primeiros contemplados com uma terceira vacina foram os idosos e os indivíduos com o sistema imune comprometido, mas a chegada de novas variantes (caso de Delta e Ômicron) acelerou a necessidade de garantir uma proteção extra de praticamente todos os grupos.

“A efetividade das duas doses de vacina contra a ômicron é mais baixa, fica na casa dos 40%. Uma terceira dose aumenta essa taxa para 70% ou 80%. Então, se houver possibilidade de dar o reforço, é o melhor a ser feito”, analisou Clemens.

Distribuição desigual das vacinas contra a covid-19 pelo mundo é um dos principais gatilhos para o surgimento de novas variantes
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Atualmente, no Brasil, a terceira dose é garantida a todas as pessoas com mais de 18 anos. De acordo com os últimos anúncios do Ministério da Saúde, esse reforço deve ser dado quatro meses depois da imunização primária completa (com duas doses, no caso de quem tomou CoronaVac, Pfizer e AstraZeneca, ou com uma dose, no caso de quem recebeu Janssen).

A última certeza da lista tem a ver com a desigualdade na distribuição de vacinas pelo planeta.

“Esses dias eu estava fazendo entrevistas para um projeto com candidatos que são da Eritreia, na África, e eles me disseram que a vacinação contra a covid-19 praticamente não começou por lá”, contou.

“Enquanto não vacinarmos todo mundo, continuaremos como um celeiro de novas variantes. Foi justamente isso o que a gente acabou de ver com o surgimento da ômicron”, alertou a pesquisadora.

As três dúvidas

Por mais que a ciência tenha encontrado muitas respostas em tempo recorde para lidar com a pandemia, existem algumas dúvidas importantes sobre o futuro da vacinação contra a covid-19.

Na visão da cientista brasileira, a primeira e a segunda perguntas dessa lista estão relacionadas ao tempo de proteção das vacinas e se será necessário realizar campanhas anuais de imunização, a exemplo do que acontece com a gripe.

“A gente ainda precisa entender a dinâmica das variantes, se alguma delas vai se tornar a dominante e como esse cenário vai se modificar daqui pra frente”, avaliou.

“É possível que nós tenhamos uma vacinação anual para algumas faixas etárias, mas não para todas. Daí resta saber se precisaremos adaptar as doses e quanto tempo isso levaria”, complementou.

E essas incertezas todas são fruto da falta de tempo suficiente para medir quanto dura a imunidade após a vacinação, ou como interagem as células de defesa e os anticorpos para nos proteger da infecção pelo coronavírus (ou de suas formas mais graves) depois de meses ou anos.

Terceira dose já está indicada no Brasil para toda a população com mais de 18 anos
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“Estamos estudando cada plataforma vacinal, quanto tempo dura a proteção, qual é a persistência de anticorpos ao longo do tempo…”, listou Clemens.

Para fechar, a última dúvida pode representar até uma esperança: será que é possível utilizar apenas meia dose de vacina como reforço?

Clemens explicou que os estudos nessa área estão em andamento. Caso as respostas sejam positivas, essa poderá ser uma das melhores notícias dos próximos meses.

“Com meia dose, podemos vacinar um maior número de pessoas muito mais rápido”, projetou a médica.

“Isso ampliaria a nossa capacidade num momento em que há escassez de infraestrutura, material e mão de obra”, emendou.

“Estamos correndo atrás para aumentar a produção e vacinar o mundo, especialmente a África, com muito mais rapidez”, finalizou.

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