Decreto pede suspensão de ato de Bolsonaro que transforma garimpo em ‘mineração artesanal’
BRASÍLIA – Um dia após ser publicado pelo presidente Jair Bolsonaro, o decreto que prevê um programa de incentivo ao garimpo na região amazônica já foi alvo de questionamentos no Congresso Nacional. Por meio de um projeto de decreto legislativo protocolado nesta terça-feira, 15, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), acompanhado de todos os demais membros do partido, pediu a suspensão do ato de Bolsonaro.
Segundo Lopes, que é líder da bancada petista, o decreto presidencial institui uma série de medidas que, na prática, “poderão representar um aumento nas atividades potencialmente danosas de garimpagem na região” amazônica, com incentivo à mineração predatória e invasão de áreas protegidas.
“O decreto simplesmente muda o nome de ‘garimpo’ para ‘mineração artesanal’ e consolida a política do governo Bolsonaro no avanço da mineração predatória sobre áreas até o momento protegidas. Trata-se de um sinal verde definitivo para os garimpeiros que atuam na extração de ouro em regiões da Amazônia até então intactas, criando fundamentos programáticos para que sejam feitas mudanças no rito administrativo obrigatório dos processos de licenciamento minerário e ambiental, em flagrante contraste com a legislação”, afirma o parlamentar, em sua justificativa.
Conforme informações publicadas no Diário Oficial, o decreto assinado por Bolsonaro tem o objetivo de “propor políticas públicas e estimular o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala”, para estimular o “desenvolvimento sustentável regional e nacional”.
O decreto deixa claro que a mineração artesanal e em pequena escala diz respeito às atividades de “extração de substâncias minerais garimpáveis”. Paralelamente, foi criada a Comissão Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Comape), que vai definir a atuação dos órgãos da administração pública federal para executar o programa.
Essa comissão será composta por membros do Ministério de Minas e Energia, que a coordenará, e da Casa Civil da Presidência da República, além dos ministérios de Cidadania, Justiça, Meio Ambiente e Saúde. Pelo decreto, poderão ser convidados representantes de entidades públicas ou de outras instituições para participar das reuniões, mas sem direito a voto nas decisões.
“Fica evidente que o decreto assinado pelo presidente Bolsonaro representa mais um ataque ao meio ambiente, prioriza incentivos à extração ilegal de minérios em áreas protegidas e deve aprofundar as condições análogas à escravidão vivenciadas por garimpeiros na região, pois é notório que, sem incentivos para permanecer na agricultura, integrantes pobres de comunidades ribeirinhas abandonam o roçado para se dedicar ao garimpo, que oferece alta e rápida lucratividade, enquanto produz graves danos socioambientais e acentua a histórica desigualdade social na região”, afirma o deputado Reginaldo Lopes.
Desde sua pré-campanha em 2018, Bolsonaro defende a atuação de garimpeiros no País e critica o trabalho de fiscais ambientais, quando há apreensão e destruição de máquinas utilizadas por atividades criminosas. “Não é justo, hoje, querer criminalizar o garimpeiro no Brasil. Não é porque meu pai garimpou por um tempo. Nada a ver. Mas, no Brasil, é muito bacana o pessoal de paletó e gravata dar palpite em tudo que acontece no campo”, disse Bolsonaro, em maio do ano passado, em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada.
Um segundo decreto publicado pelo governo, também nesta segunda, determina que a ANM estabeleça “critérios simplificados” para liberação de novas outorgas garimpeiras, “principalmente no caso de empreendimentos de pequeno porte ou de aproveitamento das substâncias minerais”.
Pelo texto, a efetivação do registro de licenciamento de exploração entregue à agência terá de ser realizada em até 60 dias, contados da data de apresentação da licença ambiental do projeto de mineração. Encerrado o prazo sem que a ANM tenha se manifestado, o solicitante terá seu pedido validado automaticamente.
O Instituto Escolhas, associação civil especializada em estudos e análises sobre sustentabilidade, afirma que os dois decretos fragilizam ainda mais o quase inexistente controle na cadeia do garimpo. “Em vez de estabelecer critérios mais rígidos para os controles e fiscalização, que são necessários por parte do governo federal, estimulam a atividade que hoje é uma das principais ameaças à floresta amazônica e seus povos”, afirma a organização.
Segundo o estudo “Raio X do Ouro: mais de 200 toneladas podem ser ilegais”, lançado na semana passada, o Brasil comercializou 229 toneladas de ouro com indícios de ilegalidade, quase metade da produção nacional. A maior parte desse volume saiu da Amazônia.
O Greenpeace declarou que a criação deste programa de apoio, assim como o decreto que dificulta a penalização de pequenos garimpeiros, são formas do governo Bolsonaro legalizar o garimpo que já ocorre em áreas reservadas, colocando em risco o meio ambiente e as populações ribeirinhas.
Para Danicley Aguiar, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, ambos os decretos são medidas do governo para continuar explorando a Amazônia sem responsabilidade ambiental. “Desde o início do seu governo, Bolsonaro prometeu medidas que fragilizam as leis de proteção ambiental. Estes decretos são mais um exemplo disso ao estimular a existência e as práticas de garimpo ilegal em áreas protegidas. Isso tudo terá um efeito devastador no vale tudo que virou a epidemia de garimpo na Amazônia.”