Desembargador de SP negociou venda de sentença em missa de 7º dia, diz PF

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Ivo de Almeida durante sessão de posse como desembargador no TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), em 2013 - TJ-SP/Divulgação

O desembargador Ivo de Almeida, 66, afastado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) sob suspeita de venda de sentenças, teria negociado uma decisão favorável a um réu durante uma missa de sétimo dia. É o que aponta a representação da PGR (Procuradoria-Geral da Justiça) com base nas investigações da Polícia Federal.

A negociação na igreja ocorreu em um dos quatro casos investigados, conforme mostram os diálogos de WhatsApp interceptados pela Polícia Federal.

A operação foi batizada de Churrascada, que remete ao termo “churrasco”, usado pelos investigados como código para indicar o dia do plantão de Almeida, lotado na 1ª Câmara Criminal.

A reportagem procurou o advogado de defesa de Almeida, Alamiro Velludo Salvador Netto, na quinta-feira (27). A secretária do escritório disse que ele estava fora e pediu que o pedido de entrevista fosse enviado por email. Até a publicação deste texto o advogado não havia respondido à solicitação.

Para negociar propina, Almeida contava com dois intermediadores, Valmi Lacerda Sampaio e Wilson Vital de Menezes Junior, para negociar com advogados dos criminosos.

Valmi morreu no dia 2 de abril de 2019. Em sua missa de sétimo dia, Wilson e Almeida se encontraram e fecharam os detalhes da cobrança por um habeas corpus em favor de Adomervil Vieira Santana, condenado por roubo e furto a sete anos de reclusão, inicialmente em regime inicial fechado.

A representação da PGR não aponta o valor acertado especificamente. Mas, em mensagens anteriores, Wilson respondeu que “ele [Almeida] está fazendo é entre 100 a 150 [mil reais]”.

O advogado de Adomervil havia pedido alguns dias de prazo para conseguir o dinheiro, porque a família do preso venderia obras de artes.

“Estava com o nosso amigo [Almeida] ontem, falou para você ir mandando aos poucos”, escreveu Wilson no dia seguinte à missa, para o advogado de Adomervil. “Ele veio na missa do meu pai [Valmi] e pediu para te passar isso”, prosseguiu Wilson —que, segundo a PF, se referia a Valmi como pai.

Por fim, ainda de acordo com a PF, a família do preso não conseguiu a quantia, e por isso o habeas corpus fora negado. As partes, segundo a investigação, deixaram aberta a possibilidade de negociações futuras.

Três meses depois, Almeida acatou parte do pedido de apelação de Adomervil e mudou o regime de pena para o semiaberto. A mudança, segundo a PF, contradiz decisões que o desembargador costuma tomar.

A reportagem também não conseguiu contato com Wilson Vital de Menezes Junior. Ligações feitas para o número de telefone que consta como dele nos autos caem direto na caixa postal.

A reportagem apurou com juízes que Ivo de Almeida, que entrou para magistratura em 1987, tinha o hábito de fazer plantões.

Seus pares no TJ-P se dizem pasmos com as investigações e defendem que, neste momento, é preciso concedê-lo o benefício da dúvida.

Entre os casos suspeitos, o que mais deixa os magistrados perplexos é a cobrança de propina de R$ 1 milhão para beneficiar Romilton Queiroz Hosi, narcotraficante e homem de confiança de Fernandinho Beira-Mar, líder da facção Comando Vermelho.

O relatório da PGR aponta que, neste caso, Almeida teria dito, segundo um intermediário, que precisaria da ajuda de mais um magistrado.

Hosi é conhecido por policiais e juízes pelo menos desde o começo dos anos 2000. Acusado pelos crimes de associação para o tráfico, tráfico de drogas, uso de documento falso e porte ilegal de arma de fogo, ele deveria cumprir 39 anos e quatro meses de prisão.

Preso em 2002 com 449 kg de cocaína, Hosi fugiu após corromper policiais. Ele só foi detido novamente em 2019. No ano seguinte, o advogado de Hosi procurou por Wilson.

“Ivo de Almeida teria analisado a situação processual de Romilton e constatado que se tratava de caso delicado, que demandaria cuidado do julgador para manipulação da decisão”, escreveu a PGR.

“Inclusive, estaria o desembargador empenhado em corromper mais um membro da Câmara. Luiz [advogado de Hosi] revela que o valor disponível para propina, no caso, é de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)”, consta no documento.

As negociações avançaram, e os defensores de Hosi ficaram de enviar uma inicial do habeas corpus para Almeida. O texto seguiu em PDF.

O advogado de Hiso, então, diz que foi buscar o montante de R$ 1 milhão no Paraguai e avisa, pelo WhatsApp, que “a mala tá pronta”.

Com a dificuldade de Almeida para obter ajuda de outro magistrado, o dinheiro não chegou a ser pago, ainda segundo a PGR.

“A partir das conversas se extrai que, ao desembargador Ivo de Almeida, por meio de Wilson Vital de Menezes Junior, foi oferecida a importância de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Afirma-se categoricamente que o desembargador aceitou a proposta de ‘venda de decisão judicial’, mas houve dificuldades, pelas peculiaridades do caso concreto, em convencer os demais membros da Câmara a participar da corrupção”, diz a Procuradoria.

RACHADINHA

A investigação também aponta para suspeita de prática de rachadinha no gabinete de Almeida, com a quebra do sigilo bancário. O magistrado teria recebido, por meio de depósitos em dinheiro, o valor de R$ 641 mil entre fevereiro de 2016 e setembro de 2022.

As datas dos depósitos, segundo os investigadores, coincidem com os dias de vencimento dos cartões de crédito do desembargador.

“Indicaram-se dezenas de transferências mensais realizadas por servidores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para a conta do desembargador Ivo de Almeida”, narrou a PGR.

Deflagrada a operação, o ministro Og Fernandes, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), afastou Ivo de Almeida por um ano. A PF pediu a prisão preventiva do desembargador, mas a PGR se opôs à solicitação.

A Corregedoria Nacional de Justiça também instaurou Reclamação Disciplinar (RD) contra o desembargador.

 

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