Disputa entre ex-CEO do Google e amante já dura 10 anos e tem milhões em jogo

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Ilustração com Eric Schmidt (esq.) e Marcy Simon - Joan Wong/The New York Times

Quando Eric Schmidt era CEO do Google em meados dos anos 2000, ele se relacionou com Marcy Simon, uma executiva de relações públicas baseada em Nova York. Ambos eram casados com outras pessoas na época.

Schmidt e Simon foram vistos juntos na Riviera Francesa, em conferências de tecnologia e em Fire Island, em Nova York, onde ela tinha uma casa de praia. Quando um grande anel de diamante amarelo foi visto no dedo de Simon, alguns especularam na mídia que Schmidt poderia se divorciar de sua esposa e se casar com Simon.

Mas Schmidt seguiu em frente com outras namoradas. Embora ele e Simon tenham retomado o relacionamento no final dos anos 2000 e no início dos anos 2010, decidiram seguir caminhos diferentes em 2014, segundo pessoas com conhecimento do caso.

Para bilionários, e as pessoas que os amam, terminar um relacionamento pode ser um pouco como desfazer uma fusão corporativa que deu errado.

O fim do caso de Schmidt levou uma década —até agora. Houve contratos, contratos revisados, arbitragens, processos judiciais e o pelotão de consultores que inevitavelmente acompanha tudo isso.

Durante seus anos liderando o Google, Schmidt era conhecido como um sábio conservador que orientou os jovens fundadores da empresa, Larry Page e Sergey Brin, e impulsionou a empresa a grandes alturas.

Desde que deixou o conselho da controladora do Google, em 2019, ele cultivou ainda mais essa imagem, transformando seu patrimônio líquido de cerca de US$ 35 bilhões em um fator de influência, aconselhando o governo dos EUA sobre defesa e política de inteligência artificial e deixando sua marca com iniciativas impactantes no mundo da filantropia.

No entanto, ao longo da última década, sua gestão de assuntos pessoais tem sido conturbada, às vezes faltando o tipo de disciplina que ele levou para administrar o Google.

Em março, Simon entrou com um caso de arbitragem contra Schmidt na Califórnia, buscando se libertar das cláusulas de confidencialidade de seu acordo de 2014. Mais segredos ameaçam vir à tona.

O New York Times reuniu a história complicada de Schmidt com Simon e Rundell a partir de registros de seis casos separados de litígio e arbitragem, todos públicos. O nome de Schmidt é oculto ou retido em quatro dos casos, mas o Times confirmou sua identidade por meio de pessoas com conhecimento de alguns dos eventos e triangulando informações de registros judiciais.

O ACORDO

Simon, 61 anos, que deixou a empresa de relações públicas Burson-Marsteller e fundou sua própria em 2019, foi uma das várias mulheres com quem Schmidt, hoje com 69, teve casos extraconjugais ao longo dos últimos 20 anos.

Ele permaneceu casado com Wendy Schmidt, sua esposa de 44 anos, embora levem vidas em grande parte separadas.

Eric Schmidt, ex-CEO do Google – Axel Dupeux – 25.out.2021/The New York Times

Eric Schmidt e Simon começaram a aparecer publicamente juntos em meados dos anos 2000. Nenhum deles fez muito esforço para manter o relacionamento em segredo; Simon falava abertamente sobre isso com alguns jornalistas.

Depois de uma pausa de alguns anos, durante a qual Eric Schmidt namorou uma ex-repórter da CNBC, Kate Bohner, ele e Simon voltaram em 2009 e se encontraram esporadicamente por mais alguns anos. No verão de 2014, eles se separaram.

Eric Schmidt pagou certas despesas de Simon por anos, documentadas em vários acordos legais. Ele propôs um novo acordo financeiro para prover Simon e sua família, segundo pessoas com conhecimento das conversas.

Schmidt colocou o consultou Derek Rundell encarregado de elaborar o acordo.

A pedido de Schmidt, Rundell elaborou o acordo confidencial com Simon, que mudou a relação de romântica para transacional. Nos termos do acordo, datado de 19 de setembro de 2014, Simon concordou em se tornar consultora remunerada de uma empresa de Nevada chamada Maple Beach Ventures.

Maple Beach Ventures era essencialmente um pequeno fundo de capital de risco gerenciado por Rundell e financiado por Schmidt. Simon receberia pagamentos por levar ideias de investimento em startups para Rundell. Se Rundell gostasse delas, Schmidt investiria nas startups por meio da Maple Beach Ventures. O acordo incluía confidencialidade, então Simon não poderia divulgar o envolvimento de Schmidt nos investimentos.

Não está claro quanto Schmidt pagou a Simon. Uma cópia do acordo arquivado em tribunal como parte de uma arbitragem mostra que ela tinha direito a uma quantia única e a pagamentos anuais e mensais, mas os números estão censurados. Simon também tinha direito a 20% do lucro que Schmidt obtivesse com qualquer investimento que ela trouxesse.

Na época em que estruturou o acordo com Simon, Rundell também atuou como intermediário na compra de uma fazenda de cavalos no Vale do Hudson, em Nova York, para outra das amantes de Schmidt, Lisa Shields. Por esses e outros serviços, Schmidt pagou a Rundell uma taxa de US$ 47,5 mil por mês até 30 de junho de 2016, de acordo com uma cópia de seu acordo.

Rundell, 53, não respondeu aos pedidos de comentário.

ÂNIMOS EXALTADOS

O acordo com Simon não trouxe paz por muito tempo.

Dentro de meses, Simon e Rundell começaram a discordar. Simon reclamava que Rundell não agia na maioria das ideias de investimento que ela trazia, enquanto Rundell culpava Simon por não realizar uma devida diligência adequada nos investimentos que ela propunha.

Em março de 2015, Simon reclamou a Schmidt que Rundell havia respondido apenas a 9 das 43 oportunidades de investimento que ela havia apresentado a ele e que a Maple Beach Ventures havia investido em apenas 6 delas. Schmidt respondeu que a maioria dos “VCs [investidores de risco] vê 100 ou mais negócios para cada negócio em que investem”.

Ele sugeriu um compromisso: Simon poderia ter uma quantia que investisse a seu critério a cada trimestre, desde que seguisse um rigoroso processo de devida diligência. (A cifra estava censurada.)

Seguindo a sugestão de Schmidt, Rundell enviou a Simon uma proposta com um orçamento de investimento atualizado. Mas Simon recusou porque achou os procedimentos muito onerosos e ressentiu-se que os investimentos ainda teriam que passar por Rundell, de acordo com documentos de arbitragem.

Enquanto Simon e Rundell discutiam, ela voou para a Europa para participar de um evento de networking para empreendedores nos Alpes franceses. Lá, ela conheceu Jen Rubio, que havia acabado de cofundar uma startup de malas chamada Away.

Entre as descidas nas pistas do famoso resort de esqui Méribel, Rubio mencionou que a Away estava levantando dinheiro de familiares e amigos e convidou Simon a participar.

Algumas semanas depois, Simon enviou um email a Rubio dizendo que investiria US$ 25 mil por meio da Maple Beach Ventures. Simon não poderia divulgar o envolvimento de Schmidt sob o acordo de 2014.

Simon organizou uma ligação entre Rubio e Rundell para finalizar o investimento, mas não explicou quem era Rundell, disse uma pessoa a par do assunto. Rubio achou —incorretamente— que a Maple Beach Ventures era a empresa de Simon e que Rundell era um funcionário que trabalhava para ela, disse o interlocutor.

A relação entre Simon e Rundell continuou se deteriorando, com uma complicada discussão sobre um empréstimo de Schmidt à ex-amante para comprar uma casa.

Enquanto a disputa de Simon com Rundell e Schmidt se intensificava, a startup de Rubio estava prosperando. Graças em parte ao marketing inteligente, as elegantes malas da Away estavam se tornando onipresentes nos aeroportos dos EUA. Até o início de 2019, a empresa sediada em Nova York havia vendido mais de 1 milhão de malas.

Naquele maio, um grupo de investidores institucionais liderado pela Wellington Management ofereceu comprar as ações dos primeiros investidores da Away a um prêmio sobre o preço original, em uma oferta pública.

A Away agora estava avaliada em um impressionante US$ 1,4 bilhão, contra US$ 7,2 milhões quatro anos antes. As 266.638 ações que a Maple Beach Ventures havia comprado por US$ 25 mil em 2015 valiam US$ 2,83 milhões.

A Away transmitiu a oferta pública para Simon. Rubio permanecia sob a impressão de que a Maple Beach Ventures era a empresa de Simon e que o investimento inicial de US$ 25 mil havia sido feito com seu dinheiro, disse uma pessoa familiarizada com o assunto.

QUEM É O DONO DAS AÇÕES?

O que aconteceu em seguida está em disputa. Em uma ação movida pela Away no final do ano passado contra Simon, a empresa alegou que ela lucrou com ações que não eram suas. Simon argumentou que as ações eram, de fato, suas.

A raiz da discordância era o acordo de 2014 de Simon com Schmidt. Segundo seus termos, ela tinha direito a 20% do lucro que a Maple Beach Ventures obtivesse de qualquer investimento que ela sugerisse, o que teria sido cerca de US$ 561 mil antes dos impostos para a Away —mas somente se ela ainda estivesse empregada como consultora da empresa quando o investimento fosse vendido.

Como houve uma rescisão em 2018. isso significava que ela não receberia nada.

Isso não agradou a Simon, então ela elaborou um subterfúgio, de acordo com a ação da Away. Em vez de encaminhar a carta de transmissão da oferta pública para Rundell, Simon criou uma nova Maple Beach Ventures em 10 de maio de 2019. Ao contrário da Maple Beach Ventures original, registrada por Rundell em Nevada, Simon incorporou esta em Delaware e se designou como sua única sócia, alegou a Away.

Três semanas depois, Simon assinou a papelada da oferta pública, apresentando a nova Maple Beach Ventures como proprietária das ações, de acordo com a ação da Away.

A Away disse que não percebeu o suposto truque quando recebeu a papelada de Simon. Ela cancelou as ações da Maple Beach Ventures original em seus registros da empresa, as reemitiu para o grupo de investidores que conduzia a oferta pública e transferiu US$ 2,83 milhões para uma conta do Citibank que Simon havia criado em nome da nova Maple Beach Ventures registrada em Delaware.

Rundell e Schmidt, que nunca foram informados sobre a oferta pública da Away, não tinham ideia do que havia acontecido, disseram pessoas familiarizadas com o assunto.

Simon argumentou em documentos judiciais que sempre foi entendido que as ações da Away eram suas, mesmo que estivessem registradas em nome da Maple Beach Ventures. Nos documentos judiciais, ela disse que estava sendo impedida de contar toda a história pelas cláusulas de confidencialidade no acordo de 2014 com Schmidt.

No final de 2019, alguns meses depois de Simon vender as ações da Away, o relacionamento de Schmidt com Rundell começou a desmoronar.

Para fazer Schmidt recuar, Rundell apresentou uma contra-alegação na qual disse que Simon e Shields haviam ameaçado divulgar alegações sensacionalistas sobre a vida privada de Schmidt.

Entre as alegações: que Schmidt usava drogas ilícitas; que ele transmitiu doenças sexualmente transmissíveis a múltiplos parceiros; que ele participava de orgias e de um vídeo sexual; e que ele fazia sexo com prostitutas, de acordo com um documento de arbitragem tornado público em tribunal.

Referindo-se às alegações, Matthew Hiltzik, porta-voz de Schmidt, disse: “Schmidt se recusa a ser intimidado por aqueles que ameaçam coagi-lo ou extorqui-lo.”

Enquanto Schmidt e Rundell lutavam, Simon venceu sua arbitragem por quebra de contrato contra a Maple Beach Ventures original em janeiro de 2021. O árbitro ordenou que a empresa lhe pagasse US$ 461.113, mais juros sobre uma parte, e reafirmou sua participação de 10% em qualquer lucro da Uber.

O rancor entre Schmidt e Rundell continuou escalando. Durante um segundo processo, Schmidt descobriu o que aconteceu com o investimento na Away. Quando um de seus funcionários tentou descobrir o status do investimento, a Away disse que a Maple Beach Ventures não era mais uma investidora porque Simon havia oferecido suas ações na oferta de 2019.

Schmidt ficou furioso. Seus advogados ameaçaram processar a Away se suas ações não fossem restabelecidas.

Em sua ação judicial, a Away disse que foi então que percebeu que a Maple Beach Ventures não era a empresa de Simon. No início de 2023, a Away resolveu a questão com Schmidt pagando a ele US$ 3,5 milhões, incluindo juros.

Em novembro, a Away processou Simon por realizar o que descreveu como um “esquema fraudulento e enganoso”.

Em comunicado, um porta-voz da Away disse que “foi injustamente envolvida nesse assunto, que não nos diz respeito diretamente. Isso levou nossa empresa a incorrer em despesas significativas, que agora estamos buscando recuperar”.

O caso está pendente na Suprema Corte do Estado de Nova York. Simon iniciou separadamente um processo de arbitragem contra Schmidt para se desvincular das cláusulas de confidencialidade de seu acordo de 2014 para se defender melhor.

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