Economista volta ao Chile com projeto de keynesianismo verde

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Stephany Griffith-Jones. Foto: Reprodução

Por LUIZ ANTONIO CINTRA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sobrinha-neta de Kafka, afastada do Chile por Pinochet, autora de trabalhos com o vencedor do Nobel Joseph Stiglitz –a biografia da economista Stephany Griffith-Jones impressiona.

Mas, aos 74 anos, em vez de olhar o passado, ela investe seu esforços no futuro: uma transição keynesiana verde.

No próximo mês, Stephany volta ao Chile para ocupar novamente um posto no Banco Central chileno, de onde saiu nos anos 1970, após a queda de Salvador Allende.

O golpe militar impôs à economista uma espécie de autoexílio. Em 1973, ela passava uma temporada de estudos na Inglaterra, país que lhe daria a sua segunda nacionalidade, residência fixa, formação acadêmica e família.

“Fiquei para um doutorado Pinochet, um doutorado à força”, afirma à Folha, em entrevista por videoconferência de sua casa em Brighton, na costa sul da Inglaterra. O tom tem uma certa ironia, herdada talvez dos Kafka.

Agora, será conselheira da instituição, indicada pelo presidente Gabriel Boric e pelo ex-presidente Piñera.

“O governo Boric dará muita prioridade aos investimentos verdes. E um dos mecanismos será expandir o banco público já existente, o Corfo, que foi grande no passado no financiamento da industrialização do Chile. Hoje funciona bem, mas é pequeno. E também se cogita criar outro banco de desenvolvimento de atuação mais ampla”, afirma.

Para a economista, a estratégia do Chile pretende tirar proveito dos recursos naturais existentes no país. Cita o caso do lítio e a possibilidade de produzir hidrogênio a partir de energia solar ou eólica, o chamado hidrogênio verde, além do tradicional cobre, também com métodos menos nocivos ao meio ambiente.

Como conselheira do BC chileno, terá de lidar com a alta generalizada dos preços, a qual atribui em boa medida às estratégias nacionais de injeção de muitos recursos financeiros, com destaque para a ação que considerou excessiva do governo chileno anterior, para se contrapor à desaceleração econômica. Situação acentuada pelo impacto da guerra Rússia-Ucrânia sobre o preço do petróleo e cereais.

“Trata-se de um coquetel muito complicado, e há um pouco de risco aí. Teremos em 2022 mais inflação e menos crescimento no mundo que antes. Os dilemas para quem conduz as políticas econômicas são muito difíceis. Frear a inflação pode ter efeitos negativos, ao menos no curto prazo, sobre o crescimento, ainda que seja benéfico para o crescimento no médio prazo. E as políticas em prol do crescimento poderão estimular a inflação. A situação é de fato muito complexa”, avalia.

“O mais importante agora é centrarmos atenção na transição verde, um grande desafio à humanidade. É importante para salvar o planeta, mas também para gerar novas oportunidades de trabalho e aumento da produtividade. Com a transição, será possível gerar muitas inovações, muitos investimentos e muitos empregos”, diz Stephany.

A volta da economista ao Chile acontece após ter o nome aprovado pelo Senado chileno, por unanimidade, para ser conselheira do banco central do país, em março passado.

Com isso, selará a relação política com Boric, construída em meio a inúmeras reuniões online, o que a colocava em pé de igualdade frente aos demais, já que todos falavam de suas respectivas casas por causa da Covid.

“Agora passarei a viver em Santiago porque as reuniões do Banco Central precisam ser presenciais, inclusive por questões de segurança. Além disso, será muito bom viver no Chile”, diz ela, parecendo um tanto insegura com as regras institucionais impostas pela nova função.

Durante a campanha, Stephany teve em alguns momentos o papel de apresentar as ideias de Boric para dialogar com a mídia nacional e internacional.

Uma carta escrita pela economista e publicada no Financial Times, em novembro de 2021, teve repercussão ao criticar reportagem do jornal inglês de dias antes.

Ela considerou um equívoco contrapor o candidato da esquerda chilena e o da extrema-direita, José Antonio Kast, 55, como se ambos ocupassem o mesmo grau de “extremismo”, um à esquerda e o outro à direita.

“O Financial Times havia escrito que as alternativas no Chile eram dois extremos. Eu disse [na carta] não, isso não é verdade, isso é metade da verdade, porque Kast é de fato muito extremado, porém não Boric, que é da esquerda social-democrata ao estilo europeu ou, se preferir, da esquerda democrata norte-americana. E a carta teve bastante impacto no Chile”, comenta.

Ela acredita que o crescimento da extrema-direita tem relação em parte com o “efeito-bolha” potencializado pelas redes sociais, mas considera que a esquerda também tem uma parcela de responsabilidade.

“Como diz um colega da Universidade Columbia, trata-se também um pouco de falha da centro-esquerda, que deveríamos ter sido mais assertivos na criação de uma plataforma mais progressista, mais igualitária, mais inspiradora”, diz Stephany.

“Em certa medida, foi isso que aconteceu agora na campanha de Boric, que encantou toda a gente, sobretudo os jovens. Trata-se de oferecer uma alternativa de esquerda mais renovada, mais verde e certamente mais feminista, tratando de ser mais próxima das pessoas”, avalia a economista.

Coautora com Stiglitz e José Antonio Ocampo do livro “Time for a Visible Hand” (tempo para uma mão visível, em tradução livre), ela já vem advogando pela criação de instrumentos financeiros internacionais de viés keynesiano, com a melhoria da regulação, desde a crise financeira dos subprimes de 2008.

A estratégia de criar instituições que atuem de forma contracíclica, como previstas pelo economista inglês John Maynard Keynes, ocupará uma posição-chave no governo Boric, diz Stephany.

Assim, ela leva ao Chile projeto que já vem construindo internacionalmente. No ano passado, Stephany participou da discussão nos EUA em torno do pacote proposto pelo presidente americano, Joe Biden, que incluía a criação de um banco de desenvolvimento verde.

“Organizamos um painel do mais alto nível para debater o tema com senadores norte-americanos e pessoas ligadas aos bancos de desenvolvimento europeus, mas infelizmente o projeto não foi aprovado até este momento no Congresso dos EUA”, diz.

Sua relação com Stiglitz vem do período em que dedicou-se ao think tank Iniciative for Police Dialogue, da Universidade Columbia, em Nova York, onde trabalhou com o vencedor do Nobel de Economia e Ocampo.

Stiglitz também foi chefe do Conselho Econômico de Bill Clinton e economista-chefe do Banco Mundial. Ocampo foi ministro da Fazenda e da Agricultura da Colômbia, tendo ocupado vários cargos de destaque na ONU (Organização das Nações Unidas).

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