Efeito Padre Zé: venezuelanos que vivem em abrigos em João Pessoa cobram melhor assistência após afastamento de padre Egídio

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Prédio do abrigo do Centro entregue aos Warao em 2022, em João pessoa. — Foto: Ação Social Arquidiocesana

Líderes índigenas venezuelanos, da etnia warao, estão cobrando uma melhor assistência nos abrigos em que vivem, em João Pessoa. Os refugiados eram atendidos por um convênio da Ação Social Arquidiocesana (ASA), que era comandada pelo padre Egídio de Carvalho. O religioso foi preso no dia 17 de novembro, suspeito de desvio de verbas do Hospital Padre Zé, onde também era responsável, e da ASA na ordem de até R$ 140 milhões. Os venezuelanos afirmam que não estão tendo acesso, por exemplo, a materiais de higiene e limpeza.

A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano (SEDH) do estado da Paraíba assumiu o auxílio aos venezuelanos de forma direta. De acordo com com Ramón Gómez Quinonez, líder do abrigo do Centro e intermediador cultural, a alimentação chega toda terça-feira assim como era realizado pela ASA, mas o material de limpeza e higiene deixou de ser entregue. E ele afirma que alguns alimentos são insuficientes.

“Quando estava sob responsabilidade da ASA era entregue alimentação, fralda, leite para as crianças, material de limpeza e de higiene. Depois do fim do convênio, agora quem está administrando é o governo e não estão trazendo fralda, higiene, limpeza. Frango e peixe não são suficientes para uma semana”, afirmou.

Ramón também informou que não é uma realidade enfrentada apenas pelo abrigo do Centro, mas também por outros abrigos.

O cacique Abel Rattia Quinonez, líder de um dos abrigos localizado em Jaguaribe, reforçou que gás, fralda, materiais de limpeza e leite pararam de ser entregues no local.

O último convênio entre a Asa e a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Humano (SEDH-PB) foi celebrado em junho de 2023, no valor de R$ 1,5 milhão. A Asa se responsabilizava em atender 400 venezuelanos da etnia warao, com três refeições diárias, medicamentos e materiais de limpeza.

De acordo com o Gaeco, mais de R$ 2,4 milhões de recursos apenas de projetos sociais que atendiam indígenas venezuelanos e pessoas em situação de rua foram desviados pelo padre. Os pagamentos eram feitos aos fornecedores do Hospital Padre Zé e da Ação Social Arquidiocesana, que posteriormente devolviam parte do dinheiro ao religioso em forma de propinas.

Valores de 'devoluções' anotados em caderno de ex-tesoureira do Hospital Padre Zé — Foto: Gaeco/Reprodução
Valores de ‘devoluções’ anotados em caderno de ex-tesoureira do Hospital Padre Zé — Foto: Gaeco/Reprodução

Após afastamento do padre Egídio de Carvalho, a Ação Social Arquidiocesana pediu o fim do convênio por falta de recursos para prestar continuar com a manutenção do serviço.

O que diz a SEDH?

Após saída da ASA, a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano assumiu o fornecimento dos insumos aos indígenas warao presentes nos abrigos. Mesmo tendo pago anteriormente R$ 1,5 milhão em um convênio que teria vigência até o fim do ano, uma empresa foi contratada de maneira emergencial para fornecimento de alimentos até dezembro de 2023. Esse contrato teve um custo de R$ 338, 8 mil.

“Fornecendo toda alimentação regularmente, observando a dieta consumida pelos indígenas venezuelanos e atendendo as demandas específicas relacionadas à alimentação. A entrega dos alimentos se encontra nos mesmos moldes anteriormente estabelecidos, de forma perene e continuada, não ocorrendo qualquer alteração nos quantitativos, muito menos na qualidade dos alimentos fornecidos”, afirmou a assessoria de comunicação da SEDH através de nota.

A secretaria, no entanto, reconheceu problema em relação aos itens de higiene e limpeza. Segundo a SEDH, um processo de aquisição dos materiais se encontra em andamento e a entrega deve voltar a ocorrer nos próximos dias.

A SEDH também anunciou que irá abrir um chamamento público para instituições que possuam interesse em administrar a política de abrigamento dos indígenas Warao.

Medida emergencial

Entrega do prédio e materiais de limpeza aos warao no Centro de João pessoa. — Foto: Ação Social Arquidiocesana
Entrega do prédio e materiais de limpeza aos warao no Centro de João pessoa. — Foto: Ação Social Arquidiocesana

A crise econômica e política na Venezuela provocou o deslocamento de indígenas e não indígenas venezuelanos pela fronteira em Roraima, entre eles indígenas do povo warao, que ao entrarem no Brasil e encontrarem a superlotação em Boa Vista, foram para outras regiões em busca de melhores condições de vida.

Em João Pessoa, atualmente, existem 12 casas para abrigar os warao. Uma medida emergencial para o cuidado com essas pessoas.

Locais dos abrigos em João Pessoa

  • Casa 1: Jaguaribe
  • Casa 2: Treze de Maio
  • Casa 3: Jaguaribe
  • Casa 4: Ernani Sátiro
  • Casa 5 e 6: Jaguaribe
  • Casa 7 e 8: Centro
  • Casa 9, 10, 11 e 12: Baixo Roger

Superlotação, um problema antigo

Em agosto de 2023, os indígenas warao denunciaram vários problemas estruturais nos prédios que servem como abrigo, como infiltrações, janelas caídas, sanitários e pias quebradas, além da superlotação dos locais.

Na época, a ASA e a SEDH informaram que não tinham mais noção de quantos venezuelanos estão nestes locais. O abrigo do Centro, por exemplo, comporta 14 famílias (63 pessoas) e tinha 19 famílias (89 pessoas), ou seja 33 warao a mais da capacidade.

O padre Egídio chegou a culpar os venezuelanos pelos problemas nos locais. ““Eles quebram tudo. Arrancam janelas, arrancam portas, quebram pia e sanitários”, disse o religioso em agosto.

Operação Indignus

Padre Egídio foi preso na manhã desta sexta-feira, 17 de novembro, em João Pessoa, por suspeita de desvios de recursos do Hospital Padre Zé — Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
Padre Egídio foi preso na manhã de sexta-feira, 17 de novembro, em João Pessoa, por suspeita de desvios de recursos do Hospital Padre Zé — Foto: Reprodução/TV Cabo Branco

Padre Egídio de Carvalho, ex-diretor do Hospital Padre Zé, foi preso na segunda fase da Operação Indignus, deflagrada pelo Gaeco do Ministério Público da Paraíba, no dia 17 de novembro. A prisão foi determinada pelo desembargador Ricardo Vital, do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), devido à “possibilidade de ocorrerem novas fraudes”.

A investigação aponta que o padre teria desviado R$ 140 milhões em 10 anos. No esquema, ele teria tido a ajuda da ex-diretora Jannyne Dantas e da ex-tesoureira Amanda Duarte. Ele e Jannyne estão detidos em presídios, enquanto que Amanda está em prisão domiciliar.

A determinação das prisões, do padre e das duas ex-diretoras do hospital, foi do desembargador Ricardo Vital, do Tribunal de Justiça da Paraíba. O pedido inicialmente havia sido negado pelo juiz da 4ª Vara Criminal de João Pessoa, mas o Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) recorreu da decisão. O desembargador elencou a garantia da ordem pública, a conveniência da instrução criminal e o asseguramento da aplicação da lei penal para justificar as prisões.

A defesa do padre entrou com recursos pedindo que ele possa responder em prisão domiciliar. Inicialmente, o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) foi procurado, mas depois o Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi acionado.

O advogado que representa as duas ex-diretoras também entrou com recurso. A alegação é de que os motivos apresentados pelo Gaeco, de que elas poderiam obstruir o trabalho da Justiça, são “frágeis” para justificar a privação de liberdade.

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