Em plano de R$ 300 bi de Lula para indústria, BNDES quer voltar a comprar ações de empresas
por Renato Machado e Marianna Holanda
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou na segunda-feira (22) um programa de estímulo à indústria. O chamado Nova Indústria Brasil recicla ideias antigas de gestões petistas, com forte intervenção estatal.
Estão previstos até 2026 R$ 300 bilhões para o setor, que há décadas patina no Brasil. O governo diz que a maior parte dos recursos virá de financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Uma das marcas do PT foi resgatada com a volta do BNDES “investidor”. Segundo o governo, a instituição, que terá protagonismo no plano, voltará a comprar ações.
Serão R$ 8 bilhões para a aquisição de papéis de companhias nacionais. Nas gestões passadas, a prática petista compunha a política conhecida como de “campeãs nacionais” —que selecionava determinadas empresas para se destacar no cenário internacional e acabou alvo de críticas. O governo nega se tratar do mesmo tipo de iniciativa.
A prática de investimento em ações havia sido abandonada no governo Jair Bolsonaro (PL). Sob o comando de Gustavo Montezano, o BNDES se desfez de ações —da Petrobras, por exemplo, vendeu mais de R$ 22 bilhões em 2020.
O plano de Lula e do vice-presidente Geraldo Alckmin, também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, prevê metas, diretrizes e medidas para os próximos dez anos, como, além da participação acionária, a exigência de conteúdo local.
O presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), chamou o programa de “nova política velha”. Economistas também põem em xeque o plano.
Em meio a críticas, Lula já lançou o plano na defensiva durante reunião do CNDI (Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial), no Palácio do Planalto.
O petista enalteceu o papel do Estado para desenvolver e estimular a indústria, sobretudo em impulsionar as exportações de empresas brasileiras. Foi seguido pelo ministro Rui Costa (Casa Civil) e Aloizio Mercadante, presidente do BNDES.
“Para o Brasil se tornar competitivo, o Brasil tem de financiar algumas coisas que quer exportar. A gente não pode agir como sempre agiu, achando que todo mundo é obrigado a gostar do Brasil, que todo mundo vai comprar do Brasil sem que a gente cumpra com nossas obrigações. Debate a nível de mercado internacional é muito competitivo, é uma guerra”, disse Lula.
O presidente relembrou de uma reunião do G20 em Londres, da qual participou em 2009, quando foi debatido acabar com protecionismo como forma de recuperar a indústria em nível global.
“O que aconteceu quando terminou reunião: o protecionismo aumentou mais do que nunca. Muita gente fala em livre mercado quando é para vender, mas quando é para comprar protege seu mercado como ninguém”, disse.
Do total previsto para financiamento, R$ 106 bilhões já haviam sido anunciados na primeira reunião do CNDI, em julho de 2023. Mais R$ 194 bilhões foram incorporados, provenientes de diferentes fontes de recursos. Coube a Mercadante detalhar.
“Temos então R$ 271 bilhões de crédito; R$ 21 bilhões de não reembolsável, todo ele recurso do Orçamento, que é basicamente FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico]”, afirmou.
“E temos R$ 8 bilhões de equity [compra de participação acionária], ou seja, que nós queremos investir em empresa. Ou seja, crédito é namoro, equity é casamento”, disse Mercadante.
O presidente do banco público sinalizou que as compras de participações acionárias podem ocorrer no segmento de minerais críticos, como o lítio, que ele apontou serem fundamentais para o futuro de baterias e toda a mobilidade elétrica.
Hoje, o BNDES tem em sua carteira de investimentos um total de R$ 73,3 bilhões. Há ações de Petrobras, JBS e Oi. Em fevereiro de 2021, o banco se desfez de suas últimas ações da Vale e deixou de ser sócio da mineradora. Com a venda de toda a posição na empresa, a instituição arrecadou R$ 24 bilhões.
Mercadante disse que a retomada da política de campeões nacionais está descartada. Ele afirmou, no entanto, que “financiamento é risco” e disse que projetos passados deram certo, mesmo que tenha havido insucessos em alguns casos.
“Algumas empresas que foram priorizadas no crédito do BNDES não deram certo. Exemplo da Oi, [para a qual] a gente tinha [emprestado] R$ 4 bilhões. Sabe quanto o BNDES perdeu? Zero, porque tínhamos carta de fiança. Por sinal, o mercado inteiro perdeu R$ 23 bilhões na Americanas. Nós tínhamos R$ 1 bilhão na Americanas e perdemos zero, porque somos um banco prudente e altamente qualificado. O BNDES tinha R$ 1,7 bilhão na Light. Sabe o quanto perdemos? Zero. Nossa inadimplência é 0,01%”, afirmou.
Como exemplos de sucesso, por outro lado, citou a Weg e a Embraer.
O presidente do BNDES disse que o governo quer ter mais empresas competitivas no exterior, mas falou que o sistema será feito por consultas ao banco. E acrescentou que o banco não escolhe parceiros.
Em relação às exportações defendidas por Lula, uma das propostas do plano trata também das chamadas exportações de serviços, quando empresas brasileiras são financiadas para realizar obras no exterior.
Ocorreram via BNDES nos casos de Cuba e Venezuela, com calotes bilionários. A garantia era dada pelo Tesouro Nacional.
Mercadante chegou a pedir ajuda do Congresso Nacional para a aprovação do projeto de lei que autoriza o BNDES a financiar obras executadas no exterior.
Ele também defendeu o papel do Estado e citou como exemplos China, EUA e Europa.
“Quero perguntar a esses que todo dia escrevem dizendo que estamos trazendo medidas antigas. Me expliquem a China, me expliquem por que a China é o país que mais cresceu nos últimos 40 anos e esse ano 5,3%. Me expliquem a política econômica americana, US$ 1,9 trilhão de subsídios, incentivos”, disse.
Na mesma linha, Rui Costa afirmou que “só no Brasil é crime” o Estado liderar um processo de industrialização. O governo fala em “neoindustrialização”.
“É importante que nesse momento se pergunte qual nação desenvolvida no mundo não está fazendo isso [financiamentos e incentivos]. China, Coreia do Sul, Alemanha, Estados Unidos. Todos têm bancos, fundos que financiam de forma especial. Só no Brasil isso virou crime e muitas vezes é tratado de forma pejorativa”, disse Costa.
O Nova Indústria Brasil traça metas e diretrizes até 2033 a partir de seis missões, ligadas aos seguintes setores: agroindústria; complexo industrial de saúde; infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade; transformação digital; bioeconomia; e tecnologia de defesa.
Apesar de constar no documento, no entanto, o governo afirmou que as metas ainda serão analisadas nos próximos 90 dias pelo CNDI e que pode haver mudanças.
Durante o evento, Geraldo Alckmin ressaltou que o conselho havia praticamente sido abandonado.
“Ficamos sete anos sem ter reunião do CNDI e esta já é a segunda no seu governo. Lula é compromissado com a indústria, porque sabe que não tem desenvolvimento mais forte sem indústria forte”, afirmou o vice-presidente e ministro.
De acordo com o governo, em nota, o programa busca “reverter a desindustrialização precoce do país”. Diz que “a nova política prevê a articulação de diversos instrumentos de Estado, como linhas de crédito especiais, recursos não reembolsáveis, ações regulatórias e de propriedade intelectual, além de uma política de obras e compras públicas, com incentivos ao conteúdo local, para estimular o setor produtivo em favor do desenvolvimento do país”.
O documento aponta que a Comissão Interministerial de Inovações e Aquisições do Novo PAC irá definir os setores em que se poderá exigir a aquisição de produtos manufaturados e serviços nacionais.
O plano fala que a exigência de conteúdo local no âmbito do Novo PAC será implementada em etapas.
O governo também poderá lançar mão de margens de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais. Isso significa que determinados bens e serviços locais terão a preferência de compra pelo poder público, mesmo que seu preço supere o de itens importados concorrentes até um percentual previamente definido.