Enquadro criminal de golpistas ganha força, mas ainda sob corrente divergente; entenda

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General Mário Fernandes, à época comandante de Operações Especiais do Exército, cumprimenta o então presidente Jair Bolsonaro
General Mário Fernandes, à época comandante de Operações Especiais do Exército, cumprimenta o então presidente Jair Bolsonaro – Isac Nóbrega – 26.jul.19/Presidência da República

As condutas dos cinco presos pela Polícia Federal na terça-feira (19) sob a suspeita de atuar em um plano de golpe de Estado no Brasil em 2022 podem ser enquadradas como crimes contra a democracia, segundo 4 de 5 especialistas em direito penal ouvidos pelo jornal Folha.

Há, porém, uma corrente divergente que entende as ações dos suspeitos como atos meramente preparatórios, o que levaria as condutas a não serem passíveis de punições no campo criminal.

 

Em debate estão principalmente os delitos de tentativa de golpe de Estado e de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, ambos com emprego de violência ou grave ameaça.

Segundo a investigação da Polícia Federal, um plano golpista que previa até a morte de Lula, então presidente eleito, de seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), e de Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), foi preparado pelo general da reserva Mário Fernandes.

O plano teria sido colocado em prática após um encontro no Palácio do Planalto em 6 de dezembro de 2022, no fim do mandato de Jair Bolsonaro (PL). A preparação durou nove dias e envolveu a compra de celulares descartáveis e monitoramento da localização de Moraes, de acordo com relatório da PF.

Para os investigadores, a prisão do ministro do STF chegou a ser organizada para 15 de dezembro de 2022. A execução do plano acabou abortada na noite daquele dia, com militares do 1º Batalhão de Ações de Comandos do Exército, de Goiânia (GO), a postos para a execução do ataque em Brasília, segundo a PF.

O advogado Maurício Zanoide, professor de processo penal da USP, diz que os atos descritos pela PF podem ser enquadrados como tentativa de golpe de Estado e de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito.

“A investigação está demonstrando uma ação criminosa voltada a prender pessoas, tirar a liberdade de pessoas para poder ter vantagem com relação a isso. Fazer campana, acompanhar, perguntar se pode agir e fazer um estabelecimento do que vai acontecer após a supressão dessas pessoas, isso já é ato executório, sem dúvida”, segundo o professor.

Para advogada Ana Carolina Moreira Santos, professora de direito penal da Universidade Zumbi dos Palmares, os delitos sob discussão são considerados crimes de perigo, ou seja, se consumam a partir da colocação da democracia em risco.

“Os tipos penais preveem uma forma tentada de crime, são chamados de crimes de empreendimento. Ou seja, a mera tentativa já consuma o delito. No caso, a partir das informações disponíveis, parece claro que os bens jurídicos tutelados, o Estado de Direito e o governo legitimamente eleito, foram expostos a perigo.”

O advogado Leandro Sarcedo, doutor em direito penal pela USP, aponta uma série de condutas indicativas de que “foram superados os meros atos preparatórios, dando-se início aos atos executórios”.

Ele cita compra de telefones registrados em nomes de laranjas, acesso a informações de segurança, vigília sobre autoridades, elaboração de planos estratégicos e minutas jurídicas para justificar ação futura, deslocamentos rodoviários com a finalidade de executar atos preordenados no plano traçado e contato com líderes dos acampamentos que não aceitavam o resultado das eleições.

“[Isso] sem falar dos atos de violência efetivamente ocorridos durante aquele período, como a invasão da sede da Polícia Federal, por exemplo”, afirma Sarcedo.

Mestre em direito processual penal, a advogada Maria Jamile José afirma que, “nos crimes contra o Estado democrático de Direito, o legislador antecipou o momento da consumação do crime para a fase da tentativa”.

“Assim, neste caso, planejamento, organização e levantamento de fundos já configuram o delito.”

Já a professora de direito penal Marina Coelho Araújo (Insper), que é também conselheira do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), diverge dos demais especialistas ouvidos.

Para ela, não há elementos para configurar as condutas como crimes.

“Por ora, na decisão [de prisão dos suspeitos], eu não enxergo que cruzamos a barreira dos atos preparatórios. Mesmo nos crimes de que estamos falando, de uma conduta tentada, é necessário que o iter criminis [expressão em latim que significa trajetória do crime] se inicie.”

No caso, diz a professora, “são atos preparatórios que foram valorados a partir de vários outros processos que nem constam nessa decisão”.

O senador Flávio Bolsonaro (PL), filho mais velho de Bolsonaro, criticou a operação da PF e defendeu a tese de que as ações dos suspeitos não devem ser enquadradas como delitos.

“Por mais que seja repugnante pensar em matar alguém, isso não é crime. E para haver uma tentativa é preciso que sua execução seja interrompida por alguma situação alheia à vontade dos agentes. O que não parece ter ocorrido”, escreveu o congressista.

Na decisão de prisão dos suspeitos, o ministro Alexandre de Moraes afirma que “os elementos trazidos aos autos comprovam a existência de gravíssimos crimes e indícios suficientes da autoria”.

“Além de demonstrarem a extrema periculosidade dos agentes, integrantes de uma organização criminosa, com objetivo de executar atos de violência, com monitoramento de alvos e planejamento de sequestro e, possivelmente, homicídios”, completa o ministro do STF.

Moraes cita, na decisão, indícios de autoria dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e de associação criminosa —que podem resultar em até 23 anos de penas.

 

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