Filha de Ronnie Lessa diz que rompe com pai se for confirmada participação na morte de Marielle

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O ex-policial militar Ronnie Lessa, apontado como assassino da vereadora Marielle Franco - Reprodução

por Camila Zarur

Mohana Lessa, filha de Ronnie Lessa, apontado como assassino da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, afirmou que vai romper relações com o pai se ficar provada a participação dele no crime. E afirmou não ter informações sobre uma possível delação do ex-policial militar que indicaria quem foi o mandante do crime, ocorrido em março de 2018.

“No momento tenho zero informações. Ainda estamos aguardando algum contato ou posicionamento”, disse à Folha de S. Paulo. “Também não temos a confirmação de que de fato houve uma delação, estamos buscando algo concreto para depois nos posicionarmos.”

Lessa negociou, no fim do ano passado, um acordo de colaboração com a Polícia Federal. A delação premiada, no entanto, ainda precisa ser homologada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) para ter validade.

O inquérito, que corre em sigilo, está na instância superior devido a suspeitas de que Domingos Brazão, conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio), teria envolvimento no crime. Brazão nega categoricamente qualquer participação.

Mohana divulgou uma nota para responder aos questionamentos sobre o pai, enviada primeiro ao site ICL. No texto, ela afirma “se dedicar 101% para provar a inocência” do pai.

Diz, ainda, esperar que a notícia sobre uma delação de Lessa não se confirme e que vai acreditar na inocência do pai “até o último segundo”. E ressalta que, se for comprovado que o ex-PM cometeu o crime, seguirá um caminho oposto ao do pai.

“Com os últimos acontecimentos, o que posso falar em nome de toda família é que: Se ele realmente cometeu esse crime, com toda dor no meu coração, nós não poderemos mais ter qualquer tipo de relação com ele. Essa atrocidade vai contra tudo o que somos e pensamos. E, se eu realmente perdi todo esse tempo tentando provar algo inexistente, não me restará escolha a não ser pedir que Deus o abençoe em seu caminho, que será longe do meu”, escreveu.

Assim como o pai, Mohana é ré em dois processos em que é acusada de tráfico de armas. As denúncias, feitas tanto pela Polícia Civil do Rio de Janeiro como pela PF e pelo Ministério Público Federal, apontam que Mohana ajudava o pai a enviar peças e acessórios de armas para os Estados Unidos durante o período em que morou no país.

Na nota, Mohana se defende das acusações e afirma que os processos seriam perseguição pelo fato de ela ter abandonado uma carreira internacional para se dedicar a provar a inocência do pai.

“Me vi sozinha, com 22 anos, tomando conta de dois irmãos mais novos, indo visitar meu pai, minha mãe e meu tio na prisão toda semana, acompanhando mais de oito processos todo dia, estudando cada detalhe e cada página do inquérito principal, e ainda me defendendo de duas histórias que foram criadas contra mim que até hoje não me deixam dormir”, diz Mohana.

Mulher de Lessa e mãe de Mohana, Elaine Figueiredo Lessa também responde por tráfico de armas e chegou a ser presa, mas desde 2022 aguarda o julgamento em liberdade. Também já foi condenada, com o marido, por destruir provas ligadas ao caso Marielle.

Tanto Mohana como Elaine são representadas pelo advogado de Lessa, Bruno Castro. Ele já disse que deixará a defesa do ex-PM quando for notificado oficialmente sobre a delação.

QUEM É DOMINGOS BRAZÃO

A delação de Ronnie Lessa sobre a morte de Marielle fez com que as atenções se voltassem a Domingos Inácio Brazão, O envolvimento do político, que é ex-deputado estadual, é investigado pela Polícia Federal.

Até o momento, duas delações já foram feitas para chegar ao mandante do crime: a de Lessa, que ainda precisa ser homologada, e a de Élcio de Queiroz, parceiro do ex-PM no assassinato. Ambos estão presos sob acusação de serem, respectivamente, quem atirou em Marielle e quem dirigiu o carro na noite do crime.

Brazão passou a ser alvo das investigações após o acordo de colaboração de Élcio, que também é ex-policial militar. Após a delação do réu confesso, os investigadores chegaram a novas informações que indicariam a participação do conselheiro, que já havia sido denunciado por suspeita de atrapalhar as investigações.

O político sempre negou as acusações. Em nota, o advogado de Brazão afirma que não teve acesso aos autos do processo e que “as informações que tem sobre o caso foram obtidas por meio de matérias jornalísticas”. Segundo o site Intercept Brasil, Lessa, em sua delação, apontou Brazão como autor intelectual do assassinato de Marielle.

Brazão se elegeu a um cargo público pela primeira vez em 1996, como vereador do Rio. Dois anos depois, foi eleito para a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), onde atuou por cinco mandatos como deputado estadual.

Em 2015, foi eleito com apoio de ampla maioria da Casa legislativa para se tornar conselheiro do Tribunal de Contas. Sua escolha, porém, chegou a ser questionada por não ter apresentado certidões cíveis, criminais nem eleitorais.

Na época, Brazão era réu em um processo sob suspeita de abuso de poder econômico, compra de votos e conduta vedada a agente público. Ele já havia sido afastado de seu mandato, anos antes, por causa dessas denúncias, mas foi reconduzido ao cargo após uma liminar.

Entre os principais redutos eleitorais de Brazão está Rio das Pedras, o berço da milícia carioca. A sua influência na região fez com que ele fosse citado no relatório final da CPI das Milícias, em 2008. Ele nega envolvimento com as facções e os crimes investigados.

Em 2017, Brazão foi preso temporariamente com outros quatro conselheiros do TCE na operação Quinto do Ouro, um desdobramento da Lava Jato no Rio. Até hoje Brazão responde pela suspeita de integrar um suposto esquema composto por membros do Tribunal de Contas para receber propina em contratos do estado. A prisão o levou a ser afastado do cargo, e ele só voltou a ser conselheiro em maio do ano passado, após uma decisão favorável da Justiça do Rio.

Em relação ao caso Marielle, Brazão foi citado no processo desde o primeiro ano das investigações, em 2018. O primeiro depoimento dele no caso foi em 18 de junho, quando disse ter conhecimento de quem era Marielle em dois momentos: “por ter sido a quinta vereadora mais votada e após sua morte”.

No ano seguinte, ele foi denunciado pela PGR (Procuradoria Geral da República) por obstrução de justiça. No relatório da PGR, baseado em um inquérito assinado pelo delegado Leandro Almado, hoje superintendente da PF do Rio, Brazão é apontado como suspeito de ser o mandante do crime.

O documento diz que Brazão é “efetivamente, por outros dados e informações que dispomos, o principal suspeito de ser o autor intelectual dos crimes contra Marielle e Anderson”.

A PGR, porém, não poderia pedir indiciamento do conselheiro, já que não investigava diretamente o caso. O que fazia na época era o que foi chamado de “investigação da investigação”, isto é, revisava o processo tocado pela Polícia Civil para avaliar se havia ocorrido algum desvio. A denúncia, porém, não avançou no inquérito da Delegacia de Homicídio.

Já a suspeita de atrapalhar as investigações foi apresentada ao STJ em 2019, mas foi rejeitada. No ano passado, o Tribunal de Justiça do Rio também rejeitou a denúncia, acolhendo um pedido do Ministério Público do estado que considerou que o conselheiro não atuou para atrapalhar as investigações.

Após a delação de Élcio de Queiroz, Brazão volta a aparecer no caso. Ele é citado em uma troca de mensagens entre dois suspeitos de terem vazado a Ronnie Lessa e ao ex-PM informações sobre a operação que prendeu a dupla, em março de 2019.

“Recebi um informe agora que vai ter operação Marielle amanhã. Pelo que me falaram vão até prender Brazão e Rivaldo Barbosa”, escreveu o filho de um delegado da PF.

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