Forças do novo governo da Síria são acusadas de matar centenas de civis; veja o que se sabe

As forças de segurança montaram postos de controle em Latakia, no litoral da Síria
O presidente interino da Síria, Ahmed Sharaa, pediu unidade nacional no domingo (09/03) após dias de confrontos, nos quais foi relatado que as forças de segurança sírias teriam matado centenas de civis da minoria religiosa alauíta.
O Observatório Sírio para os Direitos Humanos (SOHR, na sigla em inglês) — entidade sediada no Reino Unido que monitora os acontecimentos na Síria — disse pelo menos 745 mil civis foram mortos em cerca de 30 “massacres” contra alauítas na sexta-feira (07/03) e no sábado (08/03).
Esse número se soma aos combatentes mortos nos últimos quatro dias, elevando o total de mortes até agora para mais de mil.
A BBC não conseguiu verificar essas alegações de forma independente — mas acredita-se que seria o pior incidente de violência desde a queda de Bashar al-Assad.
“Devemos preservar a unidade nacional e a paz civil o máximo possível e, se Deus quiser, seremos capazes de viver juntos neste país”, disse Sharaa de uma mesquita em Damasco.
O presidente disse em uma mensagem de vídeo que os acontecimentos fazem parte dos “desafios esperados” após a queda do regime de Assad.
Centenas de pessoas teriam fugido de suas casas nas províncias costeiras de Latakia e Tartus — reduto do presidente deposto Bashar al-Assad, que também pertence aos alauítas.
Mais de mil pessoas foram mortas nos últimos dois dias, disse o SOHR, na pior onda de violência na Síria desde que os rebeldes derrubaram o regime de Assad em dezembro.
Esse número inclui dezenas de tropas do governo e homens armados leais a Assad, que estão envolvidos em confrontos nas províncias costeiras de Latakia e Tartous desde quinta-feira (06/03).
Cerca de 125 membros das forças de segurança do governo lideradas por islâmicos e 148 combatentes pró-Assad foram mortos na violência, disse o SOHR.
Os alauítas, cuja seita é uma ramificação do islamismo xiita, representam cerca de 10% da população da Síria, que é majoritariamente muçulmana sunita.
Um porta-voz do ministério da Defesa da Síria disse à agência de notícias Sana do país que o governo havia restabelecido o controle após “ataques traiçoeiros” contra seu pessoal de segurança.
A violência deixou a comunidade alauíta em “estado de horror”, disse um ativista da cidade à BBC na sexta-feira, com centenas de pessoas supostamente fugindo das áreas afetadas.
Grandes multidões buscaram refúgio em uma base militar russa em Hmeimim, em Latakia, de acordo com a agência de notícias Reuters.
Imagens de vídeo compartilhadas pela Reuters mostraram dezenas de pessoas gritando “as pessoas querem proteção russa” do lado de fora da base.
Enquanto isso, dezenas de famílias fugiram para o vizinho Líbano, de acordo com a mídia local.
O enviado especial da ONU para a Síria, Geir Pedersen, disse estar “profundamente alarmado” com “relatos muito preocupantes de vítimas civis” nas áreas costeiras da Síria.
Ele pediu a todas as partes que se abstivessem de ações que pudessem “desestabilizar” o país e comprometer uma “transição política confiável e inclusiva”.
O embaixador do Irã no Líbano, Mojtaba Amani, descreveu os assassinatos de alauitas em Latakia e Tartus como “sistemáticos” e “extremamente perigosos”, e acusou o governo interino da Síria de não conseguir controlar a crise.
“Era esperado que, após a queda do governo de Assad, a Síria enfrentasse uma transição difícil”, disse Amani. “Mas a escala de violência que agora se desenrola não tem precedentes e é profundamente preocupante.”
O governo do Irã estava alinhado com o regime de Bashar al-Assad na Síria, que foi derrubado em dezembro passado. Assad foi deposto após décadas de governo repressivo e brutal de sua família e uma devastadora guerra civil de 14 anos.
ONU pede ação rápida
A ONU pediu que os líderes interinos da Síria tomem “medidas urgentes para proteger os sírios” após a onda de violência contra a comunidade alauíta.
A organização diz que recebeu relatos “extremamente perturbadores” de violência no país — incluindo mulheres, crianças e combatentes fora de combate — e pressionou os novos governantes sírios a agirem com rapidez para proteger a população.
Em um comunicado, o alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, afirmou que há registros de “execuções sumárias com base sectária” cometidas por autores não identificados, membros das forças de segurança sírias e elementos ligados ao antigo governo de Bashar al-Assad.
“É necessário haver investigações rápidas, transparentes e imparciais sobre todas as mortes e outras violações, e os responsáveis devem ser responsabilizados”, disse ele.
A presidência síria anunciou a criação de um novo comitê para investigar os ataques.
A violência começou após leais ao ex-presidente Bashar al-Assad — cujo regime foi derrubado em dezembro passado — emboscarem forças do governo na quinta-feira.