Governo Lula adia para próxima semana anúncio de corte de gastos e frustra Haddad; saiba o que está sendo debatido
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) empurrou mais uma vez o anúncio do pacote de corte de gastos para equilibrar as contas públicas, frustrando as expectativas alimentadas pelo próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O chefe da equipe econômica sinalizou em diversos momentos nos últimos dias que as medidas seriam anunciadas nesta semana, a despeito dos relatos de que o presidente ainda não havia tomado uma decisão definitiva sobre as ações.
A mais recente tentativa de fechar essa lista ocorreu na sexta-feira (8), quando Lula reuniu no Palácio do Planalto, pela terceira vez nesta semana, os ministros que integram a JEO (Junta de Execução Orçamentária) — Haddad, Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão e da Inovação em Serviço Público) — e os titulares das pastas que devem ser afetadas pelos cortes nos gastos. O encontro durou cerca de 3h30 e terminou sem anúncios.
Os encontros sucedem uma série de reuniões entre a Casa Civil e os ministérios setoriais, sem a presença de Lula. Nos bastidores, ministros da área social do governo travam um embate duro para tentar manter inalterados os benefícios e as políticas administradas por suas pastas.
A semana começou com o próprio Haddad alimentando a expectativa de anúncio do pacote nesta semana, após ter cancelado uma viagem à Europa, a pedido de Lula, para “se dedicar a temas domésticos”.
O ministro afirmou, na manhã de segunda-feira (4), que as coisas estavam “adiantadas do ponto de vista técnico” e que acreditava que o governo Lula estava na reta final para o anúncio. A sua fala repercutiu no mercado positivamente, com queda da cotação do dólar.
“Em relação à Fazenda, tem várias definições que estão muito adiantadas. O presidente passou o final de semana, inclusive, trabalhando no assunto, pediu que técnicos viessem a Brasília para apresentar detalhes para ele”, disse. “Acredito que estejamos prontos esta semana para anunciar [o pacote]”, afirmou na ocasião.
O chefe da equipe econômica voltou a prever um desfecho próximo na noite da última quarta (6), quando disse que esperava ter uma decisão final de Lula no dia seguinte –o que não se concretizou. Segundo Haddad, restavam apenas “dois detalhes” que precisavam ser alvo de uma “arbitragem simples” do chefe do Executivo.
Um dia depois, os ministros tiveram uma reunião que se estendeu por mais de cinco horas, dividida em duas etapas, mas também foi inconclusiva. Haddad adiou seu voo para São Paulo para comparecer ao novo encontro realizado na tarde desta sexta-feira.
Uma semana antes, Haddad tinha provocado desconforto no mercado financeiro ao dizer que não havia um prazo para a divulgação das medidas, gerando uma disparada do dólar. Depois disso, houve a primeira reunião com Lula no Palácio da Alvorada –encontro que também contou com a participação do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo.
A equipe econômica voltou a prometer avanços na agenda de revisão dos gastos para assegurar a sustentabilidade das contas públicas depois do segundo turno das eleições municipais. A deterioração do dólar e das taxas de juros, na esteira da piora na percepção do mercado financeiro sobre a situação fiscal do país, colocou pressão sobre o governo.
As medidas estão sendo avaliadas tanto sob o ponto de vista do impacto fiscal quanto pela viabilidade política. Sob esse filtro, o governo já descartou a desvinculação de benefícios sociais, como o abono e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), em relação ao salário mínimo —embora ainda haja defensores de mudanças no valor do BPC.
Mudar os pisos de gastos em Saúde e Educação, por sua vez, figurava como um “candidato fraco”, dado o elevado desgaste político para um ganho fiscal pequeno nos próximos anos.
Já o abono salarial (espécie de 13º salário pago a trabalhadores com carteira que ganham até dois salários mínimos) deve ser alvo de um redesenho e há mais de um formato em análise. O diagnóstico é de que o benefício, que custará R$ 30,7 bilhões em 2025, pode ser melhor focalizado.
Também está na mesa a possibilidade de limitar o ganho real do salário mínimo a 2,5%, mesma correção máxima da regra fiscal do arcabouço.
A medida, se adotada, traria alívio para as contas porque, no formato atual, a política de valorização garante um ganho equivalente ao crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes. No ano que vem, por exemplo, será a variação do PIB de 2023, que teve alta de 2,9% (acima de 2,5%). Em 2026, a correção será pelo resultado deste ano, cuja projeção de analistas indica alta de 3,1%, segundo o Boletim Focus, do Banco Central.
No acumulado desses dois anos, o governo poderia economizar cerca de R$ 6 bilhões, caso impusesse o limite ao ganho real do salário mínimo. A iniciativa, porém, deve enfrentar resistências.
Na tentativa de criar uma narrativa política para emplacar o ajuste sem desagradar tanto suas bases, Lula também tem sido aconselhado a incluir no pacote medidas de revisão de subsídios e desonerações. Na reunião desta sexta, inclusive, Haddad levou consigo o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, para participar das discussões com o presidente e demais ministros.
Eventuais revisões pelo lado das receitas não garantem a sustentabilidade do arcabouço fiscal, que depende de uma trajetória mais moderada de crescimento dos gastos obrigatórios (que incluem os benefícios sociais). Porém, ajudam no cumprimento da meta fiscal e servem ao discurso político do governo de atacar também o andar de cima.
A ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) defendeu, em entrevista ao jornal Folha, uma redução gradual dos subsídios tributários, financeiros e creditícios, hoje ao redor de 6% do PIB. “É urgente fixarmos pela Constituição, ainda que com uma escala em oito anos, a saída de 6% até 2% do PIB desses gastos tributários”, disse na ocasião.
Uma das possibilidades, segundo um auxiliar do presidente, seria fazer um corte linear nesses incentivos. O modelo já foi testado em uma emenda constitucional, mas acabou não tendo eficácia.
Uma das preocupações de auxiliares do presidente Lula é com a comunicação das medidas no momento em que o Congresso Nacional está prestes a aprovar um projeto para ampliar em R$ 11,5 bilhões as emendas parlamentares. O acordo para a aprovação da proposta, que já passou na Câmara dos Deputados, está sendo costurado com o Executivo.
Será uma tarefa difícil para o presidente propor cortes em benefícios como BPC, abono salarial ou seguro-desemprego para bancar emendas parlamentares. O governo já foi alertado também de que enfrentará problemas com o projeto que ainda terá que ser enviado ao Congresso para formalizar os acordos de reajuste salarial das carreiras de servidores do Executivo, antes mesmo de a proposta chegar ao Legislativo.
Apesar da demora na conclusão das conversas, um auxiliar de Haddad diz que a equipe econômica está confiante de que vai apresentar um pacote consistente com a necessidade de afastar as incertezas fiscais.
Outra vertente das medidas deve ser o combate a fraudes. O governo vai ampliar o público-alvo da revisão do Cadastro Único, antes restrita a quem está com o cadastro desatualizado há mais de 48 meses. Agora, esse horizonte será reduzido para 24 meses. “Este prazo de 48 meses foi dado em razão da pandemia de Covid-19. Agora, a renovação será a cada 24 meses para Bolsa Família e também BPC”, disse o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento Social).
Quanto custarão em 2025 as políticas em discussão
Abono salarial – R$ 30,7 bilhões
Seguro-desemprego – R$ 56,8 bilhões
BPC – R$ 112,9 bilhões
Piso da Saúde – R$ 228 bilhões
Piso da Educação – R$ 113,6 bilhões
Ganho real do salário mínimo (considerando alta de 2,9%) – R$ 17,3 bilhões