Governo Lula avança com hidrelétrica que impacta yanomamis e não apresenta estudo sobre indígenas

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Rio Branco, onde está prevista a construção da Usina Hidrelétrica Bem Querer, em Caracaraí (RR) - Val Gomes/Folhapress

A EPE (Empresa de Pesquisa Energética), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, avançou na execução do projeto de uma usina hidrelétrica que impacta a Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

A empresa pública concluiu o estudo e o relatório de impacto ambiental, conhecidos pela sigla EIA/Rima, da usina Bem Querer e os protocolou no último dia 25 no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), para obtenção da licença prévia.

O avanço do governo Lula (PT) em relação ao projeto de geração de energia hidrelétrica, porém, não foi acompanhado dos estudos necessários sobre os impactos previstos para terras indígenas na região.

Esse tipo de análise é obrigatório em caso de grandes empreendimentos como uma usina hidrelétrica, e é chamado ECI (estudo de componente indígena).

O EIA/Rima foi protocolado no Ibama sem o ECI, embora o próprio estudo de impacto ambiental aponte influência da hidrelétrica na terra yanomami e em outros territórios tradicionais em Roraima.

“A Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] já indicou que falta a inclusão do ECI, documento que será solicitado pelo Ibama para o aceite do estudo ambiental”, afirmou o Ibama ao jornal Folha. “A publicação do edital de aceitação do EIA dependerá da finalização da fase de análise, na qual serão avaliadas todas as exigências legais previstas para essa etapa.”

A EPE não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Em fevereiro de 2023, poucos dias após a declaração de emergência em saúde pública na terra yanomami, em razão da crise humanitária vivenciada pelos indígenas, a Funai enviou ofício ao MME em que disse não ser possível a realização de reuniões sobre a elaboração do ECI junto às “comunidades indígenas potencialmente afetadas no território yanomami”.

“A Funai não recomenda que os estudos sejam realizados apenas com subsídios em dados secundários”, cita o ofício, enviado também ao Ibama.

A hidrelétrica Bem Querer está prevista para operar no rio Branco, a partir da formação de um reservatório de 640 km2, em áreas referentes a seis municípios de Roraima.

“O aproveitamento hidrelétrico do rio Branco, em especial do trecho das corredeiras do Bem Querer, é de grande importância para o estado de Roraima e para o Brasil, frente a crescente demanda de energia elétrica do mercado e a integração do estado ao SIN (Sistema Interligado Nacional)”, afirma o estudo apresentado pela EPE. A capacidade de produção é de 650 megawatts.

O reservatório ficaria a 24 km da terra yanomami, segundo o EIA apresentado ao Ibama. O traçado de uma eventual linha de transmissão fica a 20 km do território, sendo o mais próximo do traçado, conforme o documento.

Na região dos municípios que compõem a chamada área de influência indireta, estão dez terras indígenas e 38 assentamentos rurais, segundo o estudo.

“Para as terras indígenas, independentemente da situação das etnias, atribuiu-se à proximidade com o reservatório o maior grau de sensibilidade, em razão da pressão sobre essas terras decorrentes do empreendimento e da chegada de migrantes para as obras”, diz o EIA.

“Todas as lideranças indígenas entrevistadas foram contrárias à construção da usina hidrelétrica e pontuaram várias críticas a esse projeto”, cita o estudo.

Rio Branco na cidade de Caracaraí, em Roraima, região envolvida no projeto da hidrelétrica Bem Querer – Túllio F/Wikimedia Commons

O aumento da população nas cidades próximas a canteiros de obras é um efeito esperado, o que pode favorecer a degradação no entorno das terras indígenas, conforme o EIA, assim como o incremento de caça, pesca e extração de madeira ilegais.

Outra pressão prevista é o aumento de empresas de mineração e madeira na região, a partir de uma energia mais barata com o funcionamento da hidrelétrica Bem Querer. Isso levaria a um “incremento do assédio às florestas e jazidas localizadas nas terras indígenas situadas na área de influência indireta, bem como o aumento da poluição dos igarapés que servem às aldeias”.

Também haverá influência na pesca praticada pelas comunidades tradicionais, conforme o diagnóstico feito para a obtenção da licença. “Alguns povos indígenas já estão ou estiveram sob pressão do garimpo ilegal. A ida de indígenas aos municípios pode também os expor a potenciais aumentos de ocorrências epidemiológicas ou agravos de saúde.”

A “animação econômica” em razão das obras da hidrelétrica pode potencializar o garimpo ilegal na terra yanomami e os conflitos entre indígenas e garimpeiros, afirma o estudo de impacto ambiental.

A invasão de cerca de 20 mil garimpeiros à terra yanomami, para exploração ilegal de ouro, levou a uma crise de saúde entre os indígenas, com explosão de casos de malária e elevado número de mortes por desnutrição grave e outras doenças associadas à fome, como diarreia e pneumonia.

Ações de emergência em saúde pública estão em curso desde janeiro de 2023. Em fevereiro do mesmo ano, o governo Lula deu início a uma operação de desintrusão, de expulsão dos invasores do território.

Segundo o governo, houve uma redução da área explorada pelo garimpo ilegal, de 4.570 hectares para 1.465 hectares. Não houve abertura de novas áreas em setembro e outubro, afirma o governo federal.

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