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O ano de 2022 começa no Brasil com uma espécie de conflito de identidade. De um lado, o mundo político se prepara para uma guerra eleitoral, talvez a mais intensa da história do país. De outro, as pessoas comuns apostam na paz.

Quem prestou atenção nas entrevistas feitas por repórteres de televisão com moradores e turistas das grandes cidades brasileiras na noite do Ano Novo identificou ali algumas aspirações quase consensuais. Todo mundo falava de saúde, paz e amor.

Cansados de guerra, de uma pandemia que já levou mais de 600 mil vidas, os brasileiros que vestiram branco no réveillon pareciam demonstrar que queriam um ambiente mais ou menos tranquilo para reconstruir suas vidas. Deixar no retrovisor o pior da crise e apostar no novo.

E como será esse novo? Pouca gente ainda se atreve a esboçar. Ele tem um pouco do velho, quando busca na memória tempos mais saudáveis e a impagável liberdade de andar sem medo pelas cidades. Mas também tem algo parecido com a coragem de redefinir roteiros.

Vírus

Ainda falta combinar com o vírus, que busca novas faces, e com uma economia pouco convidativa a novos empregos. E falta, sobretudo, um clima de relativa estabilidade que permita às pessoas traçar seus próprios caminhos para o esperado pós-pandemia.

Os sorrisos de esperança capturados pelas câmeras de televisão pouco antes das queimas de fogos vão ser testados ao longo dos próximos meses por uma longa batalha política. Neste ano, estarão em jogo mais do que as cadeiras de presidente e de governadores, de senadores e de deputados federais e estaduais.

Em primeiro lugar estará em jogo a própria democracia, que as novas gerações herdaram depois de uma longa resistência, mas que se vê mais uma vez ameaçada pelo autoritarismo. E também estará em questão o que nos une como país.

Assim como nos Estados Unidos, o Brasil corre o risco de se diluir em uma longa e estéril guerra política. Se não forem tomados os devidos cuidados, a fratura social que se abriu em 2018 poderá tornar ainda mais irrecuperáveis laços pessoais afetados pela polarização.

Mundo

Não é à toa que as eleições de outubro serão acompanhadas com atenção em diferentes latitudes e longitudes. Segundo a prestigiada publicação norte-americana Foreign Policy, “poucas disputas vão capturar tanta atenção global neste ano como a do Brasil”.

E serão muitas. Uma das mais importantes ocorrerá na França, onde o presidente Emmanuel Macron busca um segundo mandato. Ele parece nome certo nas cédulas do segundo turno, que será disputado em 24 de abril. Mas não terá vida fácil.

Segundo as últimas pesquisas, Macron – um político moderado de centro – teria hoje 25% dos votos no primeiro turno. Logo em seguida aparecem duas mulheres, com 16% cada uma: a populista de direita Marine Le Pen e a republicana Valérie Pécresse, que se define como “um terço Thatcher e dois terços Merkel”.

O maior perigo vem a seguir. Aparece com 14% nas pesquisas o apresentador de televisão Éric Zemmour, de extrema direita, já condenado duas vezes por discursos de ódio.

Se o populismo de direita na França já preocupa analistas internacionais, nos Estados Unidos existe a possibilidade de republicanos retomarem em novembro o controle do Congresso, em uma espécie de aperitivo de possível retorno ao poder de um machucado Donald Trump.

O ano eleitoral no mundo começa no fim de janeiro, quando uma eleição inesperada em Portugal – convocada depois de o Parlamento recusar uma proposta de Orçamento – vai testar a capacidade de os socialistas se manterem no poder.

Em maio será a vez de o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, testar sua sorte nas urnas. Ele gosta de definir seu país como uma “democracia iliberal”, tem postura dura contra os imigrantes e atrai a simpatia de famílias como Trump e Bolsonaro. Mas vai enfrentar pela primeira vez uma oposição unida. As pesquisas até aqui indicam empate técnico.

Também em maio se decidirá o destino da mais próxima Colômbia, onde outro aliado de Bolsonaro – o presidente Ivan Duque – não pode concorrer a novo mandato. Até aqui, para preocupação do presidente brasileiro, aparece na frente, com 19,7%, o senador de esquerda Gustavo Petro, ex-integrante do extinto M-19 e fundador do movimento Colômbia Humana.

Giro

A possível vitória de Petro, em um país com tradição de presidentes conservadores, pode indicar a continuidade de um giro da América do Sul em direção à esquerda. Mas a verdadeira disputa pelo coração do subcontinente ocorrerá em outubro, no Brasil.

Até o momento, existe uma boa possibilidade de que a tendência sul-americana se confirme por aqui. As pesquisas apontam grande vantagem do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva sobre Bolsonaro.

Os próximos nove meses, porém, podem gerar diferentes e preocupantes cenários. A Justiça Eleitoral se prepara para enfrentar ondas de notícias falsas e de desinformação. Uma visita ao Twitter é capaz de indicar a intensidade dos decibéis da futura campanha eleitoral. E ainda estão frescos na memória os movimentos golpistas às vésperas do 7 de setembro.

Como ressalta a publicação norte-americana, Jair Bolsonaro expressou inúmeras vezes sua admiração pela ditadura militar, o que tem deixado observadores preocupados com possíveis conflitos no caso de derrota sua nas urnas.

“Assim que os índices de aprovação começaram a afundar durante a pandemia, ele começou a questionar a integridade do sistema eleitoral e a Suprema Corte”, observa a Foreign Policy. “Alguns veem ecos da insurreição de 6 de janeiro no Capitólio em manifestações pró-Bolsonaro tomando forma no país”.

Como se percebe, as preocupações com o clima de guerra prestes a tomar conta do Brasil às vésperas das eleições já não cabem mais dentro das fronteiras do país.

Os brasileiros que foram às ruas e às praias para celebrar a chegada de 2022 pediam paz para recomeçar as suas vidas depois de dois anos de pandemia e de dificuldades econômicas. Mas talvez ainda precisem se esquivar de trocas de ataques pelo caminho.

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