Imprensa, morro de medo! (por Otávio Santana do Rêgo Barros)

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Em um artigo que publiquei no Correio Braziliense (09.10.2020) opinei sobre o relacionamento entre a imprensa e os poderes constituídos, em contextos e tempos distintos. Tomo-lhe algumas ideias para retomar ao tema.
No início do século XIX, Napoleão Bonaparte dominava quase toda Europa. Nada poderia obstar-lhe as conquistas territoriais e políticas. Entretanto, a imprensa era vigiada de perto. “Tenho mais medo de três jornais do que de cem baionetas”.
Na Segunda Guerra Mundial, mesmo sob forte controle das informações, o comandante das forças aliadas, General Eisenhower, declarou: “correspondentes têm em uma guerra um trabalho tão essencial quanto o pessoal militar; fundamentalmente, a opinião pública ganha guerras”.
Durante a Guerra do Afeganistão, a revista Rolling Stones divulgou uma entrevista com o general Stanley McChrystal, comandante das tropas naquele teatro de operações, na qual criticava os “molengas da Casa Branca”. Foi prontamente demitido.
São três exemplos de postura diante da imprensa e de seu papel. Combatendo-a. Acolhendo-a. Desconsiderando-a.
Por cinco anos, fui chefe da comunicação social do Exército (CComSEx). “Imprensa: temos medo! Era assim que víamos o trabalho de jornalistas. “Melhor não conversar. Vão distorcer o que dissermos”.
Os ventos começavam a soprar em novas direções. Logo compreendemos que não podíamos nos encapsular, perdendo a oportunidade de divulgar a Força Terrestre e contestar críticas infundadas.
O jornalismo era assunto diário. Debatíamos, avaliávamos e assessorávamos com olhos e ouvidos nas notícias.
Posteriormente, exerci o cargo de porta-voz da presidência da República. Árida missão!
Em ambiente superdimensionado, reforcei a convicção de que notícia nada mais é que a revelação de um episódio, uma frase ou um comportamento que pode impactar, sendo de interesse da população conhecer para tomar posição.
No livro TEMPESTADE PERFEITA (História Real, 2021) vários jornalistas colocam luzes sobre suas percepções do papel e futuro da imprensa.
Cada um deles, à sua maneira e estilo, aponta a Democracia em crise e o jornalismo a reboque. E, quase sempre, concluem que “a crise” se deve ao exponencial crescimento das mídias sociais e suas consequências não dimensionadas.
Daí não restar dúvida que a informação de qualidade será vital para controlar o cavalo-de-pau que as milícias digitais deram no carro da opinião pública.
No ensaio A MENTIRA NA POLÍTICA, de 1971, Hanna Arendt escreveu que os “fatos necessitam de testemunhos para serem lembrados, e testemunhas confiáveis para serem oficializados, de modo a encontrar um lugar seguro no domínio dos interesses humanos”.
A exposição dos fatos – o testemunho – deixou de ser encargo apenas da imprensa. Ela peleja diariamente com os “fatos alternativos” criados ao sabor da irresponsabilidade dos engenheiros do caos (expressão criada por Giuliano Da Empoli).
As testemunhas somos nós. Cabe-nos assumir uma firme posição como indivíduo, com opinião própria, às vezes egoísta, para colaborar na inserção dos fatos verdadeiros no domínio dos interesses humanos.
Somos, pois, atores, produtores e espectadores.
Se você está na ribalta da opinião pública, encontre equilíbrio para enfrentar a boa ou má notícia. Agir grotescamente não vai amenizar a situação, não vai deletar a discussão da mídia, nem vai transformá-lo em audaz justiceiro.
Se você é a imprensa, incorpore serenidade e profissionalismo na apuração dos fatos. Ser o primeiro a divulgar não lhe renderá prêmio se a matéria for uma farsa ou tiver sido erguida na mediocridade do tendencioso.
Se você for receptor da notícia, não embarque na primeira versão. Crie seu conhecimento. Não se deixe levar cegamente por zaps encaminhados aos borbotões. É mais uma tentativa de te domar a opinião.
Acostume-se com a imprensa. Seja humilde se estiver em dívida. Pacato se há coerência da matéria. Leão se ela não promover a verdade.
Paz e bem!
Otávio Santana do Rêgo Barros. General de Divisão da Reserva