Inflação da comida é a maior desde o início de Lula 3; leia análise
por Vinicius Torres Freire*
A inflação média da comida chegou a 7,3% ao ano em outubro, diz o IBGE. É o maior avanço desde fevereiro de 2023. Ainda está longe de chegar a níveis que, de costume, causam grande irritação social (algo além de 10%). Mas os riscos de alta extra estão aí: dólar caro, problemas climáticos mais frequentes e graves.
Inflação é risco político. Kamala Harris poderia dizê-lo, mas temos longa experiência no assunto. Carestia derruba a popularidade de governantes.
A inflação da comida é a alta média do preço do que o IBGE chama de “alimentação no domicílio” (que se leva para preparo em casa). Nesse pacote, há altas ruins: arroz (20,3% ao ano), feijão preto (12,2%), carne (8,3% em média), leite 10,4%), óleo de soja (15,5%), café (29,2%).
Secas no Brasil e Vietnã, chuva, problemas vários na Colômbia, frete caro e outras altas de custos encarecem o café no mundo inteiro _é o preço mais alto em 13 anos, segundo a Organização Internacional do Café.
A seca também causou problemas nos rebanhos brasileiros, emagrecidos ou alimentados a custo maior. Demanda mundial forte e dólar pioraram o problema. Por tabela, a carne de porco também ficou mais cara (10,6%, em um ano).
A demanda de soja vai bem no mundo, assim como a de biocombustíveis. O óleo de cozinha também padece por isso.
O arroz vinha em alta desde o início do ano. O aumento de preço foi acelerado com o desastre no Rio Grande do Sul, para 30,4% ao ano em julho, mas ainda sobe mais de 20%.
Parte do aumento do preço do dólar, desde meados do ano a maior parte, se deve a expectativas ruins e fuga de dinheiro do país por causa dos problemas com as contas do governo, por ora sem perspectiva de solução duradoura. Adiante, a política econômica e externa do governo de Donald Trump pode provocar aumentos do preço da moeda americana no mundo inteiro, aqui inclusive.
Só notícia ruim? Não.
Voltou a chover, com o que já houve um alívio em preços de hortaliças e legumes, no entanto sempre sujeitos a problemas muito locais. A volta firme da chuva também pode aliviar os preços da energia elétrica, que já começaram a cair. A inflação de bens duráveis (industrializados) continua muito baixa, favorecida pela queda de preços e exportações maciças a China. O preço do petróleo, apesar da confusão e horrores do Oriente Médio, está comportado, por excesso de oferta. O preço dos combustíveis poderia estar baixando no Brasil, caso o dólar não estivesse tão caro.
A inflação não está descontrolada, embora longe da meta, crescendo e pressionada pelo dólar, expectativas ruins e, provavelmente, a partir de agora, por economia aquecida além da conta possível, por ora. Há o risco de perda definitiva de confiança no arcabouço fiscal de Lula-Haddad e o risco Trump. Tirar da sala pelo menos o bode do dólar caro por motivos exclusivamente brasileiros ajudaria bem a conter o risco de inflação maior e taxas de juros ainda maiores, preservando o crescimento do ano que vem.
O que é necessário para conter pelo menos os motivos domésticos da desvalorização do real? Um plano de contenção de aumento de gastos (não cortes). O governo, porém, desidrata os planos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e da ministra do Planejamento, Simone Tebet. O risco de dar besteira é grande.
*Vinicius Torres Freire é jornalista e mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).