Jaques Wagner “escondido” em reunião com Zelensky reflete divergências no entorno de Lula

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Wagner (primeiro da esquerda para a direita) participou da reunião entre Lula e Zelensky (ambos ao centro da foto). foto: reuters

por Lourival Sant’Anna e Raquel Landim

A tentativa de integrantes do governo brasileiro de esconder a participação do senador Jaques Wagner (PT-BA) na reunião entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Volodymyr Zelensky escancarou divergências no entorno do presidente brasileiro sobre como lidar com a guerra na Ucrânia, além de disputas de poder sobre a política externa brasileira.

A pedido de Lula, Wagner articulou a realização do encontro e anunciou no domingo que ele ocorreria.

Antes da reunião de cúpula em Nova York na quarta-feira (20), o senador publicou em sua página na rede X (antigo Twitter): “Estarei presente na reunião e acredito que o objetivo de todos, até mesmo dos envolvidos diretamente na guerra, é encontrar o caminho da paz o quanto antes”.

A mensagem contrastou com o que Lula vem dizendo desde que concedeu uma entrevista à revista norte-americana Time em maio do ano passado, quando afirmou que Zelensky “queria a guerra”, e a usava para “aparecer na TV”.

Celso Amorim não sabia da reunião até que ela foi anunciada por Wagner.

O assessor especial procurou desmerecê-la dizendo que “o importante” era a reunião entre Lula e Biden, e colocando até mesmo em dúvida se o encontro de fato aconteceria: “Essas coisas são imprevisíveis”, disse ele com um sorriso enigmático.

Pouco antes do encontro, a correspondente da emissora CNN em Nova York, Mariana Janjácomo, perguntou ao senador se ele participaria. Wagner respondeu que não. A jornalista lhe perguntou por que, e ele não respondeu.

“Erro”

A Secretaria de Comunicação Social (Secom) do Palácio do Planalto enviou aos jornalistas uma lista dos participantes.

Nela constavam Celso Amorim, o chanceler Mauro Vieira e o ministro-chefe da Secom, Paulo Pimenta. Entretanto, mais tarde, a foto e o vídeo do encontro mostravam Wagner praticamente no fim da fila de cadeiras.

Questionada pela reportagem, uma assessora da Secom disse que tinha sido “erro” dela e divulgou uma nova lista incluindo Wagner. Poderia ser um lapso sem importância, não fosse pelos antecedentes dessa história.

Wagner e os EUA

Ao longo do ano passado, Lula, ainda candidato, encarregou Wagner várias vezes de conversar, pessoalmente e pelo telefone, com importantes integrantes do governo americano, como o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, e enviado para o Clima, John Kerry, ambos muito próximos do presidente Joe Biden.

O objetivo era comunicar o desejo de Lula de se reaproximar dos Estados Unidos.

Wagner voltou a ser enviado a Washington em outubro passado, no mês da eleição, com a mesma missão.

Durante a transição, ele foi cogitado para o Itamaraty ou o Ministério da Defesa. Mas Lula concluiu que não podia abrir mão de seu papel como líder do governo no Senado, e nomeou Amorim assessor especial.

Amorim, por sua vez, indicou para o cargo de chanceler Mauro Vieira, que trabalhou no passado com ele e é de sua inteira confiança.

Amorim é um antigo conhecido da equipe de Biden, a mesma que o assessorou em política externa e de segurança nacional quando era vice de Barack Obama (2009-2017).

Fontes que trabalharam com essa equipe percebem pouca simpatia de Amorim pelos Estados Unidos. Seu lema, “política externa altiva e ativa”, dirige-se sobretudo contra o que ele considera o risco de submissão aos EUA.

Simpatia pela Rússia

Por motivos ideológicos parecidos, apontam interlocutores, Amorim nutre simpatia pela Rússia, e tem alertado publicamente para o risco de “repetir Versalhes”, o tratado de paz da 1ª Guerra Mundial que impôs duras sanções contra a Alemanha, e que teria contribuído para criar o ambiente favorável ao surgimento do nazismo.

Amorim visitou o presidente russo, Vladimir Putin, já no fim de março, em Moscou, e se recusou a fazer o mesmo com Zelensky em Kiev: “Eu vejo a guerra pela TV”.
Em Moscou, ele articulou a vinda do chanceler russo, Sergey Lavrov, no dia 17 de abril.

Em seguida, Lula viajou para Portugal e Espanha. Seus interlocutores europeus lhe disseram que seu governo não era considerado equidistante entre Rússia e Ucrânia, e que uma das provas disso era que só ouvia o lado russo.

Ao ouvir isso, os ministros da Casa Civil, Rui Costa, e da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, insistiram com Lula que era necessário enviar Amorim imediatamente para Kiev, se possível diretamente de Madri. Amorim se recusou, alegando que estava articulando uma iniciativa com o governo francês, que não se materializou.

No início de abril, finalmente o assessor foi para Kiev, onde foi recebido com frieza por Zelensky, que nesse ponto já estava ciente da influência dele sobre a posição de Lula simpática a Putin. Foi então que Lula escalou Wagner para mais essa missão.

Pimenta, o chefe da Secom — que omitiu a participação do senador —, compartilharia os sentimentos pró-Rússia de Amorim.

Afinidade

Mesmo depois da reunião, a afinidade de Lula com Putin ainda continuava viva na mente dos ucranianos.

Ao sair do encontro de uma hora e dez minutos, o chanceler ucraniano, Dmytro Kuleba, trocou o nome de Lula pelo de Putin antes de se corrigir rapidamente. E disse que a reunião tinha sido uma “quebra de gelo”, remendando: “Não que houvesse gelo antes”.

Muitas vezes a verdade está no que é omitido ou dito sem querer.

 

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