Por Evandro Eboli

Camila Pinheiro de Almeida tem uma filha de 7 anos, a Rebeca, que é autista e acometida também da síndrome de Rett, uma doença que dificulta a coordenação, provoca perda de movimentos e problemas no crescimento do crânio. Rebeca tem convulsões e precisa fazer infusão de ferro no hospital. Entre as terapias que têm aliviado o quadro da criança está também o uso do canabidiol.

Mas para garantir essas medicações e terapias para a filha, Camila tem recorrido ao Judiciário, que obriga seu plano de saúde a cobrir, ao menos, parte do custo desse tratamento. A mãe vinha aguardando uma autorização da operadora do plano de saúde para ver liberada para a filha um desses tratamentos. E, anteontem, um dia depois do STJ desobrigar a cobertura de procedimentos fora da lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Camila foi surpreendida com a negativa, o que gerou nela o temor de ver o tratamento de Rebeca comprometido.

“Há um ano e meio, com o uso dessa medicação e terapia, ela já consegue engatinhar, já faz uso das mãos, mesmo que por segundos, consegue balbuciar, identifica o que ela quer. Ou seja, houve muita melhoria” – contou Camila ao Blog do Noblat.

Os planos de saúde já estão a postos e prontos para derrubar as liminares obtidas por usuários para acesso a tratamentos fora da lista da ANS. Ainda que a decisão do tribunal favorável à instituição do chamado rol taxativo prever as exceções, mães e pais estão apreensivos com o que vem por aí.

Conhecedora do tema, a advogada Alexandra Moreschi preside a Comissão de Direito à Saúde da OAB no Distrito Federal. Para a especialista, a decisão do STJ irá dificultar, sim, a obtenção de liminares que permitam tratamentos fora do rol previsto da agência reguladora.

“Diria que é para se desesperar, mas com calma. A decisão é bombástica? É sim. Vai impactar muito na vida das pessoas? Sim. Mas não significa que tudo vai se acabar e vamos chorar no nosso cantinho. Tem várias possibilidades de se recorrer. Vai ficar mais difícil de conseguir liminares, será necessário procurar advogado mais especializado. O mundo não acabou e nem todas as portas foram fechadas” – disse Alexandra Moreschi.

Na opinião da advogada, será difícil a Justiça negar um tratamento ou uma medicação a um paciente que já tenha tentado todas alternativas clínicas, se o rol da ANS já tenha sido esgotado.

“Se há um tratamento alternativo, e que não conste na relação oficial, ele não pode ser negado. Poderá ser mais complexo obter a concessão do uso, mas em algum momento será dada” – completa Moreschi.

Andréa Medrado, uma ativista da maternidade atípica, é mãe de Maria Flor, uma menina de 5 anos, que tem a síndrome de Pitt-Hopkins e uma autista não oralizada. Flor não fala. Essa condição faz a menina necessitar de uma série de terapias e tratamentos cuja maioria não está na lista da ANS aceita pelos planos de saúde.

“O momento agora é de apreensão, dá um medo. E estamos angustiadas. Não se sabe o que vai acontecer. Antes, sabia que tinha chance recorrendo à justiça. Agora, é uma incógnita. Essa decisão foi muito desfavorável e vai impactar muito na vida das pessoas. No caso da minha filha, que é autista e tem uma síndrome rara, é necessário tratamento a longo prazo e ininterrupto. E muitos deles não constam no rol da ANS, que já é muito defasado. Os planos não querem que tratamentos caros entrem nessa lista” – contou André Medrado.

Também especialista no tema dos planos de saúde, o advogado Rafael Robba, da Vilhena Silva Advogados, entende ainda ser cedo para ser conhecida a extensão da decisão do STJ. Ele afirmou que o entendimento do tribunal não é vinculativo, ou seja, não obriga os tribunais a aplicarem de forma imediata.

“A decisão ainda deixa brechas para casos que o rol da ANS não atende a necessidade do paciente. É preciso entender que os tribunais nunca deram um cheque em branco para o consumidor. Já analisava caso a caso, como continuará sendo para quem tem necessidade de tratamento fora dessa relação” – disse Rafael Robba, que, com a decisão do tribunal, passou a receber contato de seus clientes preocupados.

“É direito das operadoras recorrerem contra liminares concedidas, mas não sei se terão êxito. Os tribunais sempre tiveram muita serenidade e responsabilidade nesse tema. Não tivemos registro de liminar revogada a partir dessa decisão do STJ. Seria muito precipitado. As portas não foram fechadas para o consumidor” – complementou Robba.

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