Menos de 1% dos mais de R$ 8 bi em ‘emendas pix’ é claro quanto ao destino e ao uso, diz entidade
Menos de 1% dos R$ 8,2 bilhões autorizados para as chamadas “Emendas Pix” em 2024 leva a informação quanto ao beneficiário (prefeituras e estados) e como o dinheiro será usado (em que obras, por exemplo). A informação é de um levantamento da Transparência Brasil, obtido pela GloboNews.
A falta de transparência desrespeita previsões incluídas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 e também em uma instrução normativa do Tribunal de Contas da União (TCU) de 2024.
Criadas em 2019, essas emendas ficaram conhecidas pela dificuldade na fiscalização dos recursos. Isso porque os valores são transferidos por parlamentares diretamente para estados ou municípios sem a necessidade de apresentação de projeto, convênio ou justificativa – na prática, não há como saber qual função o dinheiro terá na ponta.
O apelido emendas pix se refere justamente ao fato de que o beneficiário pode fazer dos recursos o que quiser. Oficialmente, esta modalidade se chama “Transferência Especial”.
Na tentativa de reduzir a falta de transparência destas emendas, a LDO deste ano trouxe dispositivos que exigem que o beneficiário informe, em uma página do governo, o “objeto de gasto” e – após a utilização dos recursos – um relatório que comprove como a emenda foi usada.
A medida é vista como “insuficiente” pelo Transparência Brasil, mas poderia “amenizar opacidades”. Ainda assim, ela não está sendo cumprida, na avaliação da organização.
O estudo analisou a redação usada pelos parlamentares nas 941 emendas pix indicadas – por exemplo, se apresentaram quais prefeituras receberiam a verba e quais políticas públicas seriam atendidas pelo recurso. Esse detalhamento é a única forma de identificar a finalidade da verba, antes da fase de execução dos recursos.
Segundo a análise da organização:
- apenas 61 das 941 emendas parlamentares trazem detalhes que permitem identificar, minimamente, qual será o objeto do recurso.
- dos 537 parlamentares que fizeram indicações das Emendas Pix (467 deputados e 70 senadores), 345 apresentaram emendas sem nenhuma informação sobre destinatário e finalidade.
- apenas quatro parlamentares apresentaram suas Emendas Pix com o que a organização considerou completude “alta” ou “muito alta”.
Ausência de detalhes
Segundo o Transparência Brasil, a falta de detalhamento pode ser explicada pelo parlamentar que, deliberadamente, decidiu não dar transparência ao recurso ou que não havia planejado como a verba seria aplicada.
“Ambas as situações são danosas, abrindo brechas à malversação do uso dos recursos originados da União”, diz a análise da organização.
O estudo recomenda que o Congresso, em especial a Comissão Mista de Orçamento (CMO), “amplie a rastreabilidade das emendas Pix na origem, exigindo a inserção de informações sobre seus destinatários e finalidade.”
Para a Transparência Brasil, “a falta de planejamento das emendas Pix evidenciada por este relatório indica que este instrumento piora a qualidade do gasto público, de forma que deveria ser extinto”.
Histórico das emendas
As emendas pix são uma modalidade das emendas individuais – ou seja, todo parlamentar tem direito. Como metade das emendas individuais obrigatoriamente deve ser destinada à saúde, um parlamentar pode indicar, no máximo, 50% dos seus recursos na modalidade Pix.
De acordo com o levantamento da Transparência Brasil, em 2020 apenas 47 deputados e senadores fizeram indicações nesta modalidade. Em 2024, houve um salto para 537 parlamentares que utilizaram esses recursos.
O interesse dos parlamentares, claro, se reflete no aumento ano a ano dos recursos para as Emendas Pix.
Se em 2020 foram empenhados R$ 600 milhões, em 2023 o empenho saltou para mais de R$ 7 bilhões. Para este ano, ainda que nada tenha sido empenhado ainda, estão autorizados R$ 8,2 bilhões.
Fim do ‘orçamento secreto’
O salto no valor da modalidade coincide com o fim do chamado orçamento secreto, que foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro de 2022.
Na semana passada, o ministro Flávio Dino afirmou que o Legislativo e o Executivo “não demonstraram de forma cabal” o cumprimento da decisão da Corte.
Para o ministro, a “mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como inconstitucional pelo STF”.
Ao analisar um pedido da Transparência Brasil, da associação Contas Abertas, e da Transparência Internacional, o ministro determinou ainda que o Tribunal de Contas da União (TCU) seja notificado sobre as chamadas “Emendas PIX”.