Modelo que nasceu com 2 vaginas e sem ânus: ‘Tenho entrado e saído do hospital a vida toda, perdi a conta de quantas cirurgias fiz’

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Anja Christoffersen quando criança e na idade adulta — Foto: Arquivo pessoal

A modelo e empresária australiana Anja Christoffersen, de 25 anos, viralizou nas redes sociais após compartilhar sua condição rara, chamada VACTERL, que a fez nascer com duas vaginas e sem o ânus. Por isso, precisou passar por diversas cirurgias ao longo da vida para correções que possibilitassem sua sobrevivência.

Em entrevista ao GLOBO, Anja conta como o diagnóstico, que veio durante a 28° semana de gravidez da sua mãe, alertou sobre o conjunto de malformações congênitas, as quais incluem defeitos vertebrais, atresia anal (não formação do do ânus), defeitos cardíacos, fístula traqueo-esofágica e anomalias renais. Para ela, as experiências enfrentadas a partir disso a moldaram na pessoa (e ativista) que é hoje.

Como sua condição afetou quando você nasceu?

É uma condição rara e complicada. Gerou uma malformação das vértebras das minhas costas. Algumas das minhas espinhas dorsais estão parcialmente formadas, tenho uma leve inclinação da coluna (escoliose) e na base dela faltam alguns ossos. Por isso, não tenho um cóccix, por exemplo.

Nasci com duas vaginas e dois úteros, ou seja dois sistemas reprodutivos indo para uma única abertura. Tive de fazer uma reconstrução pélvica completa.

Tinha um buraco no meu coração, felizmente não precisei de cirurgia nesse caso, mas tenho um problema cardíaco contínuo. Além disso, minha comida ia direito para o pulmão, não para o estômago, devido a fístula traqueo-esofágica. Outro detalhe é que eu tenho apenas um rim.

O quanto a condição influenciou a sua vida? Já sofreu algum tipo de preconceito por isso?

Achava que poderia ter as mesmas oportunidades que todos os outros quando era criança. Quando fiquei mais velha e percebi que não podia, me apaixonei por criar oportunidades para outras pessoas que também podem ter deficiências ou doenças crônicas.

Isso com certeza moldou 100% do que sou hoje. Não acho que minha condição defina quem eu sou, mas influenciou minha vida completamente. Moldou minhas perspectivas e valores, o que considero importante. Com todas as experiências que tive, pude entender a vida de uma maneira totalmente diferente.

Mas já enfrentei muitos preconceitos. Ouvi muitos: ‘Você não merece acessibilidade, você não merece acomodação, então se esforce, supere isso’ ou ‘Mas você parece tão saudável’. E, por conta disso, já existiram situações nas quais eu me segurei e não pedi ajuda quando precisei.

Por ter uma condição que envolve duas vaginas e não ter abertura anal, alguns erroneamente sexualizam a situação ou podem pensar que é informação demais. Mas aprendi que as coisas para mim nunca vão mudar, portanto, poder falar sobre isso e reduzir o estigma, e se minha história puder mudar as coisas para outra pessoa que esteja passando por isso, é muito importante.

Por que você sentiu a necessidade de dividir a sua história nas redes?

Há dois grandes motivos. Um deles é que, quando eu era criança, meus pais sempre me diziam que tinham muito medo de que eu morresse. Apenas cerca de metade de nós sobrevive com essa condição.

Por isso, meus pais estavam sempre procurando alguém mais velho com VACTERL, para quem pudessem olhar e sentir que tudo ficaria bem. Então, compartilhei minha história para que as pessoas possam ter essa sensação de que tudo vai dar certo. Talvez haja dias bons e dias ruins, mas tudo vai ficar bem.

O segundo momento, quando fiquei mais velha, no final da adolescência e início dos vinte anos, desfilei na semana de moda de Amsterdã e fiquei muito animada. Percebi que tinha muita confiança na carreira, com meu corpo, e descobri que algumas pessoas com a minha condição não saíam de casa. Porque tinham problemas com a continência da barriga ou outras questões que eram estigmatizadas.

Isso me fez pensar que se eu não fosse corajosa o suficiente para ir até lá e compartilhar minha história, como poderia esperar que outras pessoas o fizessem? Então, achei que era hora de praticar o que falo. Então, compartilhei on-line sem medo de me sentir envergonhada, porque não acho que alguém deva se sentir envergonhado por sobreviver.

No momento, você se submete a algum tipo de tratamento?

Tenho entrado e saído do hospital durante toda a minha vida, já perdi a conta de quantas cirurgias já fiz. No momento, estou sendo acompanhada por 10 médicos e isso é algo que terei de levar pelo resto da minha vida.

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