Motoristas de app: deputados querem votar regras até junho; jornada de 12 horas é ‘insensatez’, diz especialista

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Motorista de aplicativo Uber — Foto: Dan Gold/ Unsplash

Com o calendário apertado pelas eleições municipais, deputados envolvidos nas negociações pela aprovação do projeto que regulamenta o trabalho de motoristas de aplicativo correm para fechar um texto que alcance apoio da maioria na Câmara.

Duas propostas sobre o tema tramitam com mais força na Casa. Uma elaborado em uma comissão formadas por governo, empresas e sindicatos; e outra apresentado pelo coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Motoristas de Aplicativos, o deputado Daniel Agrobom (PL-GO).

A partir do segundo semestre, os parlamentares estarão focados nas articulações para as eleições municipais, marcadas para outubro. Por isso, o objetivo é votar o texto até junho, antes do recesso na Câmara. Caso seja aprovada, a proposta seguirá para análise do Senado.

Discordâncias sobre a contribuição previdenciáriarepresentação por sindicato e valor da remuneração mínima do motorista por hora estão entre os pontos que provocam divergências (leia mais abaixo).

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), lideranças do Planalto e parlamentares que defendem os motoristas de aplicativo avaliam que, da forma como foi enviado, o projeto do Executivo não tem votos suficientes para ser aprovado.

Por se tratar de um projeto de lei complementar, a proposta precisa de, no mínimo, 257 votos em um universo de 513 deputados.

O Planalto enviou o projeto há três meses, porém a falta de apoio fez com que o governo retirasse a urgência constitucional da proposta – regime de tramitação que obriga votação por deputados e senadores no prazo de até 45 dias em cada Casa.

A estratégia deu mais tempo para o governo articular um texto que atenda a categoria sem emperrar as votações na Câmara, já que a urgência constitucional prevê que algumas iniciativas não podem ser votadas no plenário depois de vencido o prazo.

No fim de abril, Lira reforçou a avaliação de que não há consenso dentro da Câmara. Em um evento da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), o deputado sinalizou que seria “difícil aprovar” a proposta.

O caminho do projeto

Em abril, um mês depois de o governo enviar a proposta de regulamentação do setor, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), se reuniu com o presidente da Câmara para avaliar as chances de o projeto ser aprovado.

Na reunião, segundo participantes, Lira concordou com a ideia apresentada pela liderança do governo de retirar a urgência do texto, o que ocorreu em 12 de abril. Houve a avaliação de que a proposta seria derrotada se fosse levada ao plenário da forma que estava.

Os deputados então fecharam um acordo para que o projeto fosse discutido por três comissões, em até 60 dias, com uma divisão igual de 20 dias em cada colegiado. Membros do governo e parlamentares se comprometeram a buscar um texto comum, que pudesse alcançar maior apoio no plenário.

Depois dos contratempos, a proposta chegou à Comissão de Indústria da Câmara e recebeu um relator, o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE).

No colegiado, a expectativa, segundo o relator da proposta é que o relatório seja apresentado no dia 20 de maio. Após análise na Comissão de Indústria da Câmara, o texto ainda terá de ser debatido nas comissões de Trabalho e de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser encaminhado ao plenário.

O parecer de Coutinho já está sendo discutido com o parlamentar que será relator na Comissão do Trabalho, deputado Luiz Gastão (PSD-CE), para que se tenha um consenso e a análise seja mais rápida.

Pontos em discussão

As diferenças entre a proposta enviada pelo governo ao Congresso e o projeto apresentado pelo deputado Daniel Agrobom (PL-GO) — Foto: Arte/g1

Desde a sua oficialização como relator, Coutinho tem se reunido e recebido sugestões do governo, de parlamentares, representantes dos aplicativos e dos motoristas.

Parlamentares que estiveram reunidos com o relator afirmaram que ele tem se demonstrado “sensível” aos pedidos das empresas e dos trabalhadores.

O deputado tem avaliado mudanças nos três pontos da proposta mais criticados pela categoria:

  • representação dos motoristas por sindicato;
  • valor da remuneração mínima do motorista por hora — motoristas defendem piso por quilômetro rodado;
  • contribuição previdenciária obrigatória de 7,5% pelos motoristas e 20% pelas empresas — motoristas pedem que haja liberdade de escolha no regime de contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)

Ao site g1, o coordenador da Frente Parlamentar em Defesa dos Motoristas de Aplicativos defendeu que o texto do governo seja repensado para atender à realidade da categoria.

Segundo o deputado, o texto alternativo apresentado por ele, que prevê remuneração mínima com base no quilômetro rodado, foi discutido “amplamente” com membros da categoria.

“Se quer atender o motorista, não dá para ser por hora trabalhada. Precisamos colocar que é por quilômetro rodado, que é a realidade que os motoristas vivem hoje. O texto do governo não vai suprir os custos”, disse Daniel Agrobom.

A proposta do coordenador da frente parlamentar também é relatada por Augusto Coutinho, mas não tramita em conjunto com o projeto encaminhado pelo governo.

Para Agrobom, mesmo com as críticas, o texto do Ministério do Trabalho deve avançar mais rapidamente.

O deputado tem participado de reuniões com Coutinho e esteve na reunião entre Lira e Marinho. Ele acredita que o projeto deverá avançar já na próxima semana. Para ele, a proposta tem chance de ser discutida até junho na Câmara.

“Hoje, no plenário, não teria voto. Há uma série de reuniões acontecendo e uma tentativa de chegar a algo comum. Acredito que o combinado dos 60 dias deve ser cumprido”, declarou.

Jornada de 12 horas é ‘insensatez’

Professor da Universidade de São Paulo (USP) e juiz do trabalho, Guilherme Guimarães Feliciano destaca o acerto do governo ao incentivar a discussão no Congresso Nacional sobre direitos sociais dos motoristas por aplicativos, porém considera que o projeto contempla um grupo reduzido de trabalhadores.

“O governo tem o mérito de inaugurar a discussão legislativa, mas apresentou um projeto parar regular motorista por plataforma em automóvel de quatro rodas. Mototaxistas e entregadores não são alcançados. Poderia ser mais abrangente, inclusive por questão previdenciária e de proteção social”, avalia.

Feliciano diz ser um avanço a previsão de contribuição para Previdência, que viabiliza auxílios para casos de acidente ou doença e a contagem para aposentadoria.

Para o professor, esse ponto é mais relevante do que o enquadramento dos motoristas como autônomos ou microempreendedores individuais (MEIs).

“Independentemente de ser autônomo ou MEI, a questão é garantir direitos mínimos para esses trabalhadores, mesmo que não haja relação de emprego regida pela CLT. Hoje, muitos motoristas não contribuem e, seguindo assim, correm o risco de depender no futuro de benefícios assistenciais”, afirma.

Feliciano discorda da definição de um piso de R$ 32,10 por hora pago aos trabalhadores, ponto criticado por muitos profissionais. Para o professor, seria mais vantajoso o pagamento por quilômetro rodado ou criar um modelo que garanta um valor líquido a ser pago aos motoristas.

Feliciano também classifica como uma “insensatez” a permissão de jornada diária de até 12 horas desses motoristas, já que o Código de Trânsito e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) definem limites menores.

“O motorista aceita trabalhar 12 horas por dia para ter uma condição razoável de subsistência, mas é um risco para segurança viária e integridade física do profissional. É preciso garantir descansos remunerados ou melhorar a remuneração”, afirma o especialista.

“Há o risco de uma salada mista, com motoristas que não podem dirigir por mais de cinco horas seguidas, motoristas profissionais com oito horas diárias e motoristas plataformizados com 12 horas”, completa Feliciano.

Feliciano critica a definição do motorista como trabalhador autônomo, sem vínculo empregatício com a plataforma. Para ele, o ideal é permitir que a Justiça do Trabalho analise caso a caso.

“É diferente a situação do motorista que faz um bico para complementar renda, dirigindo duas a três vezes por semana, da situação do motorista que utiliza diariamente a plataforma para trabalhar. O juiz leva em conta a arquitetura da plataforma e o caso concreto”, afirma.

Julgamento no STF

Paralelamente às discussões no Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se há vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e as plataformas digitais.

O julgamento ainda não tem data, porém a posição terá repercussão geral, ou seja, terá de ser aplicada a outros processos sobre o mesmo tema em toda a estrutura do Poder Judiciário.

Segundo o STF, a questão será analisada pelos ministros graças a um recurso apresentado pela Uber, que cita a tramitação de mais de 10 mil processos na Justiça trabalhista sobre o tema.

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