Mourão ri ao ser questionado sobre torturas na ditadura
“Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, disse o vice-presidente entre risos, sobre áudios divulgados pelo jornal “O Globo” que mostram juízes do Superior Tribunal Militar falando sobre torturas.
O vice-presidente, Hamilton Mourão, riu nesta segunda-feira (18/04) ao ser questionado sobre áudios divulgados pelo jornal O Globo que mostram juízes do Superior Tribunal Militar (STM) falando sobre torturas cometidas durante a ditadura militar (1964-1985).
“Apurar o quê? Os caras [militares e agentes das polícias que realizaram sessões de tortura] já morreram tudo [risos]. Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, afirmou Mourão sobre os torturadores, aos ser questionado por jornalistas quando chegava ao Palácio do Planalto.
Os áudios foram divulgados no domingo pela jornalista Miriam Leitão. Eles foram captados entre 1975 e 1985 e inicialmente obtidos pelo historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico junto ao STM.
Nas sessões gravadas, os juízes militares e civis tecem comentários sobre casos de tortura que ocorreram durante a ditadura. Um dos casos citados diz respeito a uma mulher, presa política porque fazia oposição ao regime militar, que sofreu um aborto após ser torturada com choques nos órgãos genitais.
Mourão relativizou os casos relatados nos áudios. “História, isso já passou, né? A mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio [Vargas]. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. Passado, faz parte da história do país”, disse.
Miriam Leitão foi presa política na ditadura militar e foi torturada de diversas maneiras enquanto estava grávida. Em uma ocasião a jornalista conta ter sido torturada com o auxílio de uma jiboia, colocada numa sala em que ela estava presa nua.
O episódio voltou à tona recentemente, depois de o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, ter ironizado o fato e escrito no Twitter que tinha “pena da cobra”.
Simpatia do governo pelo período da ditadura
Mourão, que é general da reserva, já assumiu posições de simpatia em relação à ditadura militar. Ele e outros militares do governo de Jair Bolsonaro, inclusive o próprio presidente, costumam classificar o período como um movimento que alegadamente teria garantido a “democracia” face a um suposto risco de ascensão do comunismo no país na década de 1960.
Os defensores do regime militar brasileiro, porém, não comentam as denúncias de tortura, a imposição de censura e a crise econômica aprofundada pela elevada inflação que foi deixada pelos militares no país ao final do regime.
Em 2022, pelo quarto ano seguido, o governo Jair Bolsonaro usou o 31 de março, data do golpe de 1964, para defender o regime militar, que fechou o Congresso, acabou com as eleições diretas para cargos majoritários, censurou a imprensa e torturou e matou opositores.
Neste ano, o Ministério da Defesa afirmou em uma ordem do dia – texto para ser lido para a tropa – que o golpe foi um “marco histórico da evolução política brasileira”, e que a história “não pode ser reescrita, em mero ato de revisionismo, sem a devida contextualização”, citando o medo de que um “regime totalitário” fosse implantado no país, então governado pelo presidente João Goulart, democraticamente eleito.
No ano passado, Bolsonaro pediu ao então ministro da Educação Milton Ribeiro que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tivesse questões que tratassem o golpe militar de 1964 como uma “revolução”.
Homenagens a torturadores
Quando era deputado federal, em sessão no Plenário da Câmara que aprovou a abertura do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro disse que votava “em memória” do general Carlos Alberto Brilhante Ustra, o qual classificou como “o pavor de Dilma”.
Ustra, que dirigiu um centro de tortura durante a ditadura, foi o primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador no regime. Dilma foi presa e alvo de tortura no centro comandado por Ustra.
Em entrevista ao programa Conflict Zone, da Deutsche Welle, em 2020, Mourão classificou Ustra como um “homem de honra e que respeitava os direitos humanos de seus subordinados”.
No fim de semana, Jair Bolsonaro fez uma homenagem e publicou uma foto ao lado de Newton Cruz, ex-chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI), que morreu no domingo, aos 97 anos. Newton Cruz chegou a ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Comissão da Verdade, juntamente como outros 377 militares por crimes durante a ditadura militar.
le (Lusa, ots)