‘Não choro porque já chorei tudo que tinha’, diz mãe de cantora trans morta em MT
Nilda Salete dos Santos, mãe da cantora trans Santrosa, encontrada morta no dia 10 deste mês, conta ao jornal Folha que já não tem mais lágrimas para chorar o crime do qual sua filha foi vítima em Sinop (503 km de Cuiabá). A Polícia Civil de Mato Grosso afirma ter descartado transfobia como motivação, mas a família discorda.
Segundo a polícia, a principal linha de investigação é a de que Santrosa foi morta a mando da facção criminosa Comando Vermelho por desavenças sobre venda de drogas.
Ela foi decapitada e estava com as mãos e os pés amarrados. Santrosa, que tinha 27 anos, estava desaparecida desde o dia 9. Segundo relatos à polícia, ela saiu de casa por volta das 11h e não voltou mais. Faria um show na noite daquele dia, mas não compareceu ao evento.
“Não choro porque já chorei tudo que tinha”, diz Salete. “As pessoas vêm me dizendo que estou forte, mas a verdade é que eu sequei. Ela não suportava me ver chorando. Chorava junto comigo. Ela foi uma pessoa que preencheu todas as lacunas da minha vida. Sempre foi uma pessoa especial, muito carinhosa.”
Costureira, Salete era a responsável por fazer os vestidos com que Santrosa se apresentava em shows e também na competição Miss Gay Mato Grosso, em que ela representou Sinop no mês de abril deste ano.
“Realmente, ela sempre me pedia para fazer todas as roupas. Eu fiz num dia e meio o vestido com que ela competiu. Disse a ela que não gostava de fazer as coisas correndo, perguntei se tinha alguém para conseguir uma ajuda. Ela respondeu: ‘Mãe, eu não quero. Eu quero a roupa que a senhora faz’. Eu fiquei costurando até horas antes de ela viajar”, lembra.
Para a mãe, a sexualidade de Santrosa, que foi candidata a vereadora nas eleições municipais de 2024 pelo PSDB, não era um problema.
“Eu sempre soube que ela tinha chegado na minha vida para ser minha alegria. Houve uma época que eu estava muito deprimida, passando por problemas, e ela chegava e falava: ‘Mãe, a senhora apareceu na minha vida para não deixar eu morrer’. E o que eu posso dizer sobre isso agora?”, questiona.
“Pintaram minha Santrosa como uma coisa [em relação à polícia afirmar que ela tinha envolvimento com facções e venda de drogas] e eu nunca ouvi falar nada disso. Nunca ouvi que ela tivesse envolvimento com drogas. Nunca vi ela usando drogas. Eu só quero que a justiça seja feita, mas sem manchar a imagem da minha filha”, defende.
O delegado responsável pelo caso, Braulio Junqueira, disse à reportagem que a principal linha de investigação até o momento é a de que Santrosa foi morta a mando do Comando Vermelho por questões relacionadas a venda de drogas sintéticas.
“O Comando Vermelho pegou ela lá atrás e mandou parar com essa venda, mas ela não parou, aí a pegaram e executaram dessa forma covarde. Foram na casa para localizar a droga. Não sabemos se a encontraram. Reviraram bastante a residência. Não temos dúvidas da motivação: foi por conta da venda de droga sintética”, disse Junqueira. Ele afirmou também que não foram identificados os autores do crime.
Questionada se a cantora possuía antecedentes criminais, a polícia de Mato Grosso não respondeu.
A vítima mantinha um canal no YouTube, onde publicava clipes de suas músicas. O canal tem pouco mais de 4.000 inscritos e a última publicação é de um ano atrás.
Na política, tinha como bandeiras a defesa de pautas voltadas à cultura para comunidades periféricas do município. Conforme publicou em seu Instagram, se viesse a ocupar uma cadeira no Legislativo de Sinop, seria a primeira mulher trans na Casa.