“Narrativa golpista”: PL de Valdemar e Bolsonaro pode sofrer sanção?

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Valdemar Costa Neto e Jair Bolsonaro. © Neto Sousa/Estadão - 30/11/2021

por Manoela Alcântara

A operação da Polícia Federal com buscas e apreensões contra diversos aliados de Jair Bolsonaro acertou em cheio o coração do partido do ex-presidente. Na sede do Partido Liberal (PL), em Brasília, foi encontrada uma minuta com planejamento de tentativa de golpe de Estado, além da previsão de prender ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o presidente do Senado.

O partido ainda teve seu presidente, Valdemar da Costa Neto, preso por porte ilegal de arma de fogo e por ter com ele uma pepita de ouro com cerca de 39 gramas, com valor estimado de R$ 11 mil. A suspeita da PF é que o item seja compatível com a extração de garimpo. Valdemar passou duas noites na prisão, na Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, e teve a liberdade provisória concedida.

Valdemar ainda é chamado pela PF de “principal fiador” das articulações golpistas e, nas palavras do ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, o PL foi usado no financiamento de uma “estrutura de apoio às narrativas que alegavam supostas fraudes às urnas eletrônicas”. Essas narrativas eram usadas a fim de “legitimar as manifestações que ocorriam em frentes às instalações militares”.

O ministro ainda destaca que a PF conseguiu estabelecer, nas investigações, “intrínseca relação entre núcleo jurídico da organização criminosa responsável pelas minutas golpistas e o Partido Liberal, na pessoa de seu dirigente máximo, Valdemar Costa Neto”.

Extinção e Fundo Eleitoral

Diante de toda essa conjuntura, o PL pode estar em situação complicada. Embora não exista legislação específica para esse novo caso, o artigo 17 da Constituição Federal diz que partidos políticos deve resguardar “a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana”.

O arquitetar de um golpe, se comprovado ao longo das investigações, poderia acarretar desrespeito à Constituição e, consequentemente, implicar sanções. A mais severa seria a perda do registro do PL, hoje, a legenda com maior bancada na Câmara dos Deputados.

Outra penalidade entraria no ramo financeiro. Dono de maior fundo eleitoral, com R$ 863 milhões para bancar as atividades dos candidatos do partido neste ano, há ainda a possibilidade de o PL sofrer sanções financeiras.

CPF X CNPJ

Sem legislação específica sobre esse tipo de ação vinda de um partido político, as jurisprudências partiriam de interpretações. Para a advogada eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Anne Cabral, é preciso esperar as investigações, que ainda estão no início, mas uma eventual sanção, na visão dela, viria para dirigentes do PL, não para o partido em si.

A priori, as sanções penais recaem sobre as pessoas físicas — no caso, os dirigentes partidários. Porém, nenhum partido pode atentar contra o regime democrático”, ponderou a especialista.

O mestre em direito constitucional e especialista em eleitoral Ariel Uarian entende que é possível o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) limitar recursos de partido que atenta contra a democracia. “Decisão recente do Tribunal Constitucional Alemão, por exemplo, entendeu que partidos que atentam contra o Estado Democrático de Direito não pode receber financiamento público”, lembrou.

A decisão citada pelo advogado é de um acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional Federal que excluiu o partido Die Heimat (antes NPD) do financiamento estatal por seis anos por considerar que a legenda é anticonstitucional e atentou contra a República Federal da Alemanha.

“Em resumo, um partido não pode querer receber dinheiro público se atenta contra a democracia”, frisou Uarian. “Se comprovado, claro, precisamos ter mais elementos, a extinção do partido é muito drástica. É o maior partido de oposição do Brasil e alimentaria o discurso de perseguição. Mas, a depender do que for constatado, é possível uma medida restritiva no Fundo Partidário. Há um impacto sensível nisso”, considera.

Para o professor e mestre em direito eleitoral Volgane Carvalho, é pouco provável que o PL seja punido como legenda em si. “A gente tem que ter em mente que não podemos comparar a responsabilização das pessoas com os partidos políticos, seus membros, seus representantes e até seu presidente. Nesse lógica, é muito mais complexo que a legenda seja responsabilizada. Há um desgaste político, mas, dentro do nosso ordenamento jurídico, é muito difícil uma punição para o partido.”

Ação

Para que o TSE ou o STF investiguem ou abram ação contra o PL, os tribunais precisam ser acionados. Até o momento, o senador Humberto Costa (PT-PE) acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR) com pedido de que o PL seja investigado e seu registro seja cassado por envolvimento com atividade criminosa.

Na representação, o senador diz que é “preocupante, inconstitucional, ilegal e criminoso que a referida agremiação política tenha se utilizado, em tese, de recursos do fundo partidário para fins de financiamento de atividades delituosas, passando ao largo de toda a legislação nacional eleitoral, com evidente ataque à nossa democracia e promovendo o financiamento de atos que buscavam a abolição violenta do Estado Democrático de Direito”.

Minutas

Uma das minutas identificadas pela Polícia Federal (PF), que teria sido preparada por pessoas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em planejamento de tentativa de golpe de Estado, previa a prisão de autoridades. Entre elas, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG). Por fim, a minuta ainda previa a realização de novas eleições.

Segundo as diligências da PF, Bolsonaro pediu que os nomes de Pacheco e Gilmar fossem retirados do texto, mas o de Moraes deveria ser mantido.

Essa minuta é citada em decisão de Moraes que determinou buscas e apreensões em endereços de várias pessoas próximas de Bolsonaro, suspeitas de arquitetar um golpe de Estado.

De acordo com o documento, Filipe Garcia Martins Pereira, então assessor especial para Assuntos Institucionais da Presidência da República e um dos presos na operação da PF desta quinta, e o advogado Amauri Feres Saad, alvo de busca e apreensão, apresentaram a minuta do suposto golpe de Estado a Bolsonaro.

O então presidente teria pedido a Filipe Martins que fizesse alterações na minuta; alguns dias depois, o então assessor especial retornou ao Palácio do Alvorada e ajustou o documento, conforme solicitado.

Após a apresentação da nova minuta modificada, Jair Bolsonaro teria concordado com os termos ajustados e convocado uma reunião com os comandantes das Forças Militares para apresentar a minuta e pressioná-los a aderirem ao suposto golpe de Estado.

Esses ajustes foram citados também em mensagem entre o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens de Bolsonaro, e o general Marco Antônio Freire Gomes, então comandante do Exército. Em dezembro de 2022, Cid avisa a Gomes que o ex-presidente “enxugou o decreto”. “Fez um decreto muito mais resumido, né. […] Algo muito mais direto, objetivo e curto, e limitado”, aponta.

Veja:

Diálogo entre militares sobre influência de Bolsonaro em minuta do golpe
Diálogo entre militares sobre influência de Bolsonaro em minuta do golpe

Estão presos Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência; o coronel Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro; e o major das Forças Especiais do Exército Rafael Martins.

Confira os nomes de todos investigados alvos da operação

  1. Valdemar Costa Neto, presidente do PL – partido pelo qual Bolsonaro disputou a reeleição;
  2. Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022;
  3. Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
  4. Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública;
  5. General Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército;
  6. Almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha;
  7. General Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
  8. Tércio Arnaud Thomaz, ex-assessor de Bolsonaro e considerado um dos pilares do chamado gabinete do ódio;
  9. Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro;
  10. Marcelo Câmara, coronel do Exército citado em investigações, como a dos presentes oficiais vendidos pela gestão Bolsonaro e a das supostas fraudes nos cartões de vacina da família Bolsonaro;
  11. Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército.
  12. Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército;
  13. Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão reformado do Exército expulso após punições disciplinares;
  14. Amauri Feres Saad, advogado citado na CPI dos Atos Golpistas como “mentor intelectual” da minuta do golpe encontrada com Anderson Torres;
  15. Angelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército que chegou a ocupar cargo de direção no Ministério da Saúde na gestão Eduardo Pazuello;
  16. Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres;
  17. Eder Lindsay Magalhães Balbino, empresário que teria ajudado a montar falso dossiê apontando fraude nas urnas eletrônicas;
  18. Guilherme Marques Almeida, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres;
  19. Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército;
  20. José Eduardo de Oliveira e Silva;
  21. Laércio Virgílio;
  22. Mario Fernandes;
  23. Ronald Ferreira de Araújo Júnior;
  24. Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros.

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