Alimentos ultraprocessados têm produtos químicos, como corantes e conservantes - Eduardo Knapp/Folhapress
por Thais Porsch
De acordo com o estudo Mortes prematuras atribuídas ao consumo de ultraprocessados no Brasil, realizado por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP (Nupens), Fiocruz, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade de Santiago do Chile, o número de mortes ligadas aos ultraprocessados aproxima-se a 57 mil por ano.
No Brasil, o consumo desse tipo de alimento entre 2008 e 2017 teve aumento médio de 5,5%. É o que aponta estudo sobre o perfil de consumidores, divulgado pela Revista de Saúde Pública USP, feito pelo Nupens/USP. O núcleo é responsável pelo Guia Alimentar para a População Brasileira —que desde 2014 recomenda evitar o consumo de ultraprocessados.
Agora, uma nova revisão de 45 trabalhos feitos sobre o tema, publicada semana passada pela revista científica The BMJ, mostra que existe uma associação entre as comidas e um risco aumentado para 32 problemas de saúde diferentes.
O trabalho foi conduzido por diversos pesquisadores da Austrália, França, Irlanda e Estados Unidos, e é chamado de “guarda-chuva” por ser uma análise conjunta de outras revisões já feitas sobre o tema.
Ao todo, os estudos analisados acompanharam quase 10 milhões de indivíduos e chegaram aos seguintes resultados sólidos sobre o consumo de ultraprocessados:
Estão associados a um risco aumentado de 50% de morte relacionada a doenças cardiovasculares;
A 53% de transtornos mentais comuns e 48% de ansiedade prevalente;
Risco 12% maior de diabetes tipo 2 a cada 10% de aumento dos ultraprocessados na dieta.
Além disso, muitos destes produtos têm potencial de gerar vício e dificuldade para o indivíduo controlar a quantidade da ingestão, podendo levar a compulsão alimentar, explica a nutricionista Jhenevieve Cruvinel.
O QUE SÃO ULTRAPROCESSADOS
Produtos alimentícios que contém uma grande quantidade de ingredientes, compostos em sua maioria por produtos químicos, como corantes e conservantes, adicionados de gorduras saturadas, açúcares refinados e/ou adoçantes, sódio e aditivos artificiais podem ser considerados ultrapassados, diz a nutricionista e especialista em gastroenterologia funcional Carolina Calda. São também ricos em calorias vazias, enquanto geralmente são pobres em nutrientes essenciais.
Segundo o Dirceu Mendes Pereira, especialista em Nutrição Metabolômica e atual Diretor Clínico da IonNutri, refrigerantes, biscoitos recheados, embutidos, salgadinhos e macarrão instantâneo são alguns exemplos de ultraprocessados. “O produto final é sensorial, palatável, de fácil consumo e geralmente de baixo custo, tornando-o atraente para a alimentação cotidiana”, explica.
Na visão dos profissionais ouvidos pela reportagem, tanto a frequência como a quantidade de consumo dos ultraprocessados contribuem para o risco de dano à saúde.
Consumir esses alimentos com muita frequência pode levar a uma ingestão excessiva de nutrientes prejudiciais, como açúcares adicionados, gorduras saturadas e sódio —o que aumenta o risco de desenvolver doenças crônicas. Da mesma forma, consumir grandes quantidades de alimentos ultraprocessados em uma única vez pode sobrecarregar o corpo com calorias vazias e nutrientes prejudiciais.
Quais são os 32 problemas de saúde associados a ultraprocessados, segundo a pesquisa:
Mortalidade por todas as causas
Mortalidade por câncer
Mortalidade por doenças cardiovasculares
Mortalidade por problemas cardíacos
Câncer de mama
Câncer (geral)
Tumores do sistema nervoso central
Leucemia linfocítica crônica
Câncer colorretal
Câncer pancreático
Câncer de próstata
Desfechos adversos relacionados ao sono
Ansiedade
Transtornos mentais comuns
Depressão
Asma
Chiado no peito
Desfechos de doenças cardiovasculares combinados
Morbidade de doenças cardiovasculares
Hipertensão
Hipertriacilgliceridemia
Colesterol HDL baixo
Doença de Crohn
Colite ulcerativa
Obesidade abdominal
Hiperglicemia
Síndrome metabólica
Doença hepática gordurosa não alcoólica
Obesidade
Excesso de peso
Sobrepeso
Diabetes tipo 2
COMO DIMINUIR O CONSUMO
A mudança de padrão alimentar é uma realidade em todo o mundo. No Brasil, a perda da cultura alimentar local se deve principalmente a globalização da cultura fast food, que não demanda gasto de tempo e está hoje disponível em qualquer lugar, até mesmo por meio dos aplicativos, comenta Jhenevieve Cruvinel.
“Cozinhar foi associado a perda de tempo e há o apelo emocional do consumo, com a vinculação de personalidades famosas, como o uso de celebridades, atletas e influenciadores, para promover os produtos. Embalagens coloridas que atraem principalmente jovens e crianças, o fácil acesso em qualquer local e o valor desses produtos são muitas vezes mais atrativos”, explica Cruvinel.
No entanto, é importante ressaltar os impactos negativos desses alimentos na saúde, como o alto teor de gorduras saturadas, açúcares adicionados e aditivos prejudiciais, que estão associados a várias doenças crônicas, como obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. Promover a conscientização sobre os benefícios de uma alimentação baseada em alimentos naturais e minimamente processados é essencial para a promoção da saúde e prevenção de doenças, concordam os especialistas.
Mais recentemente, o município do Rio de Janeiro proibiu a venda de ultraprocessados dentro de escolas. E, desde o ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) especificou que produtos altos em sódio, gorduras saturadas e açúcares adicionados devem mostrar essas informações na frente das embalagens em certa padronagem.
Porém, os profissionais defendem restrições mais rígidas na publicidade dos produtos, incentivo ao consumo de alimentos naturais e frescos, o desenvolvimento de campanhas de conscientização e apoio a indústria alimentícia na produção de opções mais nutritivas.
Cruvinel diz que “seria interessante se houvesse a reavaliação de quais aditivos poderiam ser utilizados na fabricação de ultraprocessados no Brasil, acompanhando os estudos que comprovam seu prejuízo à saúde. Alguns já são proibidos na Europa e em outros lugares no mundo, como os aditivos de sabor Ciclamato de Sódio (E952) e o Aspartame (E951), que são amplamente utilizados no nosso país.”
No campo individual, optar por reduzir tanto a frequência quanto a quantidade desses alimentos na dieta pode ajudar a melhorar a saúde geral e reduzir o risco de doenças relacionadas à alimentação. Enfatizar o consumo de alimentos naturais e minimamente processados pode oferecer uma ampla gama de nutrientes essenciais para uma boa saúde, esclarece Carolina Caldas.