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Foto: Reprodução

Uma medida recém-adotada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) promete revolucionar a maneira como são criados os partidos políticos no Brasil.

Instrução aprovada pela corte em 31 de agosto regulamentou a coleta de assinaturas digitais para a criação de novas legendas, com prazo de 120 dias para sua implementação. Em outras palavras, a regra deverá valer já no início de 2022, salvo algum adiamento de última hora.

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Apoiadores do Aliança Pelo Brasil posam para foto com obra feita com cartuchos de balas, durante evento de lançamento do partido, em 2019, em Brasília – Pedro Ladeira – 21.nov.2019/Folhapress

O tribunal criou duas novas possibilidades de assinatura, além da que ocorre hoje, manual. Uma delas, por meio de certificado digital, deverá ter impacto restrito, já que apenas 5 milhões de pessoas físicas possuem esse instrumento atualmente, que custa no mínimo R$ 50 e tem prazo limitado. Isso equivale a apenas 3,4% do eleitorado.

É a outra alternativa que poderá provocar um “big bang” partidário: a possibilidade de dar assinatura pela criação de uma legenda usando o aplicativo já existente da Justiça Eleitoral para celulares, o e-Título.

O modelo exato do novo sistema ainda está sendo desenvolvido pela área técnica do tribunal. Deverá envolver um token gerado a partir dos dados fornecidos pelo eleitor numa área do aplicativo, possibilitando a assinatura de forma segura.

Para usar o aplicativo, será necessário fazer a biometria junto ao TSE, um processo já bem adiantado e utilizado em diversas cidades nas últimas eleições.

Atualmente, há 82 pedidos de criação de partidos em aberto no TSE. Formar uma legenda é um processo tortuoso, que envolve a coleta de 492 mil assinaturas, distribuídas em ao menos nove estados.

Em seguida, numa etapa muitas vezes ainda mais complexa, é preciso que elas sejam validadas pelos cartórios eleitorais, com base em uma série de critérios: a assinatura tem de ser compatível com a do registro eleitoral, o apoiador deve estar com seu cadastro eleitoral regularizado e não pode ser filiado a nenhuma legenda, entre outros pontos.

Além disso, tudo deve ser feito num prazo de dois anos, caso contrário o processo é invalidado.

“Muitas vezes o pessoal assina igualzinho ao que está no título de eleitor, mas mesmo assim o cartório devolve a ficha, você não consegue entender”, diz Marcus Alves de Souza, que busca recriar a UDN (União Democrática Nacional), partido conservador que existiu entre 1945 e 1965.

Até o momento, há apenas 6.577 assinaturas reconhecidas pelo TSE em apoio a seu partido, mas, de acordo com Souza, outras 300 mil aguardam liberação pelos cartórios para serem enviadas à corte.

A coleta digital por meio do aplicativo eliminaria diversos entraves da versão manual.

O sistema logo de cara barraria aqueles que estivessem com problemas no cadastro ou fossem filiados a outras legendas.

Na sessão do TSE em que a instrução foi aprovada, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, chamou a mudança de “um salto” em relação ao modelo atual.

“Primeiro, porque haveria uma verificação prévia da aptidão do cidadão para conceder o apoio à criação de partido político, não sendo o código [no aplicativo] gerado para a pessoa com direitos políticos suspensos ou filiada a partido político”, declarou.

Ele também listou como vantagens o fato de haver bem mais usuários do e-Título do que detentores de certificados digitais, e o fato de que o próprio aplicativo da Justiça Eleitoral ficaria mais atrativo, ao ter mais funcionalidades.

Na lista de partidos na fila do TSE, nenhum chama mais a atenção do que o Aliança Pelo Brasil, que foi proposto pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, em 2019. Embora o projeto tenha sido abandonado por ele desde então, permanece tendo assinaturas coletadas, sobretudo em eventos da direita.

Segundo seu principal idealizador, Luís Felipe Belmonte, o processo de criação de um partido pode ser abreviado para até seis meses, com a coleta digital.

“A pessoa às vezes assina em São Paulo, mas esquece que o título dela é da Paraíba por exemplo. Daí o cartório rejeita. Com a assinatura digital, não tem esse problema”, diz.

Coleta de assinaturas para o Aliança pelo Brasil em Itaquera, no extremo zona leste da capital paulista; faixa do ministro Sergio Moro foi exaltada
Coleta de assinaturas para o Aliança pelo Brasil em Itaquera, no extremo zona leste da capital paulista; faixa do ministro Sergio Moro foi exaltada – Zanone Fraissat/Folhapress

No caso do Aliança, afirma, a mudança não deverá surtir efeito prático, porque o prazo de criação do partido se esgota em dezembro –embora o TSE tenha sinalizado que fará uma extensão de 120 dias para todas as legendas em formação, para compensar as dificuldades causadas pela pandemia.

No site do TSE, o Aliança tem 133 mil assinaturas confirmadas. Segundo Belmonte, há mais 350 mil esperando aprovação, e outras seguem sendo coletadas. Ele diz que a expectativa é encerrar o processo de coleta de apoios até o final de outubro, dando condição à Justiça Eleitoral para aprovar o novo partido antes de março, em tempo de disputar a eleição de 2022.

A nova modalidade de assinatura digital também poderá tirar do papel projetos antigos de criação de partidos, como uma legenda ligada ao MBL (Movimento Brasil Livre).

No início do mês, um dos principais líderes do movimento, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), teve reunião com o TSE para se informar sobre a mudança. Mas qualquer iniciativa ficaria para o pós-eleição, diz ele.

“Primeiro disputamos 2022, depois voltamos a discutir isso”, afirma Kataguiri. Segundo ele, antes o movimento quer saber se o aplicativo realmente será simples e fácil de usar, como o TSE promete.

“Vai depender de como for este aplicativo, do nível de burocracia, de como vão autenticar a assinatura do eleitor”, diz.

Para o MBL, que tem uma grande base digital de apoiadores, a possibilidade de criação de partido pela via eletrônica faz todo o sentido, afirma o parlamentar.

Um efeito colateral possível da digitalização do processo é expandir um campo partidário já inflacionado, hoje com 33 legendas.

“Essa flexibilização é boa por um lado, mas tem que vir acompanhada por medidas como cláusula de barreira, fidelidade partidária e outras, para enxugar o número de legendas”, diz o cientista político Christian Lohbauer.

Um dos fundadores do Novo, do qual acaba de se desligar, ele diz que o modelo de criação de partidos no Brasil é totalmente disfuncional.

“Fiquei cinco anos nisso, para construir o Novo. O processo de criar um partido político no Brasil é feito para corromper, para ter corrupção. Como a gente não se corrompeu, a coisa demorou”, diz ele.

Para Diogo Rais, professor de direito eleitoral na Universidade Mackenzie e fundador do Instituto Liberdade Digital, o processo de criação de partidos é a última peça que faltava na estratégia da Justiça Eleitoral de digitalizar sua atuação.

“Prestação de contas, título eleitoral, totalização e processamento de votos, tudo hoje é eletrônico. Criação de partidos é uma das poucas coisas ainda analógicas”, afirma.

Ele diz que a instrução do TSE também foi motivada pelas exigências contidas na nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A legislação agora veta que a Justiça Eleitoral disponibilize aos interessados em criar partidos os cadastros de eleitores. Ou seja, o modelo digital torna-se ainda mais necessário para encontrar potenciais apoiadores.

Segundo Rais, o formato digital vai facilitar muito mais a fase de validação de assinaturas do que a da obtenção delas.

“O processamento de operacionalização das assinaturas tenderá a ser muito mais rápido e menos problemático. Isso vai livrar uma carga muito pesada da Justiça Eleitoral”, diz.

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